Capítulo 2
O festival das fadas
Helena
Parte 1
Era uma manhã fresca e agradável no jardim do Palácio Verde. Havia bolinhos de limão, tortas de maçã e brigadeiros na pequena, porém farta, mesinha do gazebo florido. Helena olhava fixamente para as marionetes que faziam a segurança do Palácio enquanto bebia um saboroso suco de laranja com limão em companhia da rainha Ariadna de Lima — uma mulher de pele clara e cabelos dourados —, sua filha única, Rosália de Lima e o sátiro Tomás da Silva, o embaixador da Federação dos Condados Unidos de Neverly, casado com a princesa e primeira-ministra da Federação, Érica de Barros da Silva.
A rainha consorte Ariadna de Lima mordeu o seu bolinho de limão, depois questionou:
— Elas são fascinantes, não acha? Uma macabra junção de madeira e metal, sempre com um sorriso simpático.
Helena fez que sim com um sorriso e deu um gole no suco. As marionetes são máquinas sem ambição ou sentimentos criadas para seguir ordens. Eram feitas de madeira, escondiam uma lâmina extremamente afiada no braço direito, enquanto sua mão esquerda se abria, revelando uma metralhadora. Seus pés eram feitos de aço, tornando-as capazes de quebrar uma parede com um pontapé. Helena conheceu a história do criador das fadas de madeira ainda quando cursava o 1ᵃ ano do ensino médio.
— … —
Um brilhante inventor fada que se exilou no mundo abaixo vivia com sua família em uma de suas propriedades. Até que, em uma noite enevoada, bandidos invadiram sua casa, mataram todos os seus guardas, seus funcionários, sua esposa e seus filhos. Ele foi espancado até não poder mais se mover pelos bandidos, que atearam fogo na mansão, depois partiram levando tudo o que podiam. O inventor fada, no entanto, conseguiu sobreviver graças à ajuda de uma empregada.
O homem voltou ao Arquipélago de Lima, mas tomado por uma profunda depressão, foi à ilha proibida. Alguns dizem que para ser devorado pelos Wyvern, outros dizem que ele foi à procura da Runa Mágica Primordial da Vida, formada por seis anéis dourados, que tinha como Guardião o Dragão Vermelho Milenar. O fato é que as Serpentes Voadoras não o devoraram. Após alguns meses de solidão, o inventor criou marionetes precisas de seus entes queridos na tentativa de aplacar o vazio em seu peito. Mas logo após fazê-las, percebeu que aquilo não passava de uma ilusão. Ainda que as Fadas de Madeira fossem idênticas aos seus familiares perdidos e pudessem se mover graças a uma cópia bastante simplificada da Runa Mágica Primordial, elas só faziam o que lhes era ordenado, sua família verdadeira estava morta.
Tomado pelo ódio e pelo desespero, o inventor fada voltou ao mundo abaixo e contratou mercenários para matar os bandidos que destruíram sua vida. No entanto, ele se viu traído por eles. Após roubá-lo, os homens atacaram as marionetes. E enquanto um deles destruía aquela que representava sua falecida esposa, o inventor deu o comando que mudaria a sociedade das fadas para sempre.
“— Mate todos eles!”
Em poucos minutos, as fadas de madeira haviam eliminado todos os bandidos e mercenários. Ao voltar para o Arquipélago de Lima, o inventor contou a todos o que aconteceu. Quando o Imperador Escamado ficou sabendo dessa história, ordenou a produção em massa das marionetes. No entanto, o brilhante inventor não queria se envolver com o Imperador Louco novamente. Ele subiu para o seu escritório, escreveu um testamento no qual deixava toda a sua imensa riqueza para sua empregada, tomou uma poção de beladona e só foi encontrado dias depois do ocorrido. Por causa de sua morte, o segredo das fadas de madeira quase foi perdido. Mas, por sorte, a empregada encontrou as anotações do inventor que explicavam como fazer uma réplica rudimentar da Runa Mágica Primordial da Vida criada pelo Artesão e, com ela, dar vida às Fadas de Madeira.
— …—
É verdade que há um dragão verdadeiro vivendo na Ilha Proibida, assim como diz a história do brilhante inventor, Rainha Ariadna? Ou isso é apenas uma lenda?
— Eu acredito que há sim, Senhora Helena. Mesmo que ele não tenha sido visto por nenhuma fada há séculos. A Rainha Dragão, Cerise, costuma vir ao Arquipélago de Lima de tempos em tempos. Nessas ocasiões, ela fica por dias na antiga Ilha Paraíso. Creio que a Deusa do Inverno passe esse tempo com o seu filho.
