O almoço fora uma catástrofe. Os assuntos que Jorge levantava eram assassinados pelas respostas sem vida de Sandra. Ela escolhera sua refeição como quem paga uma conta de luz atrasada e se reservara a comer ininterruptamente cada garfada. A primeira reação que esboçara fora diante da oferta de Jorge de uma sobremesa. Negara, insistira que já não podia mais comer uma migalha sequer, que iria se atrasar. O buquê deixado displicente na cadeira ao lado. Em desespero, Jorge então pedira a sobremesa apenas para si e até mesmo o garçom pareceu notar que aquela mesa não tinha a atmosfera esperada.
Sandra então se impacientou, finalmente falando, mas apenas para reforçar o compromisso com a amiga. A sobremesa chegara e o suspiro de alívio de Jorge fora quase audível. O garçom, um herói sem disfarce, deixara o prato decorado com o pedido voltado para Sandra.
Aos ouvidos de Jorge, toda respiração no restaurante entrou em hiato, nem mesmo as moscas na cozinha ousavam zumbir as asas. Ele encarava Sandra, que encarava o prato e, então, o buquê e, outra vez, o prato. Nenhum mestre Renascentista poderia reproduzir tamanha inexpressividade em um retrato. O semblante de Sandra ficara imobilizado, e no peito de Jorge seu coração falhou uma batida.
Uma negativa jamais soou tão contundente, apenas aquela pequena palavra saiu entre os dentes de Sandra. Ela se levantou devagar, pegou a bolsa e retirou de um bolso a quantia exata do que havia consumido. Sandra fez então um pedido, exigira a Jorge que não mais a buscasse. Deixou para trás o buquê e ao cruzar a porta, todos respiraram outra vez.
Restava a Jorge comer a sobremesa, chocolate amargo era realmente a escolha certa para aquele momento errado em sua vida. Afrouxou a gravata, o peso dos olhos ao seu redor já o apertava o suficiente. Uma, duas, seis garfadas e o doce havia desaparecido, mas a frase não. Menos a humilhação. As vozes e sussurros rastejavam pelo ambiente. Cobriu as notas deixadas por Sandra com o que faltava para pagar a conta e, antes mesmo que o garçom voltasse, se levantou, marchando em direção à saída.
Uma mão firme pousou sobre seu ombro antes que cruzasse o umbral da porta — o gerente daquele restaurante ao qual jamais retornaria. O senhor barrigudo em sua camisa de botões amarelada apenas lhe estendeu o buquê. Queria ter tido àquele homem que jogara as flores na fritadeira ou que usassem para decorar as mesas, mas sua única reação foi a de agarrar o buquê e agradecer ao gerente.
Carregava as flores, por ele consideradas malditas, de volta à estação de ônibus. Evitou propositalmente a rua do prédio amarelo e branco, tomando pela primeira vez em três meses o caminho mais rápido. O amargor em sua boca já não pertencia ao chocolate. Entrou na plataforma revolvendo a língua entre o céu da boca e os dentes, desejando que algo forte apagasse aquele sabor. Não sentia a mesma pressa de algumas horas atrás, quando caminhou de um lado a outro na estação perto de casa. Dessa vez preferiu recostar em uma pilastra, não podia se importar em quantos segundos se passavam.
Aquele buquê era realmente piegas, desdenhava de si, o amargor mais acentuado. Sandra não parecera tão fria, tão cinza, no encontro anterior que tiveram naquela mesma semana. O oposto, fora tão doce e carinhosa, compartilharam belas horas juntos. Jorge lembrava dela recebendo mensagens constantes, mas assim haviam sido as últimas duas semanas. Era o fim do semestre e ela dizia estar soterrada de projetos, trabalhos e estudos para provas. As horas dedicas àquele encontro pareceram indicar a Jorge que ela estava realmente interessada em estar com ele.
Ledo engano, bárbara vida. O ônibus chegara à estação, quando as portas abriram, uma figura conhecida saiu apressada à plataforma, carregando uma única rosa-vermelha envolta em celofane transparente. Jorge se adiantou, encarando a mulher que o havia escorraçado horas atrás. Ela o encarou incrédula. Em um segundo eterno, Jorge empurrou o buquê nos braços desavisados da jovem e se enfiou no ônibus.
— No fim do dia, é você que vai levar esse buquê piegas para casa — disse Jorge. A jovem não teve tempo de reagir, enquanto as portas se fechavam na sua cara.
Ela mal pôde ver o pescoço dele desaparecendo enquanto o motorista arrancava para não perder o semáforo verde. O rosto de Jorge era uma maçã vermelha, lágrimas escorriam e uma risada maníaca saltava do peito sem controle. Outros passageiros saíram de perto daquele homem estranho, alguns seguraram com força suas bolsas. Nenhum semáforo vermelho brilhou no caminho de volta.
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