O pequeno Ldanzim e seus amigos brincavam de correr na rua numa noite estrelada.
- Eita, tô com vontade de ir ao “sanitálio”, estou nas últimas, vou “aploveitar” que estou “colendo” e “entlo” em casa.
Ao chegar à porta da sala, se deparou com suas irmãs e umas amigas, todas adolescentes, na maior lorota. E travou no canto da parede. Bem quietinho. Pensando em como entrar sem elas perceberem, era muito tímido.
- Se eu “entlar colendo”, elas vão “lir” de mim.
Passar andando, não dava, ainda estava se adaptando. Tinha que agir rápido, a barriga já roncava. Bem tímido, foi encostadinho à parede, e de repente, zasp!, correu direto para o vaso sanitário. A moçada nem percebeu o “The Flash” passar.
Só que uma viu algo estranho e disse:
— Amigas, se não me engano, vi um vulto correndo.
— Eu não vi nada! – disse uma. — Nem eu. – disseram as demais.
— Bom, como não vi nada, vou lá que estou nas últimas para dar uma “xixizada”.
Ao chegar, encontrou a porta fechada e a luz acesa, então perguntou:
— Quem está aí?
Coitado! Como a voz não era das suas manas, ficou com vergonha de responder e preferiu ficar bem quietinho, sem dar um pio. E, pior ainda: estava nas suas necessidades.
— Responda, quem está aí?
Isso só aumentava sua timidez e vergonha.
— Ah, você não quer falar, vai ficar mudo, é? Vou chamar as meninas. - Ei, pessoal! Tem alguém no sanitário. Está lá trancado, sem falar nada, quem será?
— Será que é o vulto que você viu, amiga?
— Eu bem que disse que vi um vulto, estou com medo.
— Calma, vamos verificar, pode ser Ldanzim, ele sempre passa correndo por aqui – falou uma das irmãs.
— Ldanzim, Ldanzim, é tu que está aí? Abra a porta?
Ele, calado, só tremia, por conta da timidez e da necessidade.
— Deve ser o vulto que tu viste mesmo, passando na sala?
— Meu Deus, vulto é alma e não gosta de luz acesa! E estou vendo seus pés.
— É, isso mesmo! Alma fica no escuro e não tem pés, só sombra.
Nisso, o tímido e desesperado irmãozinho subiu em cima do bojo! O medo era tanto que até das necessidades se esqueceu.
— Ei, não é alma, não, ele subiu no bojo, só pode ser “ladrão”!
As manas imploraram para ele se apresentar. Até ponche e bolo ofereceram, que eram os lanches da época. E nada dele falar. Nem a sua respiração escutava. Bom, parece que pelo menos ele tinha terminado suas necessidades e se limpado. Pois nem se tocou e deu “descarga”. A garotada logo percebeu e uma disse:
Eita, ele veio fazer “A2”. Algumas, mesmo com medo, riram. Isso só fez aumentar ainda mais a timidez do menino.
— Agora temos um “ladrão cagão” – Riram.
Mas outra deu o alerta, mais preocupada que as amigas:
— Ele pode até ser “cagão”, mas é ladrão e é perigoso, pode estar armado.
O garotinho que era esperto resolveu pôr seu “Plano B” em ação:
“Sou bem magrinho, fujo pela janela e saio correndo pelo beco.” Em sua inocência, nem se lembrou de que a porta continuaria fechada. Só que uma delas também tinha o mesmo plano B:
— Vou lá no beco ver se descubro alguma coisa pela brecha da janela.
Mas, o danadinho era astuto! Mesmo se tremendo feito vara verde, não desistiu e foi para o plano C. “Vou ficar aqui, encolhidinho no canto da parede, nem meus pés vão ver. Quem sabe elas desistem.” Pensou em apagar a luz, mas viu que não era uma boa ideia. Pois elas iam pensar que era “alma” mesmo, aí complicava mais ainda. “Vou ficar em silêncio, no cantinho da parede, elas vão achar que não tem ninguém e vão embora também.” Pensou, rindo. E preferiu ficar só ouvindo os comentários e os planos malignos das meninas.
— Bom, não é alma, nem seu irmão, então só deve ser o ladrão cagão! Ou até um fugitivo da lei. E que veio fazer “A2”, pelo menos tem um cheirinho. Ai, meu Deus, e agora? Será que ele está armado e é perigoso?
