Benjamin Sanchez estava ainda mais perdido.
Ben sentiu um baque ao cair no chão. Seus olhos se adaptaram à claridade do sol e ele pôde ver os troncos e galhos nus das árvores, com uma linha fina de neve, a mesma que estava por todo o chão.
O garoto se levantou e olhou mais ao seu redor. Não tinha ninguém com ele, mas se tranquilizou um pouco por ver prédios mais a frente. Precisava descobrir onde estava e onde Felipe estava.
Ben passou as mãos pelas mangas do casaco, limpando-as da neve. No meio de toda aquela coisa cristalina, perto dos seus pés, ele viu o causador de tudo aquilo: o colar. Bufou, irritado, e se abaixou para pegar o objeto do chão. Ele e aquela mulher tinham causado todo o problema. No que o colar ajudou, afinal? Felipe poderia estar ainda pior do que antes…
Novamente, o colar foi parar no bolso da calça dele. Benjamin foi pisando firme pela neve, se equilibrando, para poder chegar até os prédios que via de longe, percebendo quão enganado estava por achar que estavam mais próximos. Em sua mente, só se passava um nome e uma cena horrorosa: Felipe e o acidente.
Ben tateou os bolsos, encontrando seu celular em um deles. No começo, ele ficou feliz por não ter perdido o aparelho, mas sua felicidade foi embora rapidinho ao ver que o celular não ajudaria nada. Do que adiantava ter quase 70% de bateria se não tinha sinal?
Quando ficou perto o suficiente, Sanchez conseguiu ler o nome da cidade que estava pela placa de boas vindas: “Bem-vindo à Homage!”. A situação estava começando a ficar mais sinistra do que já aparentava.
Mesmo assim (e sem muitas escolhas), Ben continuou caminhando até chegar no centro da cidade. Ele nunca esteve em Homage antes, mas sabia que era uma cidade bonita. Ali não tinha nenhum outdoor ou máquina de bebidas, e todos os cidadãos usavam roupas muito diferenciadas do que ele estava acostumado a ver; em alguns estabelecimentos, viu os homens usando camisetas sociais, algumas neutras e outras com estampas floridas para dentro de uma calça com cintura alta; as mulheres usavam blusas coloridas e calças. Mas, do lado de fora, todos usavam jaquetas e diversos casacos pesados, cachecois e luvas para se livrar um pouco do frio. Os cidadãos passavam olhando para ele com estranheza, o mesmo olhar que ele tinha para eles.
Para tentar se distrair e sair dali, Ben pegou o colar de novo, prendendo o cordão no pulso e deixando o pingente pender. Tentou fazer com que ele funcionasse de alguma forma, pressionando-o entre as mãos, mas nada aconteceu. Tinha que pressionar o objeto no peito como fez com Felipe? Ele até tentou, mas o colar não deu nenhum sinal de que voltaria a funcionar. Ele suspirou. Observando o pingente com aquela coloração azul e pontos brancos pequenos, lembrou da claridade que ele ficou. Aquilo era magia?
O garoto atravessou algumas ruas, dobrou esquinas e continuou nesse padrão por mais alguns minutos tentando pensar no que fazer. Pensou em pedir ajuda para voltar para Yellow Wood, mas descartou a ideia em seguida, achando que seria em vão. Quase se perdeu em Homage – e como conseguiria ter feito isso em uma cidade pequena? –, mas conseguiu chegar na praça principal e decidiu ficar por ali. Se sentou em um banco, de costas para a biblioteca, e suspirou na tentativa falha de se acalmar. Estava no meio de um monte de gente que o olhavam estranho, numa cidade desconhecida que ficava há três horas de distância de Yellow Wood e sem ter notícias do melhor amigo. Tinha vontade de jogar o colar fora, mas não podia. Pela lógica, o que levou ele ali, seria a mesma coisa que o levaria para casa.
