Três
meses depois
O
auditório estava lotado. Jornalistas. Ativistas. Sobreviventes.
Todos reunidos para o lançamento oficial da Iniciativa Cassandra –
uma organização dedicada a combater abuso digital e proteger
vÃtimas de ataques tecnológicos.
No
palco, Bianca Oliveira ajustava o microfone. Ao seu lado, Carla
Vasconcellos, Clara Reis, e uma dúzia de outras mulheres que haviam
sobrevivido ao Projeto Cassandra original. Atrás delas, uma tela
exibia o novo logotipo, uma fênix digital emergindo de código
binário.
— Há
três meses, começou Bianca, — sua voz firme ecoando pelo
auditório silencioso, — expusemos uma das maiores conspirações
de abuso de poder tecnológico da história recente. O Projeto
Cassandra, um sistema projetado especificamente para destruir
mulheres através de manipulação digital. Verdadeiros algoritmos do
mal.
A
plateia, atenta, formada em sua maioria por mulheres, refletia nos
olhares a importância de não se curvar ao poder, seja ele
econômico, seja institucional.
— Hoje,
— continuou, — anunciamos a transformação desse nome. De um
sÃmbolo de destruição para um sÃmbolo de proteção. De
silenciamento para amplificação de vozes. Que as Cassandras,
Marias, Joanas, PatrÃcias, possam viver em um mundo mais seguro, ou
ao menos, que se preocupe com nossa segurança e nossos direitos.
A
plateia aplaudiu. Câmeras dispararam. Transmissões ao vivo levavam
suas palavras para milhões.
Nos
três meses desde a exposição, o mundo havia presenciado algumas
mudanças impactantes. Eduardo Salles, capturado tentando fugir do
paÃs, aguardava julgamento por múltiplas acusações. Delegado
Pimentel, Juiz Menezes e Promotor Dantas haviam sido removidos de
seus cargos, também enfrentando processos criminais.
Dr.
Campos havia sido oficialmente declarado suicida, embora
investigações independentes continuassem. João Elias havia se
tornado simultaneamente vilão e mártir, o gênio tecnológico que
criou o monstro, mas que no final tentou detê-lo.
Cristina
e Sofia Salles haviam testemunhado contra Eduardo, recebendo proteção
especial e novos começos sob o programa de proteção a testemunhas.
E
as vÃtimas, dezenas delas, haviam finalmente encontrado validação.
Reconhecimento. Justiça, ainda que tardia e incompleta.
— A
Iniciativa Cassandra, — explicou Bianca, — terá três missões
principais. Primeiro, apoio direto a vÃtimas de abuso tecnológico.
Segundo, educação e conscientização sobre ameaças digitais. E
terceiro, uma campanha massiva por legislação mais forte contra
crimes cibernéticos.
Depois,
foi a vez de Carla assumir o microfone.
— Tecnicamente,
estamos desenvolvendo ferramentas de detecção de deepfakes
acessÃveis a todos. Sistemas de alerta precoce para campanhas
coordenadas de difamação. Recursos educacionais para reconhecimento
de manipulação digital.
Clara
falou em seguida, sua voz acadêmica oferecendo o verniz
institucional e cientÃfico à iniciativa.
— Nas
universidades, estamos implementando novos currÃculos. Ética
tecnológica. Impacto social dos algoritmos. Interseção entre
tecnologia e poder. Preparando a próxima geração para reconhecer e
resistir à manipulação digital.
Uma
a uma, outras sobreviventes compartilharam suas histórias. Seus
traumas. Suas recuperações. Suas esperanças para o futuro.
Na
última fileira do auditório, quase despercebido, Marcus Amaral
observava silenciosamente. Não mais detetive. Sua resignação havia
sido aceita sem comentários após o escândalo explodir. Tornou-se
consultor de segurança para a Iniciativa Cassandra. Usaria suas
décadas de experiência institucional para proteger aqueles que o
sistema havia falhado.
Seu
telefone vibrou discretamente. Mensagem de um contato no departamento
de polÃcia:
“Julgamento
de Salles marcado para próximo mês. Promotoria confiante.
Evidências esmagadorasâ€.
Amaral
guardou o telefone, um pequeno sorriso satisfeito em seu rosto
normalmente sério. Justiça. Finalmente.
No
palco, Bianca concluÃa seu discurso.
— O
Projeto Cassandra original foi nomeado assim por causa da mitologia
grega. A profetisa de quem o projeto empresta o nome, fora condenada
a prever verdades que ninguém acreditaria. Seus criadores escolheram
esse nome como uma piada cruel. Como uma celebração do poder de
desacreditar mulheres.
— Hoje,
reclamamos esse nome. Porque Cassandra não era apenas uma profetisa
desacreditada. Era uma mulher que se recusava a ficar em silêncio,
mesmo quando ninguém acreditava nela. Era uma mulher que continuava
falando verdades, mesmo quando era punida por isso.
— E
no final, como sabemos agora, a história provou que Cassandra estava
certa o tempo todo. E isso é bom, é muito bom, minha gente.
A
plateia levantou-se em aplausos estrondosos. Câmeras dispararam.
Hashtags explodiram online.
Em
telas ao redor do mundo, a imagem de Bianca Oliveira, não mais a
mulher desacreditada, não mais a vÃtima silenciada, tornou-se o
sÃmbolo de uma luta necessária. Vencer esta luta significaria viver
em um mundo onde tecnologia poderia ser usada para amplificar
verdades, não para fabricar mentiras. Para proteger vulneráveis,
não para explorá-los. Para construir, não para destruir.
O
Projeto Cassandra estava morto.
A
Iniciativa Cassandra havia apenas começado.
FIM