Livro escrito inteiramente por: Wesley de Jesus Santos.
Capa ilustrada por: Luisa Fantinel.
Revisão ortográfica feita por: Lavinia Neres.
Capítulo 1
O Arquipélago de Lima
Priscila
Era escuro e nebuloso, tão frio que doía até os ossos e fazia com que os dentes de Priscila se batessem involuntariamente. Perdida na densa floresta e sem saber como fora parar ali, a menina de dez anos caminhou até cair de joelhos, exausta, e começou a chorar.
— Mamãe!!! — Ela chamou, mas não obteve resposta.
Olhando ao seu redor, Priscila viu uma águia harpia sobre o galho de uma árvore, que parecia estar observando a parte mais profunda da sua alma, e de repente a menina sentiu seu coração ser cativado por essa ave magnifica. Ela era enorme, possuía penas negras e cinzas, com um penacho dividido em duas partes e adornado com um belíssimo diadema de prata. A majestosa ave de rapina abriu as asas e voou, desaparecendo na densa floresta. Priscila secou as lágrimas, levantou-se e esfregou os ombros tentando se aquecer. Então voltou a caminhar, sentindo a grama e a terra fria em seus pés descalços. A menina piscou os olhos e levou um grande susto, pois repentinamente o solo firme no qual estava até então havia se transformado em águas gélidas; a floresta agora parecia um pântano inundado.
“O que está acontecendo?”
Questionou a si mesma em pensamento. A garota tinha pele cor de ébano, cabelo crespo encaracolado e usava um delicado vestido branco com uma fita preta amarrada na cintura, mas em seu reflexo na água, ela possuía um magnífico par de asas emplumadas em suas costas. Priscila tateou as próprias costas e olhou para trás à procura das asas que viu em seu reflexo, mas tudo o que encontrou foi o cetim branco que vestia.
— Se isso for um sonho, então eu quero acordar logo! Eu não gosto deste lugar, ele me assusta…
— A porta de entrada para o meu mundo assusta você, garotinha? — questionou a águia harpia que surgiu de supetão atrás de Priscila.
Sua voz era doce, sua presença era gélida, mas ainda assim cativante e gentil. No entanto, antes que Priscila pudesse lhe responder, a menina afundou nas águas. Com o coração acelerado e temendo se afogar. Ela dava braçadas desesperadamente em todas as direções, mas ela não sabia nadar. E quando Priscila Rodrigues se viu obrigada a respirar, sua boca e suas narinas se encheram de água ao invés de ar.
De repente, a menina sentiu quatro mãos de mulher lhe segurando gentilmente, então a retirando das águas gélidas. Priscila estava ofegante, trêmula e não parava de tossir. Após o susto inicial, ela olhou ao seu redor e percebeu que a floresta — ou pântano — em que estava havia desaparecido.
“O que é essa infinidade de luz tremeluzente que eu vejo por todo lado? Seriam peixes ou espíritos? Por que eles me observam com tanta atenção?”
Questionou a si mesma em pensamento. Ela se levantou, depois voltou a esfregar os próprios ombros com as mãos tentando se aquecer, então, percebeu que estava de pé sobre águas sem fim. Ao longe, erguiam-se torres de mármore por toda parte, com uma poderosa chama prateada ardendo em seu topo. A lua minguante era tão grande que tomava todo o céu.
— Foi você quem ouviu o meu chamado, menina? —questionou docemente uma voz de mulher atrás de Priscila.
A menina deu meia volta e arregalou os olhos quando a viu. A harpia era uma mulher enorme e parecia feita de luz prateada, possuía quatro braços e dois pares de asas emplumadas. Seu cabelo cacheado se estendia até o quadril, ela usava um vestido longo. Um colar de pérolas adornava o seu pescoço, seus brincos eram de diamantes, um diadema de prata repousava entre seus grandes e belos chifres ramificados. Seu olhar irradiava a mais pura ternura e, assim como Priscila, ela estava de pé sobre aquelas águas sem fim.
A menina engoliu em seco e deu um passo para trás, depois perguntou acanhada:
— Você é uma Valquíria?
