Certa vez, conheci uma menina,
de sorriso doce,
e gestos inquietos.
O tempo parecia conhecê-la,
de outros tempos, quem sabe,
pois, quando ela me olhava,
o tempo, com ciúmes,
simplesmente parava.
Se voltasse no tempo
e me visse criança,
falaria, sem hesitar:
amarre os sapatos, menino!
Dê um laço bem dado,
jamais um nó.
Pois, um dia, verá
que laços são mais fortes
do que nós.
Ela queria um amor agitado,
como as noites de sábado.
E eu, um amor calmo,
como as manhãs de domingo.
De repente, o que era uma sexta-feira,
com promessas em neon,
virou manhã de segunda
cinzenta, sem pressa,
sem nós.
Eu, quieto, me contentava
com o futebol de quarta.
Ela, sempre um passo à frente,
contava os minutos até quinta.
E assim passaram-se os dias, os anos…
iguais,
como as terças-feiras sabem ser.
Olho no espelho
e quem vejo não sou eu.
É alguém abatido,
de olhar cansado,
que me observa em silêncio.
Tento lembrar,
mas é em vão.
Pergunto quem é.
A resposta não vem.
Aos poucos, percebo
que já não me reconheço mais.
Em que ainda acredito?
Quais são os meus sonhos?
Ainda sonho?
Gira, voa, me fascina,
minha doce bailarina.
Faz do mundo teu palco,
da vida, um ato sem ensaio.
Me faz sorrir,
me faz chorar num salto.
Cada gesto, um sobressalto.
Você brilha…
e a multidão desaparece em aplausos.
Minha doce bailarina,
será que as luzes te ofuscam,
ou são meus olhos, agora cegos,
que não conseguem te encontrar?
As cortinas caem.
Você ainda dança,
rodopia, me deslumbra…
Mas é tarde:
até as sombras foram embora.
Ah, se eu soubesse dançar…
Ah, se minha alma tivesse coragem…
Na verdade, escrevo para você,
não para o mundo.
Você é o que importa; o mundo, não.
O mundo é apenas palco, cenário,
mas você é arte, poesia.
O mundo é estrada, distância,
mas você é o caminho, a direção.
O mundo é relógio, compromisso,
mas você é minha escolha, meu destino.
Na verdade, vivo para você,
não para o mundo.
Você é o que importa; o mundo, não.
Não é o quanto,
é o encanto:
o sorriso,
o olhar,
a saudade que não passa,
o coração que dispara.
É o toque,
é o gesto,
é o carinho;
não é o quanto,
é o encanto.
O amor não se pensa,
não se explica, não se define.
Ele chega, no seu tempo,
no seu ritmo,
mas sempre com urgência.
O amor não admite hesitação,
não tolera dúvidas, incertezas.
Exige prontidão,
mas, acima de tudo, exige coragem.
O amor não sabe esperar,
ele não pode esperar.
Nunca a minha poesia
foi tão sem sentido,
tão cortante
como vidro engolido.
Se hoje ela vem,
já não é dom…
é algema.
O que foi mergulho
virou âncora.
O que libertava
tornou-se mordaça.
Se a poesia me deu uma voz,
hoje…
ela me cala.
Que as ninfas do Tejo
me concedam a inspiração amarga,
que só os insolentes saboreiam.
E que o vinho me conceda
a lucidez que nasce
quando as palavras se perdem
Ah, que eu seja capaz
de dizer a verdade
uma única vez.
Que minhas mentiras se tornem realidade,
e meus pecados, enfim, absolvidos.
Que as sombras da moça que passa
sejam belas… e nada mais.
Que duvidem até da gravidade,
que percebam o quão ridículas são as horas.
Que quem caiu não se levante,
e repouse, enfim, do esforço
de fingir coragem.
Como é ridículo, como é mesquinho
o crente que não crê,
o palhaço que chora,
o sábio que acredita que sabe.
De que me vale ter o que não tenho?
De que me vale compreender o que não sei?
De que me vale querer o que posso?
Que todos os deuses me calem.
Pois, se eu disser o que deve ser dito,
até os deuses
cobrirão os ouvidos.
Um lado meu é poesia, imaginação.
O outro… ciência, observação.
Um lado se encanta, se comove.
O outro calcula, desmonta, decompõe.
Um lado se entrega, se lança.
O outro recusa, mede, balança.
Um lado vê acasos, sinais.
O outro decifra fatos reais.
Um lado te ama sem explicação.
O outro… te ama apesar de toda razão.