Capítulo 4
De volta à normalidade
Rosália
Parte 1
O anoitecer estava nublado e excessivamente úmido, com as nuvens de tempestade tomando todo o arquipélago. Por isso, a pira funerária foi acesa com dificuldade. Nela havia uma centena de fadas a serem queimadas, além de vários estrangeiros que vieram para ver o festival. Alguns presentes choravam, outros oravam aos Deuses, e havia aqueles que, assim como Rosália, participavam do ritual fúnebre em silêncio, mergulhados em seus próprios pensamentos. Uma vela foi acesa à Ayla de Lima, a Deusa do Céu, governante do clima e matriarca das fadas. Outra foi acesa ao Deus Dragão, o Deus do Fogo e da luz. Então, uma vela foi acesa para Karla, a Deusa da Magia e fertilidade. A estátua do Artesão, deidade criadora do mundo, estava ausente. Uma vela foi acesa à Adriane de Barros, a Deusa da Natureza e rainha da Federação dos Condados Unidos de Neverly. E, por fim, uma vela foi acesa à representação de Larissa de Lima, a Deusa Gentil e alto proclamada Guardiã dos Mortos.
O arcebispo iniciou seu discurso acompanhado pelo estalar das brasas:
— A morte é a continuação da existência, só que agora em um novo mundo. Para aqueles que partiram, desejamos que a Deusa Gentil os guarde até chegar o momento apropriado em que nós mesmos iremos para o mundo criado pela pequena Deusa Larissa…
Em Neverly, existe o costume de queimar os cadáveres desde os primórdios: quando a alma dos mortos não tinha para onde ir e vagavam pelo mundo em busca de um novo recipiente em que pudesse habitar. Antes da pequena Larissa de Lima ter abandonado o seu corpo físico a fim de criar o Mundo dos Espíritos.
Quando a nuvem tóxica carregada com a magia corrompida do Lich se dispersou, o Lorde Morto-Vivo já não estava mais em Mirante. As fadas e os muitos estrangeiros vindos de toda Neverly, atingidos pelo seu sopro de miasma, morreram e tiveram os seus corpos transformados em um amontoado de carne apodrecida e disforme, com a identificação sendo feita através dos documentos encontrados, roupas que vestiam e de seus pertences. Com muitos ainda desaparecidos. Aqueles que entraram em contato com a nuvem de magia corrompida por pouco tempo conseguiram escapar com vida e tiveram partes do corpo apodrecidas, sendo necessário a amputação de membros na grande maioria dos casos. Quando os mortos estavam sendo levados para a grande pira funerária em Mirante, muitos temeram que eles pudessem despertar e atacar os vivos, mas unicamente pela misericórdia do Artesão isso não aconteceu.
Tanto o Império Élfico, quanto Karlópoles e a Federação expressaram seus pêsames pelo acontecido e mostraram-se surpresos com o ataque do Lorde Morto-Vivo. Essa foi a primeira vez que o reino das fadas fora atacado desde que Ayla de Lima elevou o Arquipélago ao céu. Por isso todas as fadas estavam aterrorizadas.
Adriane de Barros, rainha da Federação, revelou durante uma ligação telefônica que esteve com o primeiro-ministro Lucas, que um dirigível vindo do Arquipélago havia se chocado contra o chão há alguns dias próximo à estação ferroviária no condado de Velho Vale. Após esse estranho acidente, o contato com a estação foi totalmente perdido; o que levou à Protetora do Oeste a enviar uma força policial para lá, a fim de averiguar o que aconteceu exatamente. Mas o contato com os oficiais também fora perdido. Além disso, a Deusa do Inverno Cerise teve um sonho com os filhos de Helena, o que motivou a princesa Rebeca de Barros a interceptar o trem que vinha sem permissão de Velho Vale. Não havendo mais nenhuma notícia desde então. A mãe de Rosália, a rainha consorte Ariadna de Lima, queria poder dar boas notícias à princesa Helena, quando ela despertasse.
