Finalmente
chega o dia vinte quatro de dezembro, e todos estão reunidos no sÃtio. Dona
Leonora e Dona Maria estão na cozinha da casa principal, preparando os pratos
para a ceia de Natal:
—
Tem duas travessas nas quais preciso está faltando, acho que o Pedrinho levou
para casa pequena. — Repara Maria.
—
Ela está aberta? — Pergunta Leonora.
—
Sim está.
—
Deixa que eu as procuro lá, se eu achar, trago para cá.
Ao
entrar naquela casa, Leonora se lembra de várias boas memórias, das amizades
que fez, dos filhos que brincaram ali e, quem sabe, dos futuros netos que vão
brincar. Todos acham maravilhoso o namoro de Bianca e Pedro. A moça está com um
semblante alegre e feliz como nunca se viu, enquanto ele está mais centrado e
sério. Seu Júlio diz que o namoro pode acabar em casamento. Assim, Leonora já
imagina os netos ruivos correndo naquele sÃtio.
Ela
procura as travessas nos armários, as encontra, mas dentro de uma delas há duas
fotos. Uma delas é dos filhos do casal ainda pequenos, onde se vê Pedrinho de
mãos dadas com Bibi, olhando para ela com admiração. A outra é uma foto antiga
de uma mulher negra sorrindo com uma criança branca no colo. Pelo olhar daquela
mulher, Leonora desconfia de algum segredo antigo escondido pela amiga.
Retornando
à cozinha da casa grande, Leonora entrega as travessas para Maria:
—
Achei as que a gente precisava. Também achei uma coisa — Dona Leonora mostra a
foto dos filhos quando era criança;
—
Olha que lindos nossos filhos. Imagina que lindos serão os nossos netos filhos
da Bianca e do Pedro. Desejo muito esse casamento! — Fala alegremente Dona
Maria.
—
São muito novos ainda. — Pondera Leonora.
—
Não custa nada sonhar! Além do mais meu filho sempre foi apaixonado por sua
filha. — Maria sorri.
Leonora
mostra a outra foto para Maria, assim comenta:
—
Achei também essa foto que não sei de quem é.
Maria
pega a foto das mãos de Leonora, puxa uma cadeira e senta-se a mesa:
—
Estava torcendo que essa foto tivesse se perdido. — Lamenta Dona Maria.
—
Quem está nessa foto? — Pergunta Dona Leonora.
—
A criança sou eu, a mulher que está com ela no colo é minha mãe biológica.
Leonora
fica perplexa, mas a amiga explica:
—
Quando era pequena minha famÃlia era muito pobre. Dorotéia, minha mãe, era uma
mulher negra. Quando ela foi ganhar meu irmão, teve complicações no parto, e
acabou ela e a criança falecendo. Meu pai tornou-se um viúvo com menina de três
anos para criar.
—
Não sabia dessa história, achei que tu era filha de Diana, que é de famÃlia
abastada.
—
Ninguém sabe disso, somente meu marido e pelo jeito também o meu filho. A minha
mãe de coração o meu pai a conheceu quando ele trabalhava em uma das fabricas
da famÃlia dela. Ela também era viúva, mas não tinha filhos. Deu todo o seu
amor que tinha de mãe para mim e para os meus outros dois irmãos que ela teve
com meu pai.
Leonora
fica um pouco triste por Maria, pois ela tenta esquecer e apagar sua origem com
vergonha de si mesma, absorvendo os preconceitos da famÃlia de sua madrasta e
tentando se encaixar em um meio que verdadeiramente nunca a aceitou:
 — Maria, acho que tu deverias se acertar com
seu passado. Primeiro ser sincera com seus filhos e aceitar as escolhas deles.
—
Vou pensar isso com carinho.
As
duas mulheres encerram o assunto e continuam seus afazeres, elaborando o
cardápio da ceia de Natal.