— Se eu sou uma Valquíria? Não, minha querida. Eu sou Larissa de Lima.
— Você é a Larissa de Lima? Mas você não é uma criança! Você é uma mulher adulta enorme! —disse Priscila com convicção e a mulher harpia lhe sorriu.
Ela juntou as quatro mãos e uma forte luz prateada escapou por entre os seus dedos. Depois, Larissa de Lima colocou o colar de prata com um diamante em forma de lua minguante, que criou usando magia, sobre o pescoço de Priscila.
— Você é um ser tão frágil, menina… eu te desejo sorte! — Priscila pegou a joia que pendia em seu pescoço e a olhou bem.
— É muito bonita! Obrigada, Senhora… Senhora… Larissa…?
A mulher harpia havia desaparecido, assim como as águas gélidas sem fim, as torres de mármore e as luzes tremeluzentes que lhe observavam com atenção. Agora, Priscila se via em meio ao vazio absoluto, banhada pela luz prateada da lua minguante. E, por algum motivo, o frio intenso daquele lugar agora lhe parecia incrivelmente acolhedor.
Priscila acordou ofegante e suando frio.
— Foi só um sonho… — sussurrou para si mesma. Ela se sentia um pouco tonta e sua cabeça latejava. Ana Laura havia puxado toda a coberta novamente, deixando-a ao relento, mas, por algum motivo, o frio lhe agradava. A menina colocou seus óculos redondos, calçou suas pantufas e saiu do quarto sem fazer barulho para não acordar a irmã dois anos mais velha. Então foi à cozinha tomar um copo d’água.
— Já acordada, Pri? — perguntou sua mãe, Helena Rodrigues, que estava próxima à janela do dirigível tomando uma xícara de café. O relógio na parede de madeira marcava 6:15 da manhã. Ao lado dela estava Richard Borges, capitão da guarda real do reino de Karlópoles.
— Tenho sede e minha cabeça dói, Senhora Princesa Mamãe — respondeu a menina e sua mãe sorriu. A mulher de 1 metro e 70, pele morena, cabelo castanho encaracolado e olhos cor de mel pegou um copo d’água, depois, um comprimido para dor de cabeça em uma pequena gaveta. Ao entregá-los para Priscila, sua mãe franziu os olhos e questionou.
— Onde você achou essa joia, Pri?!
A menina pegou o colar com o diamante em forma de lua minguante nas mãos, meio confusa.
— Uma mulher harpia chamada Larissa de Lima me deu, mas isso foi em um sonho…
— Está falando da Deusa dos Espíritos?! — questionou Helena boquiaberta. A menina fez que não com a cabeça.
— Ela não era uma criança, então acho que era outra pessoa…
Sua mãe pareceu intrigada após ouvir atentamente o seu sonho, então pediu educadamente para que Priscila lhe entregasse o colar de prata com um diamante em forma de lua minguante. Após a menina tomar o seu remédio, a mãe chamou sua atenção para o horizonte através das janelas redondas do dirigível.
— Olhe, Pri, já dá para ver o Arquipélago de Lima daqui.
O Arquipélago de Lima era formado por 7 ilhas flutuantes conectadas umas às outras por pontes de madeira e corda trançada. A Ilha Enseada era a segunda maior, estando abaixo da Ilha Proibida. Depois dela vinha a Ilha Cacau, Ilha Prata, Ilha Grande, Asa Direita e, pôr fim, a Ilha de Mirante, estando abaixo de todas as outras e sendo a menor das sete ilhas flutuantes.
O que mais chamou a atenção de Priscila ao olhar pelas janelas do dirigível foram as enormes criaturas similares a dragões que rodeavam as ilhas entre as nuvens: os Wyvern. Serpentes gigantescas com duas patas traseiras, um enorme par de asas e capazes de cuspir ácido. Apesar de serem criaturas extremamente perigosas, os Wyvern habitavam apenas a ilha proibida, raramente descendo às demais ilhas para roubar uma cabeça de gado.