A princesa do reino de Karlópoles, um grande reino estabelecido em um continente formado pelo sopro de magma do dragão gêmeo Drako, foi encontrada desmaiada em uma viela na Ilha Enseada, com a marca de uma pancada na cabeça. Após examiná-la, os médicos disseram que a princesa Helena Rodrigues ficaria bem. O rei Marcos Rodrigues, um descendente bastante longínquo da Deusa Karla, ficou aliviado com a notícia e pediu que sua filha retornasse ao reino de Karlópoles assim que possível.
— * —
A manhã do dia seguinte era fria e acinzentada, com um vento suave soprando do Leste. Havia chovido durante toda a madrugada, e agora as flores do jardim do Palácio Verde estavam cobertas de orvalho. Rosália foi ao quarto de Helena, onde sua mãe estaria, levando um bule de chá, duas xícaras de porcelana e alguns pães doces para o dejejum. Após servir uma xícara de chá para sua mãe e outra para si, a princesa albina questionou:
— Como ela está?
— Ela não voltou a se levantar desde ontem — respondeu a mãe, preocupada. O galo na cabeça de Helena parecia maior que no dia anterior e estava ficando pontudo. Seus cabelos castanhos começavam a cair, sua aparência era cadavérica e sua respiração parecia cada vez mais pesada. O quarto de hóspedes havia se tornado um leito com uma equipe médica 24h. Helena estava deitada em uma cama com dossel e recebia soro na veia. A médica que cuidava dela disse que a princesa de Karlópoles havia acordado durante a madrugada, mas caiu no chão ao tentar se levantar e vomitara. Com ajuda, Helena foi até o espelho, balbuciou algumas palavras e desmaiou novamente. Ela teve de ser banhada com panos úmidos pelas médicas antes de voltar para cama.
— As lojas de doces estão abertas, os dirigíveis vão e voltam cheios de mercadoria, o que foi destruído pelo tremor de terra causado após o Dragão Apodrecido tentar tomar as Asas de Ouro está sendo reconstruído, e os turistas gastam o seu dinheiro alegremente. Por um momento, parecia que tudo estava voltando ao normal, até que o telefone tocou e destruiu essa tola sensação de volta à normalidade… — comentou a rainha Ariadna tristemente, então mordeu um pão doce.
— Do que você está falando, mãe?
— Hoje pela manhã, a rainha das Terras de Inverno falou por telefone com o primeiro-ministro Lucas. Ainda não sei exatamente o que foi dito, Rosália, mas uma reunião de emergência com todos os protetores das ilhas flutuantes, além de Edgar, comandante do exército do Arquipélago, foi convocada, e seu pai está lá neste momento.
Rosália se engasgou com o chá que bebia.
— O quê?
— A deusa Cerise sempre diz que seus sonhos são apenas possibilidades, mas depois de tudo o que aconteceu, eu tenho um péssimo pressentimento quanto a isso…
— E o que o papai e o primeiro-ministro vão fazer, mãe?
— Eu não sei, Rosália — disse a mãe em tom infeliz, depois suspirou. — E você, filha? Vejo que está arrumada, vai a Mirante novamente?
— Bem… não agora. Eu vou pegar um dirigível e ir ao hospital em Novo Paraíso fazer companhia aos feridos, mamãe. Dizem que a minha presença os acalma.
— Você tem ido lá bastante nos últimos dias, filha. Isso é bom. Mas ouvi dizer que você também tem ido à borda de Mirante, onde há alguns Wyvern que não conseguem voar de volta para Ilha Proibida desde a batalha contra o Dragão Apodrecido.
— Sim, são criaturas fascinantes… — confessou Rosália meio acanhada, ao passo que sua mãe bufava.
— Eu não gosto disso, filha. Dizem que existe uma ligação mística entre as Serpentes Voadoras e a família real, pois compartilham o mesmo sangue da Deusa Ayla. Mas sempre que uma fada se aproxima demais daquelas criaturas, o resultado é ruim para todo o Arquipélago.
