Uberlândia é também um quilombo que
parece invisível
Trata-se de uma narrativa por demais interessante para quem
deseja conhecer a cidade de Uberlândia de dentro para fora a partir de uma
perspectiva social de personagens que carregados de sutilezas, vão aos poucos,
desvendando as profundezas não ocultas, mas sempre vistas, pois é uma cidade
que cultiva o olhar de que “aqui tudo funciona perfeitamente”. É uma história
dinâmica atravessada pelo presente/passado/futuro em uma coexistência temporal,
um templo que em determinado instante está conectado com os ancestrais, dialoga
com os antepassados intercalando com as gerações atuais em uma cidade que
insiste em não ser feita para nós (negros/negras/pobres) mas que também não
consegue viver sem nós. O próprio sistema precisa desses corpos para
descarregar suas violências que são justificáveis nas entrelinhas dos
arcabouços jurídicos que igualmente são produzidos para penalizar, vigiar, a
população socialmente desassistida. A brutalidade do sistema racialista
institucionalizado no Brasil é impressionante, através desse romance fica ainda
mais perceptível uma realidade que assombra todas as pessoas negras que se
colocam nas trincheiras das resistências ao racismo estrutural. Uberlândia é
também um grande quilombo que existe na invisibilidade, não por acaso a cidade
se assusta com as celebrações do rosário no mês de outubro, pois, surpreendida,
indaga a si mesma: - Mas de onde é que saiu tanta gente negra pra inundar nosso
hipercentro e atrapalhar nossa vida social? É que o tempo todo, o
estado/sociedade racista parece querer nos dizer: - eu até concordo que você
seja você, desde que você não seja você por si próprio, eu preciso concordar
que você seja você, eu preciso autorizar que você seja você. Uma autorização
subliminar de negritude submissa. Se você não aceita isso, o sistema lhe
massacra enquanto ser social, enquanto ser cultural, enquanto ser religioso. É
assim, que a cor da pele pesa. É uma cronivivência corajosa que vem para
reconfigurar os lugares de lutas, inclusive nesses tempos em as pessoas que
mais falam em direitos humanos, são aqueles defensores das violências, das
torturas, das eliminações dos corpos negros e de quem se atreve a questionar
essas sistemáticas formas opressivas de poder.
Jeremias Brasileiro, congadeiro, historiador, pesquisador, embaixador/comandante
da festa da congada da cidade de Uberlândia.