As costas de Paulo bateram com tudo no concreto úmido,
ele sabia que aconteceria em algum momento a quantidade de limo que lhe cercava
por todos os lados, acreditava inclusive que seria em um momento pior, mas já
estava reestabelecido e seguia palmo a palmo em meio ao completo breu. Havia
molhado sua calça, mas os bolsos dianteiros estavam secos, o que lhe deixou
aliviado.
O homem de 1,75m caminhava abaixado pelo túnel de 1,20m,
agora apoiando as mãos nas paredes enquanto as solas de seus pés espalhavam a
água do fio fino que percebia sob seus pés. O cheiro de dejetos humanos e água
podre não diminuíam seu ritmo. Sempre tateando e avançando. Percorreu
aproximadamente vinte metros até tocar o que parecia ser a conexão com uma nova
galeria. Pegou um fósforo e iluminou o túnel. A próxima manilha era mais
estreita, perdendo 15 ou 20cm. Agora ele teria que seguir de quatro.
Tentava fazer a luz chegar mais fundo no túnel que
parecia infinito quando o fósforo queimou seu dedo. No ímpeto do momento, ele
quase colocou o polegar e o indicador na boca, mas conseguiu parar a tempo. A
sua situação era humilhante, mas a verdadeira humilhação seria desistir e
retornar. Após percorrer, de quatro, mais alguns metros, escutou o som de água
que parecia verter de pequenas conexões laterais que ficavam na altura de seus
olhos. Não lhes notaria se não fosse pelo pequeno par de brilhos redondos se
movendo em meio ao breu que acabaram chamando sua atenção, depois de alguns
segundos ele escutaria os guinchos e finalmente o cano revelaria a cabeça de um
grande roedor que admiraria com curiosidade o humano invasor.
Não seria o último. Ao longo deste trajeto seria
observado por dezenas de pequenos olhos brilhantes que lhe miravam por todos os
lados com seus tons que iam do verde ao vermelho. Na próxima conexão o cano
sofreu mais um estreitamento, mirando o fósforo para trás viu que os ratos já
não estavam apenas nas conexões, mas também no túnel principal. Agora o fio de
água tomava um volume maior, aproximadamente 5cm de uma correnteza podre que
vez ou outra trazia consigo pedaços de massa fecal que se desfaziam ao
encontrar seu corpo. Paulo teria que rastejar por esse cano. De tempos em
tempos escutava atrás de si os guinchos, estes faziam seu coração palpitar de
forma acelerada, mas não tanto quanto a sensação de algo roçando em seu
tornozelo. De acordo com o plano ele estaria livre em uma hora, mas sempre
podem ter imprevistos.
Ao se aproximar da conexão com um cano ainda menor, Paulo
sentiu uma brisa balançar a chama de seu penúltimo fósforo. Isso era um ótimo
sinal. Porém, mais a frente, um grande rato aguardava sobre as patas traseiras,
usando as dianteiras para limpar o rosto. Paulo gritou com o rato, na esperança
de espantá-lo e seguir seu caminho, a criatura, porém lhe olhou virando o rosto
de lado e em seguida voltou à sua rotina de beleza. O homem, deitado no chão,
jogou água na direção do roedor que não pareceu ficar satisfeito com o ato.
Mostrando os grandes dentes, o animal assumiu posição de
ataque. O susto fez Paulo bater de cabeça no teto e em seguida se encolhendo de
dor chafurdar o rosto na água podre. O breu tomou conta do ambiente. Paulo
tentou se recompor. O som dos guinchos se intensificou no fundo do cano, agora
pareciam ser centenas. Tentou se apoiar nos cotovelos e erguer o tronco para
parecer mais alto e intimidar o animal, porém sequer o via. Teria que usar o
último fósforo.
Ao ascendê-lo, viu que o animal se aproximara com os
grandes dentes a mostra, como em um desafio. Mirou a luz para trás e notou a
aproximação de centenas de roedores que se moviam no limite da escuridão, não
apenas no chão da tubulação como também pelas paredes e pelo teto, quase
assumindo a forma de uma única criatura. Paulo avançou sobre o animal acuado e
tentou lhe capturar com a mão direita enquanto se apoiava sobre o cotovelo
esquerdo, porém teve sua mão mordida com força. Seu grito de dor atiçou os
demais que avançaram sobre suas pernas e continuaram subindo até que fosse
impossível ver o homem.
Dentes
foram cravados, carne arrancada, sangue jorrado, orifícios preenchidos. Os
roedores esperavam por uma refeição como aquela a dias, talvez meses. Mesmo com
a comida se debatendo, eles buscavam saciar-se, sem saber quando veriam
novamente tanta fartura. As cócegas produzidas pelos bigodes resvalando suas
entranhas foram o último sentimento de Pedro antes de perder a consciência.
Logo, não sobraria nada dele para ser encontrado por uma eventual equipe de
busca. Se alguém, suficientemente comprometido em encontrá-lo entrasse no cano
não acharia um cadáver, suas roupas ou uma ossada, mas apenas os ratos, grandes
ratos peludos, de olhos brilhantes e bem alimentados.