— Mas eles nos salvaram, mãe. Se o Lich tivesse pegado as asas de ouro, o Arquipélago de Lima teria caído! — comentou Rosália obstinada, e sua mãe anuiu de má vontade.
— É verdade… Não teríamos derrotado o dragão apodrecido, ou o Lich, sem a ajuda das Serpentes Voadoras. Isso significa que as milhares de cabeça de gado que elas levam todos os anos foram pagas, afinal. Em toda minha vida, nunca pensei que agradeceria a elas por algo. Mas eu ainda não gosto de você perto daquelas criaturas, Rosália!
— Eu só as vejo de longe, mãe, e, da última vez que vi, apenas uma não conseguia voar. A de escamas verde-metálico com olhos amarelos. Essas são as cores que representam o reino das fadas. Isso deve significar algo…
Ariadna franziu o cenho.
— Significar o que, menina?!
— Nada, nada. Só estou brincando, mãe. Eu não vou chegar perto de nenhum Wyvern!
— Hum… sei. Se as coisas estão voltando ao normal, então você tem as suas tarefas a cumprir: equitação, praticar com o arco e com a harpa, esgrima, estudar história e geopolítica… Você será rainha um dia, filha. Não tem tempo pra perder com bobagens! — disse a rainha muito séria. Rosália sorriu, mordeu seu pão doce e depois falou descontraidamente:
— Desde Leandro, o Imperador Escamado, a família real se tornou um símbolo, mãe, mesmo não tendo poderes reais, já que hoje o Arquipélago de Lima é uma democracia parlamentarista. O máximo que vou conseguir, ao cumprir com excelência as minhas obrigações, é continuar com o meu estilo de vida.
— E isso não está bom para você, filha?
A princesa albina murchou os ombros e desviou o olhar.
— Suponho que esteja… Mas, mudando de assunto, as Serpentes Voadoras se juntaram ao redor do Dragão Apodrecido e pareciam estar muito tristes… Elas levaram o seu cadáver para a antiga Ilha Paraíso, mas por quê? —
Antes de responder, a mãe mordeu um pão doce e bebericou o chá.
— Todos sabem que há um dragão verdadeiro vivendo na Ilha Proibida. O Dragão Vermelho Milenar, quarto filho do Deus Dragão com sua sobrinha, a Rainha Dragão Cerise. O Dragão Apodrecido era de um vermelho acinzentado. Então, sim, eu acredito que aquele possa ser o Guardião da Runa Mágica Primordial da Vida, que estava escondida na antiga Ilha Paraíso. Por isso os Wyvern estavam tristes daquele jeito, eles perderam o seu Lorde e viram seu cadáver ser usado pelo Lich para atacar o que ele jurou proteger. Eu liguei para o Palácio de Cristal Nas Terras de Inverno a fim de falar com a Deusa Cerise, mas me disseram que ela embarcou em um dirigível a caminho da Federação para visitar a mãe…
A resposta da mãe pegou Rosália de surpresa; ela sempre pensou que essa história de um dragão verdadeiro estar vivendo na Ilha Proibida era apenas uma lenda. A mãe pegou o último pão doce açucarado e, antes de morder, ela falou:
— É uma pena que a sua dança com Luiz tenha terminado de uma forma tão abrupta, filha. Estava tudo tão bonito. Você gostou dele, Rosália?
As bochechas da princesa coraram antes de ela responder.
— Sim, mamãe. O noivo que você e o papai escolheram pra mim é um rapaz lindo e muito galante. Tenho certeza de que o amarei quando nos casarmos daqui a um ano…
Ao fim do dejejum, Rosália se despediu da mãe, mas antes que ela pudesse sair, Ariadna se aproximou dela, limpou delicadamente o açúcar de suas bochechas com um paninho cor de rosa, deu um beijo em sua testa e disse gentilmente:
— Não subestime a influência que você terá quando for rainha, minha filha querida. Eu te amo muito! Agora você pode ir, e não se aproxime demais das Serpentes Voadoras!
