A garotada da Vila Inês chupava
mangas todos os dias, a qualquer hora, bem como o suco. Mas, em hipótese
nenhuma, podiam tomar a vitamina venenosa. Os pais diziam, tomou, já era, um puro veneno. Mas criança gosta de enfrentar desafios. E todos na faixa de 12 a 14 anos resolveram fazer se a lenda era verdade ou mito.
— Meus amigos, que tal
experimentarmos a vitamina de manga? Dizem que é uma delícia, eu trago o leite.
Sugeriu Ldanzim.
— Teus pais não te ensinaram, não?
Manga com leite é morte certa. É um puro veneno. É a mais famosa vitamina
mortal! – falou Bacurau, o mais experiente.
— E quem disse que é uma delícia,
tomou e não morreu, acredito não, isso é conversa. — Ponderou Manguinhos, o
mais novo.
— Se morreu, eu não sei, mas só vamos
saber se mata mesmo se a gente tomar. — Se toparem, tô dentro — disse o
encorajado Ldanzim.
— Mas, se ferirem, fica chato não
tomar, mesmo sabendo que vamos partir para o além — alertou Espadinha.
— Meus pais sempre me disseram que é um suco sem volta. Vou não! Sou muito jovem, quero casar e ter
filhos, disse Rosinha, a única feminina.
O quinteto, mesmo sabendo que a
bicha era fatal, queriam testar a lenda da experiência fúnebre.
E decidiram fazer; depois resolviam quem ia dar o primeiro gole fatal.
Trouxeram o leite, liquidificador, açúcar não precisava, pois já eram doce. Tomada já tinha no local. Fatiaram as frutas; tinha um pedaço
de cada: bacuri, espada, rosa e Manguito. Bacurau foi o responsável de por o "veneno", o "leite". Alguns se benzeram. Tinha até gelo.
Ligaram, a mortal tomou forma, bem cremosa, deu certinho um copo para cada.
— Pronto, agora, quem vai dar o
primeiro gole? — Perguntou Manguinhos.
O suspense e medo tomaram conta
daquela gurizada. Ninguém queria ser o pioneiro. Para eles, era tomar e
pronto, partia na hora. Um gole sem volta. E decidiram disputar a “queda”
na “porrinha”, tipo de jogo de apostas com palitinhos.
— Vamos lá, quem sair primeiro se
livra da morte, fica para contar aos pais a causa da nossa partida. Já o último
toma primeiro e, assim, os demais.
Bacural, o mais experiente, se livrou
da venenosa. Depois saíram Espadinha e Manguinhos, sobrou a Rosinha e Ldanzim.
Logo os marmanjos começaram a fazer pressão para ele deixá-la sair.
— Vamos, Ldanzim, seja cavalheiro,
deixa Rosinha ganhar, é falta de educação deixar as donzelas por último.
Verdade, se fosse eu, deixava-a de fora. Dizia um espertinho.
— Se ela sair , me lasco primeiro. Foi pra roda porque quis. Nem era para ter entrado. Nenhum dos dois queriam ser o finalista. Essa hora, ser vice é melhor. Não deu outra. Ele perdeu.
Bom, resolvido, Ldanzim, pela ordem,
é o primeiro a tomar, depois, Rosinha, Manguinhos e eu. – Só Bacurau fica vivo
– disse Espadinha, já dando o copo para ele tomar.
— Vou tomar não, vou morrer sozinho,
é? Está aqui, para vocês!
— Homi, mas tu perdeste, ficou
combinado, tu morres, depois morremos nós e a ideia foi tua!
— Vou de jeito nenhum, vixe! Vá para
lá! Só se um tomar também. Não vou morrer sozinho de jeito nenhum. Quem garante
que vocês vão morrer também?
— Mai, rapá, a ideia foi sua, você
toma e morre, depois Manguinhos e, por fim, eu — disse Espadinha. — Só Bacurau que vai viver.
— Vamos, homem, seja corajoso, toma
logo, para ver se tu morres mesmo. Aí a gente toma em seguida.