Após ter a sua curiosidade respondida, Helena colocou o colar de prata com um diamante em forma de lua minguante sobre a mesa e falou:
— Este colar estava com a minha filha caçula, Priscila, pela manhã, quando vínhamos para o Arquipélago há dois dias. Eu achei essa pedra em forma de lua minguante bastante peculiar, por isso pedi a um joalheiro conhecido meu que a analisasse. Ele me falou que das joias feitas com Mana cristalizada que ele já viu, essa é a mais intrigante devido à imensa quantidade de poder mágico que há nela e pelo que há em seu interior.
Ariadna de Lima pegou a joia nas mãos, deu um sorriso e então comentou descontraidamente:
— Será que a princesa Priscila não pegou esse colar em sua caixa de joias, Senhora Helena? Talvez ela o tenha achado bonito, mas ficou com vergonha de admitir que o pegou sem permissão. Crianças fazem isso.
— A joia não é minha, Rainha Ariadna — respondeu Helena, então comeu uma trufa de chocolate. — Se essa pedra não fosse tão única, eu pensaria que Priscila a encontrou em algum lugar do Palácio e decidiu ficar com ela, como você diz. Mas além de essa joia ser puro mana cristalizado, a minha filha disse que quem lhe deu o colar foi uma mulher harpia em um sonho. O que nos leva ao motivo pelo qual eu pedi para falar com você, Senhor Embaixador da Federação, Tomás da Silva. Eu peço por favor para que você olhe o interior desse diamante em forma de lua minguante.
Ariadna de Lima entregou o colar para o sátiro, que arregalou os olhos, surpreso ao ver que dentro da pedra mágica havia seis anéis formados por runas élficas prateadas.
— Você acha que há uma Runa Mágica Primordial desconhecida dentro deste colar, princesa Helena? —questionou Tomás, visivelmente surpreso. Helena fez que sim, depois contou a todos o sonho de Priscila em detalhes enquanto o misterioso colar passava de mão em mão. A princesa continuou:
— Eu sei que não há registro histórico dizendo que Larissa de Lima tenha criado a sua própria Runa Primordial. Confesso que a minha filha disse que a mulher em seu sonho não era uma criança, e que por isso ela teoricamente não poderia ser Larissa de Lima. Mas a lenda da Deusa dos Espíritos aconteceu há mil anos, não é nada estranho que, em todo este tempo, uma menina tenha se tornado mulher. Eu peço para que marque uma reunião entre mim e a rainha da Federação, a Deusa Adriane de Barros, senhor Tomás. Tenho certeza de que quando ela descobrir que essa joia pode ter sido criada por sua irmã caçula, ela ficará extremamente interessada.
— Eu realmente consigo sentir um enorme poder mágico vindo dessa pedra, Senhora Helena, mas por que a Deusa dos Espíritos daria algo assim para uma criança?! — questionou o Sátiro. Helena fez que não com um meneio e sentiu um forte aperto no peito.
— Eu não sei, Senhor Tomás… eu tenho um mau pressentimento quanto a isso… Os deuses não dariam um novo artefato de poder para nós mortais se não houvesse um bom motivo para isso… Se a mulher que Priscila viu em seu sonho de fato for a Deusa Larissa de Lima, então, talvez aquele que foi aprisionado no Jardim das Árvores Gigantes pela Deusa da Magia e Fertilidade Karla possa ter se libertado. Há muito o Lich regressou do Mundo dos Espíritos. Alguns dizem que ele foi expulso de lá pela Deusa Larissa. Outros dizem que, na verdade, ela permitiu que ele regressasse ao mundo dos mortais. Vocês, fadas, entendem melhor do que qualquer um o perigo que ele representa, já que a Deusa do Céu se sacrificou devido à sua perseguição implacável.
Ariadna de Lima quis ver a joia novamente, agora com uma expressão séria no rosto.
— Que os Deuses nos protejam e que o Lorde Morto-Vivo não guarde rancor contra as fadas, caso o seu medo esteja certo, Princesa Helena. — lamentou a rainha das fadas.
Tomás da Silva prometeu que informaria sua rainha sobre a joia misteriosa, sobre o sonho de Priscila e sobre os temores de Helena em relação ao Lich imediatamente. No fim da reunião, Helena agradeceu ao sátiro pela boa vontade em lhe ajudar e pediu à princesa albina que colocasse o colar de prata com um diamante em forma de lua minguante em seu pescoço.