— * —
Em seu dirigível à caminho de Novo Paraíso, a cidade invertida que fica embaixo da Ilha de Prata, Rosália se lembrava da história do imperador Leandro, O Escamado, e de quando as Serpentes Voadoras chegaram ao Arquipélago de Lima vários séculos atrás.
— … —
Após Ayla de Lima usar o seu sabre para abrir a própria garganta, fazendo com que seu sangue jorrasse sobre as suas asas decepadas como parte do encantamento que usou para elevar o Arquipélago de Lima ao Céu. Um de seus filhos bastardos foi coroado o primeiro rei do reino das fadas. Ele deu início à construção de uma cidade nas margens do Rio Cristal, na Ilha Paraíso, um lugar montanhoso e verdejante. Até que eles chegaram. Todos ficaram com medo das Serpentes Voadoras, mas o majestoso e gentil Dragão Vermelho Milenar disse que seu pai, o Deus Dragão, o enviou junto aos Wyvern para cuidar daquilo que sua mãe deu a vida para proteger. E jurou que as Serpentes Voadoras jamais atacariam as fadas.
As fadas se viram obrigadas a aceitar as Serpentes Voadoras em seu território, mas a convivência logo se mostrou algo insustentável. Grande parte do gado era tomado pelos Wyvern. A saliva ácida deles destruía ruas e telhados, além de criar uma nuvem tóxica que causava alergia nas fadas. Devido ao medo, as pessoas passaram a evitar sair nas ruas, levando à interrupção da construção da cidade. A gota d’água foi quando alguns Wyvern disputaram o cadáver de uma garotinha logo após a pira funerária ser acesa.
As fadas queriam os Wyvern fora do Arquipélago, mas expulsá-los provou ser extremamente perigoso, se não mesmo impossível. Até então, as Serpentes Voadoras nunca haviam atacado uma fada sequer. No entanto, bastou espetar algumas com uma lança, ou disparar flechas em chamas na tentativa de afugentá-las, que os Wyvern se enfureceram e revidaram. A vida na Ilha Paraíso havia se tornado um verdadeiro tormento. O rei fada então tentou convencer o Dragão Vermelho Milenar a ir embora, levando as Serpentes voadoras com ele. O majestoso e gentil dragão, no entanto, lamentou que os restos mortais da garotinha foram devorados justamente em meio ao ritual fúnebre, depois prometeu proibir seus Wyvern de se alimentar das fadas já falecidas. Mas disse que, como Guardião da Runa Primordial da Vida, ele nunca poderia se afastar daquele lugar.
Contrariado, mas ainda decidido, O rei fada viajou até o Ninho do Dragão em uma comitiva, a fim de pedir ao Deus Dragão para trazer suas Serpentes Voadoras e seu filho caçula de volta ao Ninho. Mas o Deus se mostrou inflexível. Suas últimas esperanças de se ver livre dos Wyvern se voltaram então à Rainha Dragão Cerise. Mas, ao chegar nas Terras de Inverno, o Dragão de Gelo disse que aquilo que estava no Arquipélago de Lima deve ser protegido, assim como todo o legado da Deusa Ayla de Lima, que era como uma segunda avó para a Deusa do Inverno.
O rei fada teve os seus pedidos frustrados. Mas enquanto regressava ao Arquipélago de Lima, ele se deu conta de algo bastante curioso: as Serpentes Voadoras raramente se aventuravam para além da Ilha Paraíso. Por isso, o rei fada decretou que ir à Ilha Paraíso estava terminantemente proibido, e que as fadas passariam a habitar apenas as demais ilhas do Arquipélago. Foi o terceiro filho do primeiro rei fada, por ser aficionado pelas Serpentes Voadoras, quem descobriu que os Wyvern eram amigáveis com ele por ser um descendente direto da Deusa do Céu.