Ben olhou em volta, pensativo, notando uma pequena banca de jornal ali perto. Decidiu comprar um jornal, então foi até ali, sendo atendido por um senhorzinho e uma menina. Ele escolheu o jornal daquele dia, conseguiu pagar os vendedores com uns trocados que tinha no seu bolso, agradeceu aos dois e retornou ao banco, sentando-se e abrindo o jornal na primeira página. Depois, acima de todas as notícias, ele viu a data.
7 de Novembro de 1970.
“Que porra é essa?”, ele pensou, apavorado.
Benjamin leu aquela data várias e várias vezes, ficando cada vez mais irritado por ter se submetido àquela situação e ter aceitado o colar que era, na verdade, uma mini máquina do tempo disfarçada. Ele sabia que agir por emoção não o levaria a lugar algum, mas só respirar fundo para se acalmar estava difícil. Ele precisava fazer alguma coisa, tentar achar alguma coisa que o ajudasse a voltar para 2017. Para isso, ele se levantou e olhou em volta, decidindo para qual direção iria.
E aí, um pouco de esperança surgiu.
Afastando-se da praça, Benjamin viu um menino de cabelo castanho, de longe, caminhando ao lado de uma mulher. Ele estava usando uma jaqueta por cima da camisa social branca, uma calça preta e um tênis preto, era o mesmo estilo que já tinha visto, porém muito mais básico. Ele ria enquanto conversava com a moça ao seu lado, essa que Ben não fazia ideia de quem era.
Mas ele sabia quem era o menino. Era Felipe.
Benjamin foi até os dois com uma felicidade imensa por ver Felipe.
— Lipe! Você tá bem? — olhou atentamente para o mais novo. Não estava com nenhum machucado aparente e aquilo era ótimo. — Eu fiquei tão preocupado contigo!
Ele tentou abraçá-lo, mas Felipe se esquivou, olhando para o moreno com uma expressão assustada. Ben parou a tentativa de um abraço assim que notou aquela expressão, se perguntando o porquê daquilo.
— Quem é você? O que está fazendo?
— Com licença, — a moça disse colocando-se na frente de Felipe, se fazendo de barreira para proteger o amigo — nós não te conhecemos.
Ben fez uma cara confusa.
— Ahm… Eu sou amigo dele.
Ben mal pôde responder direito. Quando terminou de formular aquela simples frase, sua cabeça começou a doer, e a dor ia se intensificando cada vez mais. Ele respirou fundo e afastou as pernas para poder se manter firme de pé, porque sentia que ia cair.
— Eu não sou seu amigo — Ângelo falou, olhando para ele por cima do ombro de Pelicse. — Acho que você me confundiu com alguém…
— É melhor irmos logo, Ângelo, sua mãe tá nos esperando — Pelicse disse e se posicionou ao lado de Ângelo.
O garoto murmurou um pedido de desculpas antes de voltar a andar com a amiga. Ben ficou ali, com a vergonha o consumindo, sem conseguir dizer nada. Ele ligou os pontos de tudo que tinha acontecido até agora: viagem no tempo, 1970, Homage… Era óbvio. Aquele não era Felipe.
Mas era tão idêntico…
Ele se virou para pedir desculpas também, mas aquele movimento foi o suficiente para a tontura aumentar. Ben tentou se manter em pé, mas acabou caindo de joelhos na neve, que agora derretia. Sua cabeça começou a latejar, a visão ficou embaçada e, antes mesmo de Ângelo e Pelicse darem o primeiro passo em sua direção, ele já tinha desmaiado.
Ângelo e Pelicse tiveram que carregar o menino até a casa dele, que era a residência mais próxima pelo caminho que estavam seguindo. Benjamin era pesado, mas eles conseguiram levá-lo até a casa. Stacy, a mãe de Ângelo, ficou preocupadíssima quando viu os dois entrarem carregando o menino inconsciente.
— O que foi que aconteceu? — a mais velha perguntou e ajudou os dois a deitar Benjamin na cama de Ângelo.
