No meio do caminho, tinha uma pedra.
Tinha uma pedra no meio do caminho.
No meio do caminho, tinha poesia.
Tinha poesia, no meio do caminho.
Poesia que poucos veem.
Coitado de mim, que finjo ser poeta…
Mas só vejo uma pedra no meio do
caminho
e, ainda assim, tropeço.
Encho a cara e faço versos
com a convicção de um juiz
que condena até a si mesmo;
com a fé de um santo
que já perdeu a conta dos pecados;
com o ânimo de um operário,
que sabe que o salário nunca basta.
E assim vou fazendo versos
com a certeza de quem duvida,
com a fé que tropeça,
e a força… que desanda,
até me embriagar
de tantas mentiras verdadeiras.
Por isso, todo dia,
me encho de coragem
e mostro a cara:
cara de quem sabe que vai apanhar,
mas não cansa
de dar a cara a tapa.
Síntese do amor,
da poesia,
de toda dor
e pesar.
A moça que fugia do sol,
mas dançava na chuva.
Que sonhava,
que nunca se rendia.
Tão calada,
tão inquieta.
A moça que, na solidão,
se perdia.
Olhava as estrelas,
amava em silêncio,
se alçava no vento.
Tão bela,
tão distante.
Síntese da noite,
do desespero,
de todas as flores
e de todas as canções.
Meu antigirassol.
Enfim, a última taça,
o derradeiro verso.
Que sabor esconderão?
Serão mais doces, mais amargos,
ou igual a tantos?
Deus queira que eu prove
esta última taça,
este derradeiro verso,
como se cada gota fosse o universo
e cada palavra, a primeira…
a única…
a última…
Passo horas, dias
buscando palavras,
lendo, relendo,
tentando escrever um poema
quase perfeito.
Mas, de repente,
num passe de mágica,
outro poema surge,
totalmente diferente,
muito mais belo,
muito mais profundo.
Não me dá trabalho,
simplesmente ponho no papel,
como se sempre estivesse lá.
E se a vida fosse assim?
Releio cada linha com a estranheza
de quem descobre os primeiros cabelos brancos
no espelho.
Não reconheço mais as palavras.
Foram minhas algum dia?
Versos, antes tão lapidados,
agora tropeçam como atores inseguros,
subindo ao palco.
Verdades murcham
como flores arrancadas às pressas.
Histórias que se dissolvem na boca,
ou talvez… nunca tenham sido contadas.
Cartas, bilhetes,
juras de amor esquecidas no fundo da gaveta,
ressoam hoje como um folhetim barato.
Para quem eram?
Será que fui eu quem mudou,
ou são as palavras que mudam de lugar
cada vez que fechamos o livro?
Isso era tudo,
a poesia que me cabia,
o que eu queria dizer,
as histórias que me restavam.
Eram todas as palavras que eu conhecia,
todos os versos que consegui aprender.
Sim, era tudo,
tudo que me pertencia.
Não guardei mais nada comigo,
nem uma vírgula,
nem um ponto sequer.
Coloquei no papel
um pouco de tudo, muito de mim.
Verdades? Mentiras?
Talvez não houvesse diferença.
Só sei que cansei de escrever,
cansei de falar,
cansei de tanta poesia,
de ser fantoche de quem fui.
E, se ainda resta algo a dizer,
que morra no silêncio,
que volte a ser sombra.
Eu prefiro me calar.
Prometo escrever
até que a poesia me sufoque,
e me faltem palavras.
Prometo escrever
até que me faltem forças,
e o coração se recuse a bater.
Prometo escrever
até que não haja mais argumentos
e a razão me abandone.
Prometo escrever
até que não reste sequer história,
e só a saudade me acompanhe.
Prometo mentir
até que a vida faça sentido,
ou até que a morte
me diga a verdade.
Vejo a vida
como um general derrotado,
que observa, em silêncio,
o campo de batalha.
Corações partidos,
sonhos em estilhaço,
vestígios do que fui,
pelo que lutei…
estandartes caídos,
sujos de lama,
no chão da memória.
Minha espada,
manchada de sangue,
pesa mais a cada dia.
Já não impõe temor.
Os que restam,
exaustos,
ainda me olham.
Não sei se com fé…
ou com pena.
Mas o que fazer?
Todo general aprende:
não é a força,
mas o destino…
que escolhe
vencedores e vencidos.
Se ela faz sentido, eu não sei.
Quem crê garante que sim,
quem teme aposta que não.
Só sei que ela segue,
sempre em frente…
mesmo na contramão.
Quem ama chama de abraço,
quem perde, de solidão.
Talvez ela seja o último trem
para quem chega,
e primeiro passo para quem vai.
Quem caminha diz que é horizonte,
quem se lança garante: é jornada.
Para mim, a vida é assim:
plena para quem não se poupa,
vazia para quem se guarda.
É lá onde a vida acontece:
naquele espaço,
naquele breve espaço…
onde se tropeça e se levanta,
onde se chora em segredo
e se vai em frente.
É lá onde se faz papel de bobo,
onde se fracassa…
é lá onde a gente se faz forte,
onde a gente sonha.
É lá onde se erra e se acerta,
onde a gente se perde…
onde se mente e depois suspira,
onde a gente se acha.
É lá onde não se faz poesia,
mas é lá…
onde ela nasce.
E a vida, sem explicação,
acontece.