O Palazzo Farnese estava em silêncio quando Isabella retornou ao laboratório. A escultura de Vênus parecia observá-la com olhos de pedra, como se soubesse da mudança iminente. Ela destrancou a gaveta inferior da escrivaninha e retirou um envelope com o símbolo da agência: uma chave cruzada com uma pena.
Dentro, havia um mapa antigo de Pompeia, com anotações em latim e símbolos criptografados. No canto inferior, uma inscrição em tinta desbotada: “Veritas in cinere – A verdade está nas cinzas.”
A missão era clara: viajar até Pompeia, investigar uma escavação recente que revelara uma câmara subterrânea não catalogada. Rumores indicavam que ali poderia estar escondido um códice — um manuscrito perdido que ligava arte sacra a operações de espionagem durante o regime fascista.
Isabella partiu ao amanhecer, levando apenas uma mala pequena, seu kit de restauração e um rádio codificado. Ao chegar à cidade soterrada, foi recebida por um arqueólogo britânico, Dr. Henry Caldwell, que parecia mais interessado em vinho italiano do que nas ruínas.
— A câmara foi descoberta por acaso — disse ele, guiando-a por entre colunas quebradas e mosaicos desbotados. — Um dos operários escorregou e abriu uma passagem sob a Casa dos Mistérios.
A entrada era estreita, e Isabella precisou rastejar por alguns metros até alcançar o interior. Lá dentro, encontrou uma sala circular, com paredes cobertas por afrescos que retratavam figuras encapuzadas em rituais obscuros. No centro, uma urna de bronze.
Ela se aproximou com cuidado. Dentro da urna, envolto em tecido antigo, estava o códice.
Ao abrir o manuscrito, Isabella viu que não era apenas um registro religioso. Era um diário codificado, escrito por um padre dissidente que colaborara com espiões aliados. Os textos falavam de encontros secretos em catacumbas, de artefatos ocultos em igrejas abandonadas, e de um símbolo recorrente: uma rosa negra.
De volta à superfície, Isabella foi confrontada por dois homens vestidos como operários. Mas seus olhos não condiziam com o disfarce — eram frios, calculistas.
— O códice, signorina — disse um deles, em italiano com sotaque russo.
Ela recuou, mas sabia que não podia fugir. Em vez disso, jogou um punhado de pó restaurador nos olhos do agressor e correu em direção ao Dr. Caldwell, que a aguardava no jipe.
— Temos companhia — disse ela, ofegante.
— Sempre há companhia quando se busca a verdade — respondeu ele, acelerando.
De volta a Roma, Isabella decifrou parte do códice. Um dos trechos mencionava uma reunião marcada para o dia seguinte, em uma cripta sob a Basílica de San Clemente. E o nome de Lorenzo Bianchi aparecia novamente — desta vez como “intermediário”.
Ela sabia que precisava ir. Mas também sabia que, ao entrar naquela cripta, poderia não sair.
Naquela noite, Isabella escreveu uma carta à irmã, guardando-a em um compartimento secreto da escultura de Vênus. Era sua forma de deixar rastros — caso desaparecesse.
No dia seguinte, vestida com um manto escuro e munida de uma lanterna, Isabella desceu até a cripta. O ar era úmido, e o silêncio, absoluto. No centro da sala, Lorenzo a esperava.
— Você encontrou o códice — disse ele, sem surpresa.
— E você está envolvido nisso há mais tempo do que admitiu.
— Eu tentei proteger o que restava. Mas há coisas que nem mesmo a verdade pode curar.
Isabella manteve o códice consigo. Ela o examinou, sentindo o peso da responsabilidade e da descoberta. Lorenzo, compreendendo a importância do artefato e a determinação de Isabella, ofereceu seu apoio para decifrá-lo e protegê-lo juntos.
— Há mais do que você imagina, Isabella. Este é apenas o início.
Ela saiu da cripta com o coração pesado. Sabia que havia cruzado uma linha invisível — e que, a partir dali, cada passo seria uma dança entre luz e sombra.