— Nós…
— Encontramos com ele na biblioteca e ele passou mal quando estávamos saindo — Ângelo se apressou em explicar, acabando por interromper Pelicse. — O nome dele é Isaac — completou quando Stacy o olhou.
Pelicse e ele se olharam quando Stacy não estava prestando atenção neles. Ele pedia para que ela fosse a cúmplice dele e comprovasse a história. Ela queria saber porque ele estava mentindo, mas não deixou de participar.
— É. A bibliotecária conhece ele e nos falou onde ele mora. Íamos levar ele pra casa, mas era muito longe pra carregar ele — Pelicse complementou e olhou para o moreno.
— Tudo bem, vocês fizeram bem — Stacy pôs a mão na testa de Benjamin. — Ele não tem febre, deve ter sido uma queda de pressão ou algo assim… — Ela se levantou e olhou para o filho e para a sobrinha (de consideração). — Esperem até que ele acorde e me avisem, ok?
Os dois concordaram e viram Stacy sair do quarto do filho. Ângelo fechou a porta e os dois amigos voltaram a se olhar.
— Por que?!
— Eu não sei, tá? Achei que seria melhor amenizar um pouco a história de que um desconhecido me abordou dizendo que me conhecia.
— É a verdade, Ângelo.
— Agora já era… Fiquei muito ansioso.
Ela respirou fundo e não tocou mais no assunto da mentira dele, mas estava curiosa sobre o garoto que trouxeram ali.
Ângelo resolveu ir para a sala para conversar com a mãe, Pelicse foi junto com ele. De minutos em minutos, os dois, ou um só deles, voltavam para ver se o garoto tinha acordado.
Pelicse foi quem viu ele acordar, duas horas mais tarde. Ela estava encostada na soleira da porta, bebendo uma xícara de café, quando ele se mexeu na cama e olhou em volta do quarto até seus olhos encontrarem os olhos da ruiva. A Legius bebeu mais um gole do seu café e saiu do quarto para chamar seu amigo.
Ângelo apareceu no quarto com Pelicse atrás dele. O moreno já estava sentado na cama com as pernas para fora da mobília e não se moveu quando olharam um para o outro. Ele ficou ali parado pensando se falaria primeiro, ou se deixaria o desconhecido se explicar. O dono do quarto notou o quão petrificado o outro estava, como se estivesse com medo de alguma coisa, mas permaneceu ali, em pé, com a postura ereta e os braços soltos do lado do corpo.
— Quem é você?
— Benjamin Sanchez — ele respondeu. — Qual é o seu nome mesmo?
— Ângelo Deas Quinn — ele pôs as mãos no bolso da calça. — Você me confundiu com alguém na rua.
— Eu sei… Desculpa, fui bem idiota — Benjamin passou as mãos pelos cabelos e olhou para fora da janela. — Por quantas horas eu dormi?
— Umas duas horas — Ângelo foi até a sua escrivaninha, se apoiou ali e manteve suas mãos no bolso. Benjamin fez uma expressão desacreditada e surpresa antes de suspirar baixo. — Não entendo como, mas você me confundiu com quem? — ele insistiu no assunto, queria entender tudo que tinha acontecido.
Benjamin hesitou alguns segundos para responder.
— Com o meu melhor amigo. Vocês são idênticos.
— Não tá tão longe da mentira que você contou pra sua mãe — Pelicse se pronunciou depois de fechar a porta do quarto.
— Que mentira?
Pelicse olhou para Benjamin e contou sobre a mentira. Ficou encostada na porta, ainda com a sua xícara de café em mãos.
— Não sabíamos qual era o seu nome, então o Ângelo inventou que seu nome é “Isaac” — ainda olhando para Benjamin, ela pôs a mão no bolso da calça e tirou o celular de Ben dali, jogando o aparelho para ele. — O que é isso aí, afinal?
Ben pegou o celular no ar com medo que ele quebrasse. Olhou do aparelho para os dois ali e respirou fundo.
