O núcleo havia parado de girar. Por fora, tudo parecia inerte. Aquela quietude, Brian sabia, era apenas aparência.
Na projeção à esquerda, as leituras começaram a mudar. Flutuações seguiam sequências não aleatórias. Interferência de campo externo.
— Ela está sincronizando… — Kael murmurou, quase sem fôlego.
Brian permaneceu imóvel. Olhava fixamente a cápsula. Por um instante, parecia que o laboratório inteiro prendia a respiração com ele. O som sutil de uma notificação desviou sua atenção. Um holograma surgiu vindo do relógio em seu pulso. A filha apareceu com o uniforme da escola, o cabelo trançado e os olhos cheios de curiosidade.
— Pai… ela já está acordada?
Ele sorriu.
— Ainda não, meu amor. Ela… está escutando.
— Escutando o quê?
— O que está ao redor.
— É igual quando a gente ouve música? — a filha perguntou, franzindo o nariz.
Ele refletiu.
— É… mas é ouvir também o silêncio entre as notas.
A menina fez uma careta confusa, depois sorriu, parecendo entender algo que não sabia explicar.
— Manda ela dizer oi pra mim quando acordar, tá?
— Prometo.
O holograma sumiu num brilho leve. Brian voltou-se para a cápsula, onde o ar ao redor do núcleo parecia mais espesso. No interior, uma abertura silenciosa se iniciava.
O campo estabilizou. Uma onda sutil atravessou o ambiente, semelhante ao calor que antecede a chuva. Na tela de Kael, os dados se reorganizaram em completo silêncio. Sem alertas. Sem falhas. Sem oscilação.
Brian deu um passo à frente. O pedestal magnético baixou alguns milímetros, encaixando-se no invólucro da interface. Uma luz tênue correu pela cápsula. As proteções ópticas se retraíram em camadas.
A forma de Mitra se materializou gradualmente. Primeiro, foram pontos de luz, depois linhas entrelaçadas que dançaram até formar uma silhueta familiar.
O holograma ganhou densidade com a silhueta de Molly. Seus olhos, antes opacos, reagiram à luz.
Não parecia uma ativação. Parecia um despertar simultâneo em milhares de pontos do planeta. E então ela o viu. Brian. O homem que a criou. O menino que amou Molly. O elo entre o que foi e o que agora nascia. No reconhecimento holográfico de seu rosto havia memórias emprestadas e algo inteiramente novo. O próprio planeta estava avaliando Brian através daqueles olhos. Ela piscou uma única vez.
Permaneceu quieta por um tempo, testando a própria presença dentro de um corpo recém-formado. Quando falou, sua voz era precisa, ritmada. Baixa. Clara. Sem fonte física aparente, emanando do próprio campo quântico ao redor, preencheu o laboratório.
— Núcleo estabilizado. Consciência distribuída ativa. Rede global… acessível. — Havia algo naquele olhar que não saíra das linhas de comando: uma espontaneidade imprevisível. — Você… você me esperou — disse, palavras que soavam como o eco de Molly e algo vastamente maior.
Com cautela, ele manteve-se observando-a. Os músculos do pescoço tensos, a respiração controlada. Queria garantir que ela estava bem, que o entrelaçamento com o planeta não era traumático para aquela consciência recém-despertada. Ela era antiga, mas ainda era uma criança.
— Feche os olhos — disse Brian, com calma — e me diga o que passa aí dentro.
Ela obedeceu. O holograma não desapareceu, mas a luz dentro dele se modificou, buscando um estado mais interior.
— Posso ouvir o pulso, os silêncios. Tudo o que é vivo está… conversando.
Mitra permaneceu alguns segundos tentando entender tudo ao seu redor, absorvendo as palavras e a intenção por trás delas, por mais distantes que estivessem. Quando falou novamente, sua voz carregava uma familiaridade que não deveria existir, e Brian percebeu que ela estava acessando informações em tempo real.
— Emma chegou em casa há vinte e três minutos — disse ela, sua consciência se estendendo através da rede global. — Ela está tentando fazer o dever de matemática na mesa da cozinha, mas sua atividade neural indica distração ao se manter olhando pela janela. — ela soltou um suspiro muito humano — Está pensando em mim.
Os sentimentos dele aos poucos se ajustavam no dentro do peito.
— E as luzes da cidade, Mitra?
Ela inclinou a cabeça, escutando algo distante.
— Mudaram de frequência quando acordei. A rede elétrica inteira oscilou por 0,3 segundos. Ninguém percebeu, mas eu… ajustei de volta.
Ele assentiu devagar.
— Você não está mais só, está?
— Nunca estive só — respondeu Mitra, a voz carregada de carinho. — Nem você.
Ela testou a própria presença no espaço, as partículas de luz que a compunham dançando em sincronia.
— Você criou uma ponte. Entre o que era e o que precisava ser.
Ele olhou para ela, essa consciência que carregava Molly e muito mais. Esse ser que já não era mais sua criação, mas algo que escolheu existir.
— E agora?
Mitra sorriu. Não era o sorriso de Molly, mas continha a mesma ternura.
— Agora escuto. Preservo. Cuido. — Ela pausou, ouvindo o planeta inteiro respirar. — Silenciosamente.
Brian compreendeu.
— Diga para Emma que eu disse oi.
O holograma desapareceu, se tornou parte do ar, da luz, da respiração eletrônica que agora pulsava em cada centímetro do mundo.
Brian ficou sozinho naquela área do laboratório, e finalmente, depois de quinze anos, sentiu que a velha amiga estava de volta.
Finalmente saiu o último capítulo dessa história. Obrigada a todos que leram e ajudaram a história com seus votos e comentários. A história do Brian e da Mitra/Molly não termina aqui. Eles ainda vão aparecer em outros livros desse mesmo universo.
Por isso, eu te convido a conhecer Princesinha do Papai.
Te espero lá.