Enviei uma mensagem avisando que chegava à escola, mal tinha levantava do acento no fim do coletivo. Minha amiga respondeu que estava por perto, já tinha entrado no parque, que naquele horário costumava ficar vazio, porém morando nas redondezas, ela já estava habituada a atravessá-lo para cortar caminho.
Enquanto eu chegava, com dificuldades, até a porta do ônibus lotado, vi sua chamada de vídeo pelo APP de mensagens. Ela nunca me ligava assim. Aliás, quem liga assim? Achei que tivesse sido um engano. Não é raro que o celular faça esse tipo de coisa quando está dentro da bolsa ou no bolso de trás da calça. De qualquer forma, eu estava com apenas uma mão livre para segurar nas barras de ferro enquanto a outra segurava minha mochila e o celular. Ela teria que esperar para reclamar da minha mentira pessoalmente.
Estava pronta para a bronca quando pisei na calçada, porém ela não estava no lugar onde costumávamos nos encontrar. Esperei até o último sinal para entrar, mas ela não chegou, então entrei. Ela também não apareceu na segunda aula. Fiquei preocupada, mas as regras da escola me proibiam de usar o celular lá dentro. Na hora do intervalo me escondi no banheiro e mandei várias mensagens, mas ela estava off-line desde a ligação. Tomei uma medida drástica, telefonei, assim como os antigos Egípcios ou Astecas. O telefone chamou até cair na caixa postal que nenhuma de nós sequer sabia como usar.
Fiquei ainda mais preocupada. Postei nas redes sociais e em grupos de amigos perguntando por ela, ninguém tinha notícias. Decidi que na saída da escola iria andar até sua casa. Porém, não consegui cortar caminho pelo parque, havia um grande tumulto na entrada, policiais isolaram a área. Perguntei para um idoso na multidão de curiosos o que tinha acontecido e ele respondeu que uma menina tinha sido brutalmente assassinada no parque naquela manhã.
Entrei em pânico, quis acreditar que era tudo uma coincidência, que tinha sido outra garota, ou melhor, que não tinha garota nenhum e aquilo era tudo um engano, mas não era. Em poucas horas tudo se confirmou. Encontrei com a mãe dela, que foi chamada até o local para fazer o reconhecimento. Ao ver-me, correu até mim e durante um abraço apertado derramou-se em um mar de lágrimas sem fim.
Foi difícil dormir naquela noite, fiquei horas olhando para o meu celular, para nossa última conversa, para aquela chamada perdida em letras vermelhas. Vermelho. Não sabiam o que tinha acontecido com ela, mas segundo a mãe, um trecho da trilha do parque ficaria interditada, estava tudo vermelho. Com o sangue dela. E eu, encarava o celular. Desejei intensamente que o status mudasse para on-line, com tanta força que pude ver claramente o aviso de "escrevendo" por um milésimo de segundos, mas não passou da minha imaginação me pregando uma peça.
Acordei com uma ideia. Se ela estava com o celular na mão quando foi atacada poderia ter conseguido fotografar o agressor. Precisavam checar o celular e eu sabia a senha dela, pois mexi nele várias vezes. Eu poderia ajudar. Fui até sua casa logo que amanheceu, a mãe dela parecia não ter dormido, ou comido, estava com a mesma roupa da tarde anterior.
Falei com ela da minha ideia, disse que poderia ajudar. Ela, iniciando um novo choro, respondeu que não tinham encontrado qualquer celular junto de seu corpo e por isso eu não teria o que fazer. Me lembrei do comentário sobre a trilha e me dei conta que minha amiga não ia pra escola pela trilha sinuosa criada pelo parque, ela havia desenvolvido a própria, em linha reta e por isso, se ela tivesse perdido algo, estaria lá e mais ninguém encontraria, ninguém além de mim.
Fiz a mãe dela tomar um banho, preparei um café da manhã e deixei posto sobre a mesa, sabendo que provavelmente não seria tocado. Depois segui em direção ao portão do parque e busquei a trilha particular da minha amiga. Avancei revistando cada centímetro até finalmente encontrar o celular dentro de um arbusto. Tinha 3% de bateria, mas era o suficiente para que entrasse em nossa última conversa e lesse a mensagem que ela escreveu e não teve tempo de enviar. Dizia:
"É você que ele quer, não venha sozinha até o parque, aquilo não é".
Foi depois de ler essa frase que eu escutei o som de um galho sendo pisado atrás de mim e enquanto o celular desligava, vi pelo reflexo da tela preta a forma daquilo que tinha sido o fim da minha amiga e que seria o meu.