— Vocês não vão entender se eu explicar…
— Nós temos bastante tempo — Ângelo se sentou na cadeira de madeira do próprio quarto, olhando atentamente para Benjamin com a mesma expressão séria e desconfiada.
Benjamin levou mais um tempo para responder. Estava com a cabeça abaixada e os cotovelos apoiados nas pernas, curvado na cama. Ângelo e Pelicse estavam ficando mais curiosos e desconfiados, pensando que ele estava demorando para inventar uma mentira.
— Sou do futuro — ele soltou e mostrou o aparelho. — Isso é um celular — deixou o objeto do seu lado, na cama, e tirou outra coisa do bolso da calça. — Vim parar aqui por causa disso e não sei como voltar.
Ângelo olhou para a sua mão, vendo o colar que ele segurava. Nem ele nem a amiga falaram, deixaram com que Benjamin terminasse seu relato.
— A pessoa que parece contigo tava comigo e fui desesperado até ti porque ele sofreu um acidente… Eu tava preocupado pra caralho. Desculpa de novo, inclusive…
Se ele tinha pensado em tudo aquilo nos poucos segundos que ficou calado, ele era muito criativo. Aquela ideia toda era loucura, até porque, viagens no tempo não eram impossíveis de acontecer?
— Isso é impossível — Pelicse falou por ele.
— Eu também achei que era — Ben falou e olhou para ela. — Faz sentido vocês não acreditarem, acho que nem eu acreditaria se escutasse alguém falando isso, mas não faz sentido eu ser de 2017 e estar em 1970.
— E você sabe se seu amigo também está aqui?
— Não faço a menor ideia, mas espero que sim…
Ângelo e Pelicse se olharam. Acreditavam ou não acreditavam em Benjamin? O Quinn não achava que aquilo poderia ser uma armação, até porque, o que Benjamin ganharia fazendo todo aquele show?
Por mais maluca que aquela história fosse (e não era pouco maluca), ele achava que Benjamin não seria capaz de mentir tão bem assim.
— Sua mãe precisa saber disso — Pelicse falou.
— Nunca que ela iria acreditar numa viagem no tempo por causa de um colar — Ângelo comentou para a amiga.
— Não, idiota! Ele vai ficar aqui, não vai? — ela olhou de um para o outro e esperou pela resposta.
Ângelo não tinha pensado nisso. Benjamin tinha trancado a respiração sem nem perceber, esperando ansiosamente pelos veredictos finais. Ângelo e ele se olharam.
— Se minha mãe aceitar, sim. Mas não vai dormir na minha cama — levantou-se e foi para fora do quarto para falar com a mãe.
Pelicse saiu do quarto em seguida, não sem antes deixar claro com o olhar que era para Benjamin segui-la. O moreno se levantou desajeitadamente da cama, quase caindo por causa de uma tontura momentânea. Alisou a camiseta e seguiu a mulher.
Quando chegou na sala, viu Ângelo de pé ao lado da televisão e uma mulher sentada em um dos lugares do sofá. Ângelo apresentou os dois e Ben teve certeza do que já imaginava: era a mãe dele. Stacy Quinn.
— Prazer em conhecê-lo, Isaac! — ela estendeu a mão.
— O prazer é meu, senhora Quinn — ele apertou a sua mão e a soltou logo depois. — Isaac é meu segundo nome, pode me chamar só de Benjamin.
— Me chame só de Stacy — ela sorriu. — Aqui, vista esse casaco, deve estar com frio!
Ele mal teve tempo de recusar, Stacy já entregava para ele um casaco mais quente comparado àquele que Ben vinha usando desde a escola. Como seria falta de educação recusar, ele apenas vestiu a peça e agradeceu. Ângelo o convidou para tomar café com eles e ele aceitou, com medo de parecer enxerido ou abusado. Serviu-se de uma xícara de café e fez um sanduíche para si mesmo.