De repente, percebemos:
não são os sonhos que nos guiam,
mas os medos, os erros, as mentiras.
O mundo se torna opaco,
sem certo ou errado,
sem bem ou mal.
Pouco a pouco,
nos perdemos e nos reencontramos.
Nada mais nos resta,
exceto a culpa,
alguns vícios
e nenhuma certeza.
No relógio, passa das três…
Medo, culpa,
remorso… quem está aí?
As horas arrastam-se, lentas.
Os pensamentos voam,
voam rápidos,
sem rumo, sem direção,
perdendo-se no breu da noite.
Tantas recordações,
palavras quebradas, promessas esquecidas,
me observando em silêncio.
De repente, vejo: meus pecados,
minhas mentiras
ganharem rostos, vozes…
Fantasmas que me assombram.
No relógio, passa das três…
Medo, culpa,
remorso… quem está aí?
São as minhas sombras,
chegando para me despertar.
Tenho uma saudade amiga,
que me acompanha
como uma ferida
que nunca cicatriza.
Uma dor constante,
silenciosa,
que me rouba as forças
e dilacera a alma.
Uma saudade imensa,
devastadora:
saudade de querer partir
e de ter para onde ir;
saudade de querer voltar
e de ter onde repousar.
Saudade de quem fui,
e de quem um dia sonhei ser.
Tenho uma saudade absurda,
uma saudade de mim.
Dentro de mim há um vazio:
um buraco negro,
que engole tudo ao redor.
Nada escapa: nem luz, nem sombra.
Um vazio de ausências:
sorrisos que deixei de fingir,
vozes que se dissolveram,
manhãs de domingo,
noites de Natal que não voltam mais.
Esse vazio transborda
num olhar distante,
num aperto no peito,
no mar da madrugada.
É um vazio cheio de rastros:
fotos sem álbum,
canções pela metade
e uma saudade que não cabe
em nenhum lugar.
Mas sei que desse vazio,
nada escapa: nem luz, nem sombra.
E um dia, finalmente,
ele me engolirá…
como um buraco negro.
Bem sei como todo amor acaba.
O amor acaba em silêncio,
um silêncio profundo e doloroso,
como se guardasse tudo aquilo
que, por entre os dedos, se perdia.
Um silêncio que recolhia
cada palavra não dita,
cada minuto não vivido.
Um silêncio que perpetuava
sentimentos, gestos e olhares,
e os protegia para sempre.
De repente, percebo
que estou em outro lugar,
num outro momento,
em outra história.
Olho em volta;
nada me é familiar…
nada mais me pertence.
Eu não pertenço mais.
Me sinto estranho, deslocado,
como se me olhasse de longe.
Tento disfarçar,
mas meus pensamentos
já não estão lá, partiram,
deixando um corpo
cada vez mais vazio,
cada vez mais distante.
É assustador como alguém
pode se ausentar
sem nunca ter dito adeus.
Hora de recolher meus versos,
dobrar palavra por palavra
antes que chova.
Hora de guardar a poesia
no armário, bem no alto,
longe dos olhos, longe de mim.
Enquanto ainda cheira perfume,
envolver cada poema em silêncio,
em papel de seda,
para que não se manchem
com o passar dos dias.
As nuvens vêm chegando,
o sol, pouco a pouco, se esconde.
Hora de recolher meus versos
antes que chova...
E acredite: no fim da tarde
ou quando se diz adeus,
sempre chove.
Envolto em flores brancas,
vejo meus amigos conversando.
Ouço risos desajeitados…
será que lembram
alguma história nossa?
Vejo rostos familiares,
que mal reconheço:
talvez de um aniversário,
talvez de um batizado.
O que fazem aqui?
Minha mãe, sempre exagerada,
faz que vai desmaiar.
Não entendo tanto choro…
será que chora só por mim?
Minha filha me beija a testa.
Queria beijar a dela de volta,
mas não posso… estou cansado.
Preciso descansar, enfim.
A lembrança do que não foi,
do que deixou de ser,
me acompanhará por anos,
por uma vida,
ou por um breve instante,
ao despertar.
Sina de tudo o que já foi eterno
e se tornou saudade,
que já foi sem tamanho
e hoje cabe num porta-retrato.
Será sempre o passo
não dado,
o grito calado,
o enredo interrompido.
E, no derradeiro dia,
será o sorriso entre lágrimas,
um adeus silencioso
antes do último olhar.
Ontem, tudo era mais simples,
tudo parecia mais fácil.
Não sei se é o cansaço
ou se, enfim, perdi a fé.
Tantos tombos, tantas quedas,
que me faltam pernas
para seguir.
Tantas partidas, tantas despedidas,
que me faltam lágrimas
para chorar.
Se hoje só tenho o ontem,
ontem eu ainda tinha um amanhã.
E amanhã, com toda certeza,
não me restará sequer o pó.
A vida passa.
As horas se arrastam,
quase parando.
Mas a vida, essa,
foge ligeira.
Por entre meus dedos.
Conto as horas,
e, quando me dou conta,
a vida já se passou.