Um século havia se passado desde então, e o aumento populacional, somado à escassez de espaço, resultava em falta de alimentos, falta de moradia e insalubridade. As fadas clamavam por uma solução. Leandro de Lima, bisneto do rei atual e Protetor da Ilha de Prata, jogava toda a culpa pelos infortúnios das fadas às Serpentes Voadoras. Em seu discurso, ele dizia que essas criaturas eram desnecessárias e que causavam prejuízos incalculáveis todos os anos. E que a reconquista da Ilha Paraíso resolveria o problema de habitação, além de gerar vastos campos agrícolas. Embora suas palavras encontrassem muitos simpatizantes, o rei fada atual não queria enfurecer as Serpentes Voadoras, ou o Dragão Vermelho Milenar, e exigia outra solução.
Um dia, o brilhante inventor, que posteriormente criaria as marionetes, levou a Leandro o projeto de Novo Paraíso. A ideia era construir uma cidade debaixo de Prata, presa por estacas de madeira, poderosos encantamentos de levitação e cordas. Nenhum dos outros Protetores das ilhas, ou mesmo o rei, acreditaram no projeto. Mas Leandro viu nele uma oportunidade. Em seu novo discurso, ele dizia a todos que o Arquipélago de Lima tinha uma grandeza prometida pela Deusa do Céu a ser conquistada e que a construção das cidades invertidas era apenas o começo de uma nova era.
Com a cidade de Novo Paraíso se tornando uma realidade após anos de esforço, mas ainda obcecado pelos Wyvern, Leandro de Lima tentou persuadir o rei a retomar a Ilha Paraíso mais uma vez, alegando que naquelas terras havia muita matéria-prima que pertencia às fadas. Para Leandro, a cidade invertida de Novo Paraíso demandava uma quantidade de madeira muito maior do que a que havia nas ilhas flutuantes e que importá-las do mundo abaixo era caro, demorado e ineficiente demais. Mas o rei disse que o arquipélago era um reino pequeno e pacifista, sequer tinha um exército, uma vez que os inimigos das fadas, se ainda existissem, não as alcançariam no céu. Desse modo, Leandro devia se contentar em importar a madeira necessária do mundo abaixo. No fim, o rei fada atual afirmou que as Serpentes Voadoras não eram um incômodo grande o suficiente para justificar um morticínio.
Contrariado e amargurado, Leandro reuniu um grupo de simpatizantes, partiu para a Ilha Proibida a fim de cortar a cabeça de um Wyvern e então jogá-la aos pés do rei na tentativa de provar que sim, as fadas são capazes de matar as Serpentes Voadoras, se assim elas quiserem.
Os homens de Leandro foram devorados um a um. Ele pensou que morreria naquele dia, mas as Serpentes Voadoras não fizeram nada com ele. Leandro já tinha ouvido falar que os descendentes de Ayla tinham uma ligação mística com as Serpentes Voadoras, mas ele sempre achou que isso fosse uma grande bobagem. Depois daquele dia, sua raiva pelos Wyvern havia se transformado no mais puro fascínio e seu discurso mudou. Agora Leandro de Lima afirmava que para as fadas alcançarem a grandeza prometida pela Deusa do Céu, elas precisavam dominar as Serpentes Voadoras. Quando o rei fada questionou de onde ele tirou tal insanidade, Leandro revelou que frequentemente visitava a Ilha Paraíso e que os Wyvern o respeitavam. Todos pensaram que Leandro estava louco, até que o bisneto do rei apareceu montado em uma Serpente Voadora negra-acobreada. Mesmo assim, o rei fada não quis saber das ideias loucas de Leandro e o proibiu de retornar à Ilha Paraíso novamente, o destituiu do cargo de Protetor de Prata e o colocou em prisão domiciliar. O rei tentou interromper a construção da cidade de Novo Paraíso, mas tanto as fadas que já viviam na cidade invertida quanto aquelas que sonhavam construir suas vidas na nova cidade consideraram isso como um ataque pessoal.
