São 4 da manhã e uma neblina densa e silenciosa envolve tudo ao redor, bloqueando
nossa visão por completo. As portas e janelas da casa de Velha estão
inexplicavelmente travadas — ninguém que está do lado de fora consegue entrar, e
quem está dentro, não consegue sair.
Nossa única sorte é que temos mantimentos na despensa para alguns dias, pois
quando esses eventos estranhos acontecem, nunca sabemos quanto tempo vão durar
— ou se vão acabar algum dia. A sensação é de que o tempo aqui dentro se alonga,
enquanto o mundo lá fora permanece envolto nesse véu impenetrável.
O silêncio é quase palpável.
Velha, com seus olhos que já viram tantas tempestades, permanece imóvel, como se
estivesse esperando por algo — ou alguém.
Boris está parado diante da porta com suas orelhas em pé como uma estátua.
Ninguém consegue balbuciar um som, uma palavra e uma sensação de dormência
começa a se instalar no nosso corpo.
Eu sempre achei que o horror não está no fim propriamente dito mas no caminho até
ele, é nesse caminho que mora a angústia, a ansiedade e a falta de controle. E nessa
brecha habita o medo com todos seus chifres pontiagudos.
Nós sabemos da nossa missão, sabemos que quando for a hora não teremos escolha
a não ser cumprir o nosso destino e é por isso que os sinais ou o que interpretamos
como sinais nos anestesia a ponto de esquecermos quem somos.
Em dias como esse é fácil cairmos na tentação de encerrarmos a nossa alma antes do
nosso propósito, é fácil pois existe dor mas uma estranha ética do fim do mundo faz
com que fiquemos a postos, sempre a postos.