— Dá certo assim não, dá não, vai
sobrar só para mim — resmungava ele. — Depois que eu morrer, vocês não vão
tomar. Eu vou morrer só, é?
— Pessoal, vejam, um tem que viver para contar aos pais a causa da morte. E ganhei! Vou ficar
com essa árdua tarefa, vai ser muito triste fazer isso. – Minha atuação não é
tão boa, não, é muita responsabilidade, explicou o esperto Bacurau. No mesmo instante, todos pediram para
ficar no lugar dele. O Bacurau, viu que falou besteira e tentou explicar o
inexplicável.
— Verdade, ele é o único a ficar
vivo. E assim, que a gente cair, você sai correndo para avisar a todos da
vila o motivo da nossa eterna partida. Disse a triste Rosinha.
Uma coisa era certa: eles estavam receosos, mas queriam participar do desafio do teste e saber
se a lenda era fatal. Ldanzim, balançava a cabeça, que só tomava se um fosse também.
— Seja homem, você não disse que era
corajoso? Prove que você é; a gente quer saber se vai cair mesmo ou não.
Ordenou o Bacurau.
— Se eu cair, vocês vão fazer
carreira para suas casas e vão me abandonar sozinho aqui estirado. De jeito
nenhum.
Como o corajoso Ldanzin, afrouxou, todos resolveram tomar. Menos o Bacurau. Pois tinha que cumprir
a missão vivo. Começaram a choradeira, todos se abraçando. Afinal, era o último gole de
suas vidas. Tomou, já era. E se encheram de coragem, e na contagem “um, dois, três e já”, o geladinho desceu de goela abaixo. Não havia dúvida de que a mortal era gostosa. Bacural, foi pressionado e
curioso, tomou o último copo. Até porque já havia lambido o dedo, isso já era suficiente para partir também. Todos em pé, de olhos arregalados, silenciosos, amedrontados, só esperando a primeira queda. Mas, nada acontecia, além do medo. Aí, surgiram vários comentários.
— Acho que o efeito da morte só vem
depois de uma hora e não pode dormir! Se dormir, não
acorda mais, já era! Disse um ainda vivo.
Eles começaram a reclamar de um “rói,
rói” no estômago. Ldanzim, mesmo com medo, mas era o
menos triste, pois sabia que não era o único a visitar São Pedro. Pronto, era o sinal da morte
chegando. O desespero tomou conta dos vitaminados e começaram a chorar. E a melhor coisa naquele momento era
correr para casa e morrer junto da família.
— Meu Deus, onde vou morrer? Meus
pais não estão em casa! – Lamentou Manguinhos.
— E eu, o que faço? Será que dá tempo
de chegar em casa? – Quase chorou Bacuri.
Ldanzim suava frio, seu “rói,
rói” aumentou e correu para casa. E
pensou correndo: Meu Deus, corri tanto para me salvar,
agora estou correndo para morrer. E todos correram. Cada um
para o seu destino fatal. Em casa foi rezar no quarto. Depois ao banheiro dar uma aliviada, pois o mal-estar continuava. Quis dizer a mãe sobre a sua partida, mas antes foi saber dos outros. Tinha esperança de não ser o
primeiro. Foi até a porta e viu que eles foram morrer em suas casas. "Eita, píula, a bicha é lasca mesmo! Vou ligar para saber como foi a partida para o Céu.
Ligou para casa de cada um, e os parentes disseram que: Manguinhos não tinha chegado; Espadinha, tá no quarto trancado; Bacurau está dormindo e Rosinha, até agora sem notícias. Ldanzim, a cada ligação, só dizia, "foi a a trr. triste pa tida da vi vitaa mina mor.. tal", e desligava. Eles, sem entender nada, por conta da "gagueja", ficaram mais apavorados ainda.
Ele ainda pensou: "Caramba, era o primeiro a partir, terminei sendo o único a dar a notícia da triste partida dos vitaminados".
Após o susto, a garotada ficou feliz em saber que a lenda era apenas um mito. E a vitamina de manga, hoje, é a mais favorita. A lenda foi inventada por um fazendeiro que tinha suas
mangas roubadas.