Ao desembarcar do dirigível no aeroporto de Enseada após a longa viagem, um carro os aguardava. A imprensa local tirava fotos dos membros da família real de um reino aliado que chegavam para a comemoração dos 1130 anos desde que o Arquipélago foi elevado ao céu. Havendo um perímetro de 10 metros estabelecido pelos seguranças. Dentro do carro estava a rainha consorte Ariadna de Lima. A mãe de Priscila comentou de forma cortês:
— O Arquipélago está tão belo e radiante como sempre. É um grande prazer estar de novo aqui, Rainha Ariadna de Lima.
A mulher fada com cabelo cor de ouro lhe sorriu e disse:
— Por muito tempo o Arquipélago de Lima esteve isolado e avesso às novidades do mundo abaixo, sendo muito raro haver algum tipo de contato entre os nossos povos. Demorou para que as maravilhas da revolução industrial chegassem a esse santuário. Foi a máquina voadora quem fez o Arquipélago de Lima enriquecer e se modernizar em um ritmo acelerado. Hoje, o turismo se tornou a principal fonte de renda para muitas famílias, assim como o comércio com Karlópoles. Fico muito feliz que o rei Marcos Rodrigues tenha enviado você como representante de sua nação para o nosso festival de aniversário, Princesa Helena.
Essa era a primeira vez que Priscila visitava o tão famoso reino das fadas. E ela, assim como sua irmã Ana Laura Rodrigues, estava ansiosa para as festividades que teriam início em dois dias. Eduardo, seu irmão mais velho de 16 anos, mantinha-se diligente. Enquanto William, seu irmão de 14 anos, olhava pela janela do carro com cara fechada e estava mal-humorado como sempre.
O carro seguiu para o Palácio Verde entre batedores. Apesar de essa ser a avenida principal, ela era relativamente estreita, sendo pavimentada com pedras arredondadas e arborizada dos dois lados. A arquitetura local consistia em grandes prédios antiquados com telhas coloniais e pequenas sacadas balaustradas. Ao longo da avenida, havia padarias, hotéis, lojas de doces e de lembrancinhas. O Arquipélago de Lima era o maior produtor de doces de toda Neverly, sendo o doce de brigadeiro uma grande iguaria local. As fadas estavam por todos os lados, algumas em pleno ar. Mas também era possível ver vários turistas vindos do mundo abaixo para o grande festival.
Uma fada mulher possuía cerca de 1 metro e 45 centímetros de altura, tinha dois pares de asas translúcidas, semelhantes a fractais de vidro, sendo as asas superiores maiores do que as inferiores. Já uma fada homem possuía cerca de 1 metro e 60 centímetros de altura e apenas um par de asas com um azulado fosco. As fadas também tinham pequenas orelhas pontiagudas.
A Ilha Enseada tinha cerca de 75 km² e uma média de 9 mil habitantes em sua parte superior. O porto onde o dirigível aterrissou ficava a seu lado leste, enquanto o Palácio Verde ficava ao oeste. A avenida cruzava a pequena ilha de um lado ao outro, passando pela praça central, onde havia uma estátua de mármore em tamanho real de Ayla de Lima: Deusa do céu, matriarca das fadas e segunda esposa do Artesão; deidade criadora de Neverly.
Vários Wyvern de cores diferentes rodeavam a Ilha Proibida, que se tornava mais imponente no céu à medida que avançavam, com uma grande cachoeira derramando uma torrente de água sobre Enseada. Diferente de Karlópoles, onde o céu era enegrecido pela fumaça da indústria, as ruas eram sujas e havia um barulho ensurdecedor quase o tempo todo, o Arquipélago de Lima era um lugar lindo e possuía um ar limpo, apesar de rarefeito.
O Palácio Verde era um emaranhado de torres afiadas em tons verde-esmeralda e possuía enormes vitrais. Enquanto o carro passava devagar pela borda da Ilha de Enseada, era possível ver as nuvens por cima. Eles seguiram pelo jardim que tinha uma fonte no centro e ao longe um belo gazebo florido. Ao chegarem, foram recebidos por Bernardo de Lima, o rei das fadas, um homem albino e roliço de aparência simpática. E por Rosália de Lima, de 17 anos, a princesa albina das fadas.