Vamos nos armar, também. Qualquer coisa de ferro ou pau serve. Temos vassouras, peixeiras, panelas, martelo, pá, tábua de carne, facão. – Disse uma musa aperriada.
Agora era guerra, cacete e “porrada” no pilantra. Até pedras foram buscar. O coitado de Ldanzim, que até então tremia de vergonha e timidez, começou a tremer também de medo. Elas resolveram chamar o vizinho, e aí que a celeuma esquentou. Ele, de cócoras, espremido no canto da parede, praticamente escondido atrás do bojo, só tremia.
— Agora você vai ver, cabra safado, seu “ladrão de merda”, vamos chamar o vizinho. Dizem que ele é brabo e vamos te quebrar no pau. Assim que o “brabão” chegou, o alarido e as ameaças aumentaram:
Saia, logo! Senão vamos arrombar a porta, seu safado! Vamos te quebrar de pau!
Elas estavam bem armadas com cabo de vassoura, facas, panelas, cadeiras, pedaços de pau, martelo, ferro de engomar... Tinha até enxada e picareta. Ah, teve uma que foi pegar uma pedra de paralelepípedo. Já o valentão trazia na mão um porrete de madeira. Sua situação está cada vez mais complicada. O “Porretão” ordenou:
— Eu arrombo a porta e vocês metem o cacete, enquanto eu “quebro” as pernas dele com o porrete – falou, em tom bem ameaçador. Eu jogo esse paralelepípedo em cima dele, e vocês atacam – complementou “Pedrita”.
E começaram o bate-bate para arrombar a porta. Pah, pah, pah. Adrenalina subia para os dois lados. Para os batedores, a ânsia de enfrentar um estranho perigoso no lavabo. Algumas donzelas já estavam com as calças meladas de medo. Do outro lado, a certeza de que iria apanhar e ter todos os ossos quebrados. Ele sabia da fama de valentão do vizinho e, se a porta fosse arrebentada, levaria uma tremenda surra, além das pedradas.
Ai, meu Santo Deus! Tô lascado! E agora, o que faço?
E o bate-bate e alaridos de ameaças aumentavam cada vez mais. Os trincos já estavam quase cedendo. Mais uma vez, ele tentou enganá-los, partiu para o plano D, era tudo ou nada. A chamada “a última tentativa dos desesperados”. O negócio era evitar o quebra-pau dentro do sanitário.
Não me entrego, vou apagar a luz, assim eles não vão me ver e nem saber o que estou fazendo. Ou achar que só uma “alma”, aí eles correm. Sou esperto.
— Eita, e agora, ele apagou a luz, tá tudo escuro. O que vamos fazer?
Deram uma pequena pausa, até o valentão pensar no que fazer. Bom, alma não é! Vou arrebentar a porta com a picareta e partimos para cima. Meninas, ao ataque! – ordenou o valentão.
Os bate-bates retornaram, e era uma questão de segundos. O clima ficou mais tenso, algumas roíam as unhas. O inofensivo garotinho perdeu as esperanças, todos os planos tinham ido para o Beleléu e não havia saída. O desarmado e inocente Ldanzim sentia que estava prestes a levar uma tremenda surra e talvez nem escapasse do quebra-pau no sanitário. Mas, foi para o tudo ou nada, ainda acreditando que a alma pudesse te salvar, apelou de vez e pensou:
- Como está tudo no escuro, vou imitar uma alma e apagar e acender a luz. Agora sim, eles vão tremer de medo, hé hé hé (rindo).
- Huuuu, Hummmm, (som de alma de criança) e acendendo e apagando a luz.
- Vixe, e agora, é alma mesmo, mas tem voz de uma “alminha” de criança. Estou com medo e com pena desta alminha, deve estar perdida e precisando de ajuda. Disse a Santinha.
Não é melhor a gente acender uma vela? De repente, ela vai embora. Disse uma assombrada.
Vamos acabar com essa lorota, vamos continuar arrebentando a porta e meter porrada nesse ladrãozinho metido a alma, vamos ao ataque. Disse o valentão. Não suportando aquela agonia, pois estava encurralado nas necessidades, acabou entregando os pontos e chorando bem baixinho, disse “sou eu” e abriu a porta.
Assim que abriu e viu o Brabão e suas guerreiras armadas até os dentes, não esperou nem um segundo para ser consolado pelas irmãs. Fugiu em disparada. Ainda com resíduos de suas necessidades. Não é que anos ele caiu dentro de uma fossa.