Na língua das flores, aquela que praticam os amantes, as belas rosas de cor vermelha simbolizavam o abandono da paixão. Enquanto as cor-de-rosa prometiam a placidez e a eternidade do amor profundo. Aquela mulher jamais receberia ou ofertaria um gesto de tal sutileza e beleza.
Conhecera Sandra bem perto do prédio amarelo e branco, sentada e luminosa em um parque, conversando com colegas enquanto todos esperavam a próxima aula. Um dia de céu decorado com redondas nuvens brancas esparsas, enquanto as árvores eram agitadas por uma brisa gentil e as pessoas arrastavam os passos apenas para aproveitar mais um segundo ao ar livre. Não que ele se importasse com todo esse panorama, seu foco naquele dia era caminhar do ponto de partida, sem distrações, até a linha de chegada.
Marchava a passos determinados, uma pasta recheada de documentos apertada debaixo do braço. O mundo era apenas algo acontecendo ao seu redor enquanto ele tinha um objetivo a ser alcançado e pessoas para impressionar. Sede, ele lembrava de sentir a garganta seca quando entrou no parque, e como aquilo o incomodava. Jorge não permitiria uma garganta seca na semana da grande apresentação, não, jamais, sem chance alguma. Já maquinava todos os xaropes, infusões e chás que beberia, mas primeiro, água.
Esquadrinhou a paisagem ao seu redor até encontrar a poucos metros um vendedor ambulante com sua caixa térmica. As várias garrafas e latas coladas ao lado da caixa mostravam que ele encontraria o que buscava. Cada passo foi medido para realizar um grande desvio na jornada, uma necessidade de primeira urgência justificava tamanha transgressão à marcha. Meia dúzia de palavras depois e ele já possuía a garrafa que queria. Abriu com cuidado, o material frágil queria se dobrar em suas mãos.
O primeiro gole apagou o incômodo em sua garganta, ele até começava a se repreender por tal exagero, o tempo seco não o deixaria doente. Parado, ali ao lado do vendedor que o ignorava, ele bebeu um pouco mais, e então ela riu a alguns metros de distância.
Estava rodeada de seus companheiros de turma, um grupo variado de pessoas usando uniformes hospitalares. O dela era azul-escuro, com detalhes brancos. E ele estava perdido, aquela risada o fizera enxergar a beleza do mundo ao seu redor. O verde de cada pedaço de grama, a intensidade do azul no céu, as crianças que corriam e gritavam no playground, os pássaros que chilreavam e os carros que buzinavam. Aquele mundo, normalmente tão fora de foco, pareceu explodir. A risada de Sandra fora o momento da criação do seu próprio universo.
Sempre havia sonhado com uma mulher que risse de forma tão brilhante e delicada. Esse tipo de som anunciava a beleza, conduzia o mundo pela mão. A mulher que ele vira naquele parque era a concretização de algo que acreditava impossível, de um sonho ansiado por um Jorge que parecia não mais existir.
Ele vivera três meses sem acreditar em cada novo encontro com Sandra, dos pequenos beijos e mãos bobas que haviam trocado, de ouvir sua risada enquanto a abraçava.
A pequena víbora da estação é tão amargurada que jamais poderia rir com tamanha beleza, pensou ele ao sentir as manchas crescerem em sua axila. Seguia incrédulo com a reação brusca e, em sua opinião, completamente desmedida para um acontecimento tão corriqueiro.
— Jorge, qual o problema? — não havia notado que Sandra estava parada bem diante dele.
— Nada que seja mais importante que você — estendeu as flores e um sorriso para ela, se perguntando como alguém poderia ser tão bonita em um uniforme hospitalar. — Queria dar a você algo especial hoje.
— Obrigada, as flores são muito lindas — o tom incerto dela chamou a atenção de Jorge. — Mas não precisava.
— Faço o que for para ver o seu sorriso — embora ele pareça tão amarelo agora, ele quis continuar, mas preferiu deixar essa parte de fora. — Poderíamos almoçar naquele restaurante que você gosta, se você quiser.
Ocultava a parte que fizera uma reserva e combinara com o gerente, no dia anterior, para trazer uma sobremesa especial para os dois. Queria transformar aquele momento em algo memorável, uma história que ambos contariam aos amigos, familiares e, no futuro, aos filhos e netos com orgulho. A sugestão, no entanto, pareceu ser recebida com pouco entusiasmo por Sandra, que parecia hesitante em responder.
— Parece uma boa ideia — embora ela se expressasse tão superficialmente. — Só não posso ficar muito tempo, fiquei de fazer um trabalho em grupo agora a tarde.
Uma nuvem ligeira de decepção nublou o bom-humor que vinha tentado recuperar desde o encontro com a víbora da estação. Planos mais reservados rondavam sua mente para comemorar o início da relação, e Jorge sentiu que eles haviam sido atirados em um bueiro.
— Isso não é um problema, só quero aproveitar um tempo com você — claro, agora ele soava um pouco chateado, mesmo que pensava estar disfarçando bem. Tudo estaria melhor se ela o tivesse encontrado concentrado em sua aparição.
Ambos começaram a caminhar, normalmente o fariam de mãos dadas, mas agora Sandra fazia questão de carregar o buquê com ambas as mãos. Não que fosse grande o suficiente para tanto, mas quis acreditar que ela o atesourava profundamente.
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