Jorge repuxou o nó da gravata, sentia que, a qualquer momento, o pequeno pedaço de tecido se tornaria a causa da sua morte. O ponteiro dos segundos ainda não completara uma volta completa desde a última vez que havia levantado o pulso para verificar a hora. O pé direito insistia em seguir o ritmo do ponteiro, batendo persistentemente contra o chão sujo do ônibus. A senhora sentada ao lado dele parecia prestes a atacá-lo com a bolsa que repousada em seu colo.
Cada semáforo fechado parecia zombar dele, já tinham sido muitos desde que o ônibus partira da estação. "Apenas mais duas estações", contou assim que as portas se fecharam novamente. As pessoas, com quem compartilhava aquele transporte quente e arrastado, eram borrões indistintos. Mal notara quando a senhora ao lado foi substituída por uma jovem de uniforme.
Nada importava quando cada estação era um quilômetro menos até o seu destino. Nunca imaginara que um buquê poderia ser tão pesado. Quanto pesaria cada rosa? Não fazia a menor ideia e não precisava saber; o formato era o fator central. Um lindo buquê de rosas-vermelhas onde o centro mostrava um coração formado por rosas cor-de-rosa. A florista havia se surpreendido com o pedido, mas atendera com todas as expectativas daquele homem agitado que passara pela porta.
No seguinte fechar de portas, sem poder aguentar mais, Jorge se levantou, ficando apoiado perto da porta. Temia chegar tarde demais às portas e ter que correr de volta todo um quilômetro, o que o deixaria empapado e fedorento. Rosas delicadas, de aroma tão sutil, ficariam fora de quadro se ele chegasse em uma camisa suada e arfante. Vermelha como as rosas, a luz de outro semáforo acendeu zombeteira.
Respirando profundamente, ele deixou aquele ato despropositado passar, um... dois... três... quatro... inspira, um... dois... três... quatro... expira. Uma e outra vez, por mais tempo do que desejava, ele contou e se acalmou esperando que o ônibus voltasse a se mover. A penúltima estação antes da sua parada era uma placa indicando a proximidade do oásis. Mal sentiu quando os freios foram acionados, e pouco se importou com os avisos de abrir e fechar a porta. Era isso, o derradeiro fim, a meta tão esperada e calculada. E justo a tempo, seu relógio indicava que ele ainda teria espaçosos minutos para caminhar tranquilamente até seu destino.
Por fim, em júbilo, viu a última estação o convidando no horizonte. Uma pequena prece foi oferecida em agradecimento quando o ônibus atravessou um cruzamento sem ter que parar. "As pequenas belezas do cotidiano", ele repetia. O ruído estridente dos freios era uma canção tocada por querubins aos seus ouvidos. Mal abriram-se as portas e ele saltou para a liberdade — um náufrago encontrando sua terra firme. Se chocou com ela, regencial em sua indignação diante daquele estranho homem que, por pouco, não a havia jogado ao chão.
— Babuínos são menos desastrados — uma acidez particular chamou a atenção de Jorge. — Pode se mover agora, ou precisa que alguém te ensine a caminhar em duas pernas?
— Perdão? — a incerteza desconcertante na sua voz pareceu comover pouco a jovem parada à sua frente.
— Sinta-se desculpado, como queira, mas mova-se — o tom dela tornou-se mais agressivo, cada palavra cuidadosamente atirada como uma adaga. As portas se fecharam atrás dele, que seguia imóvel onde esbarrara com a moça. — Perfeito, vou justificar meu atraso como "acidente com um idiota".
— Você acorda todos os dias do lado errado da cama? — Se pudesse, Jorge teria buscado em um dicionário a palavra adequada para explicar o quão abrasiva a mulher soava. — Desculpe se esbarrei em você, mas isso não é motivo para transformar em tempestade um copo d'água, ou de jogar o copo na cabeça de alguém.
— Eu jogaria algo mais pesado que um copo em você — o corpo dela permanecia impassível, seus olhos migravam com rapidez pela figura de Jorge. — Espero que ela fuja desse buquê piegas.
Ao fim Jorge se questionou por que perdia preciosos momentos com aquela estranha grosseira, o buquê romântico, não piegas, tinha uma destinatária a sua altura pronta para ser surpreendida.
— Com licença — o ódio no olhar dela cresceu ao ouvir a voz dele — é uma expressão que resolveria o problema.
Sem um segundo olhar, Jorge passou pela mulher que o esfaqueava mentalmente e atravessou a catraca de saída antes que ela tivesse alguma oportunidade de responder. Sua amada jamais trataria ninguém de semelhante forma, principalmente quando fora um erro da estranha. "Espere que os passageiros desembarquem antes de embarcar", estava escrito em todas as plataformas, em todas as estações daquela linha de ônibus. Não, a jovem plantara-se como imponente ipê, diante das portas e o queria culpar por uma breve falta de atenção.
Jorge se deu conta que já não tinha tanta folga para alcançar seu destino e se viu irritado ao ter que apressar o passo. Poças de suor começariam a ser visíveis e isso o deixaria com um aspecto desleixado, algo que abominava. "A boa figura abre portas", o ensinara seu avô nos domingos de missa, quando o observava pentear o bigode e aplicar loção. Até o momento ser asseado não lhe abrira grandes portas, mas facilitara o caminho até a destinatária do buquê.
Vencendo uma última esquina, chegou finalmente ao edifício com o qual havia estado obcecado durante toda a manhã. Ladrilhos amarelos e brancos, pequenas camomilas, adornavam uma fachada sólida, sem curvas e exageros, pontuada por janelas em intervalos regulares. Das portas, abertas em par, emolduravam uma leve penumbra. Jorge observava as pessoas serem cuspidas por ali.
A qualquer momento, a penumbra se esvaziaria à medida que ela fosse revelada. Iluminando aquela passagem de onde meros mortais eram apenas expelidos. Não seriam lançadas adagas e palavras ácidas da boca de sua amada, Sandra era incapaz de se portar como uma megera por um erro. Tampouco trataria seu gesto de carinho como apenas um clichê romântico.
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