Os simpatizantes de Leandro ventilaram aos quatro ventos que ele era tão descendente de Ayla quanto o rei fada atual, que Leandro seria um rei melhor. Uma convulsão social se instalou no Arquipélago de Lima. O rei exigiu que seu bisneto fosse ao Palácio Verde a fim de se ajoelhar e prestar juramento de lealdade a ele. No entanto, incentivado por seus apoiadores, Leandro de Lima se recusou a fazer isso. As forças do rei não estavam preparadas para conter uma população enfurecida. E percebendo a fraqueza do bisavô, Leandro se autoproclamou o novo rei do Arquipélago de Lima. Ele, acompanhado por uma multidão enlouquecida, invadiu o Palácio Verde e prendeu o rei fada. Contudo, Leandro de Lima sabia muito bem que, mesmo tendo sangue real, sua reivindicação ao trono era totalmente ilegítima, e que os apoiadores do antigo rei queriam condená-lo por alta-traição.
Leandro de Lima então ordenou o assassinato do antigo rei, dos seus pais, de tios e de primos até que o único descendente de Ayla vivo fosse ele próprio. Depois, Leandro de Lima declarou o reino das fadas como um novo império. Sendo sua primeira ordem como imperador a domesticação dos Wyvern. A bandeira que tremulava sobre o Palácio Verde passou a ser a da Serpente Voadora acorrentada pelo pescoço e pelas patas traseiras. Mas controlá-las se mostrou realmente impossível.
Com parte da população revoltada devido ao assassinato de todos os membros da família real, exceto o próprio Leandro, o plano de domesticação das Serpentes Voadoras não dando certo, com o inventor que estava à frente do projeto da cidade invertida tendo se alto-exilado no mundo abaixo para não ter nada a ver com o que estava acontecendo no Arquipélago, a fome e as doenças se espalhando, tudo isso foi razão para que as fadas quisessem Leandro deposto e enforcado. O medo de que alguém pudesse matá-lo a qualquer momento deixou Leandro cada vez mais louco. Fazendo com que ele aumentasse consideravelmente a repressão às fadas, o que levou a construção da Gaiola, na Ilha Grande, um campo de reeducação política e trabalhos forçados.
Vinte anos depois, o brilhante inventor voltou ao Arquipélago de Lima, revelando uma invenção milagrosa: as marionetes. Mas quando o imperador Leandro ordenou a construção em massa das Fadas de Madeira, o inventor se matou, e o segredo das marionetes quase foi perdido para sempre.
Apesar de o plano para domesticação dos Wyvern não ter dado frutos, Leandro possuía algumas Serpentes Voadoras acorrentadas no jardim do Palácio Verde. Devido à sua convivência com eles, sua pele começou a descamar. Bolhas enormes de pus e sangue o acometiam e ele havia perdido boa parte da visão. Foi em uma manhã de outono que Leandro de Lima tentou montar novamente na Serpente Voadora negra-acobreada que, enfurecida por estar acorrentada há anos, cuspiu ácido em seu rosto. O imperador louco a chicoteou como punição, e de repente, ela o atacou, devorando-o vivo.
Com a morte do imperador louco, enfim o pesadelo das fadas havia se acabado. Mas a sua sucessão era um problema. Seu filho era jovem demais para assumir o trono. Sua esposa tentou se tornar a imperatriz regente até que ele tivesse idade, porém recebeu um voto de desconfiança e não pôde assumir este papel. A verdade é que as fadas comemoravam a morte do imperador e não queriam nada que tivesse a ver com Leandro. O parlamento foi formado e o império das fadas voltou a ser um reino pacifista. Quando o filho único de Leandro de Lima enfim assumiu o trono, ele se tornou apenas uma figura decorativa sem nenhum poder real.
…