julia_mar @julia_mar
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--| Dia dos Muertos
— Ai, Mami, não esqueceu o que eu pedi? — A voz vinha de dentro do caixão aberto.
— Ay, mijo, claro que não! Trouxe seu taco de língua e o pulque de cactos fermentado — disse Doña Elena, ajeitando a caveira de açúcar na lápide.
— De língua? Mãe! Ano passado foi de miolos, esse ano... Não, Mami, o que eu realmente pedi foi o taco de camarão! O que a vizinha fez!
— O de camarão era para o seu pai. E ele está quieto, apreciando. Você está sendo ingrato, huesudo!
— Ingrato? Eu morri há dez anos, e ainda a senhora tenta me envenenar com miolos e língua!
— Querido, não reclame. É o que tem. E, por favor, pare de usar a mortalha como guardanapo. Tem gente olhando!
Um suspiro fantasmagórico. O silêncio voltou, quebrado apenas pelo vento e o tilintar das cempasúchil (flores dos mortos).
Doña Elena sorriu, pegando o pulque para si.
#Assombrações
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-| Lagarta 🐛
Na terra rachada que clama por gotas de água há um ser que se arrasta devagar, sem se preocupar com o sol ardiloso.
É uma lagarta de fogo.
Mas não é uma comum, suas partes vermelhas são de um brilho que se assemelha as sirenes das poucas ambulâncias daquele lugar abandonado pelo poder público.
É isso que chama atenção de Maria Jane. O brilho da largata.
A jovem, no auge dos seus quinze anos, pega o inseto e faz carinho com sua mão livre cheia de calos.
Seu ato só para quando sente alguém se aproximar.
É ele. O anjo.
Ryker tem uma pele alva e cilhos da mesma cor, seus lábios rosas nunca abandonam um sorriso travesso.
-- Não deveria fazer isso.
-- Acariciar um animal é errado agora?
-- Você sabe muito bem que não é disso que tô falando.
Maria Jane pode até tentar, mas não consegue blindar os pensamentos do seu anjo da guarda.
-- Só quero dar um lara para a criação "dele".
-- Nem tudo que habita na terra é criação do meu senhor.
Ryker, com suas grandes assas douradas, sobrevoa sobre a cabeça de Maria Jane e diz em tom austero:
-- A ruína às vezes vem das pequenas criaturas.
Obs.: Personagens não são de minha criação, é uma cena criada a partir de outras obras.
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A porta se fechou com um murro seco de vento, sacudindo a velha moldura. Lá fora, o ar era uma lâmina. Tempo roubava calor. Ele apertou o casaco e observou as árvores nuas dançarem uma valsa apressada e estéril. Cada passo na calçada congelada era um estalo. Sentia o frio nos ossos, não do clima, mas de algo que tinha congelado por dentro: uma promessa não cumprida, uma espera longa demais. O vento uivava, zombeteiro, e levava embora qualquer som que não fosse o dele. Ele era o único mudo ali, carregando um inverno particular sob o peito, enquanto o mundo tremia em seu próprio gelo cortante.
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--| Café. Mentiras e um Gato 🐱
Doña Mirta chega com o tio Héctor, que é meio surdo mas opina em tudo. Eles querem visitar o “escritório” do Ramiro. Ele inventa que o prédio está em reforma e que o chefe mandou todo mundo trabalhar de casa.
Enquanto isso, o amigo Pablo, vendedor de artigos inúteis, aparece para devolver o gato de Ramiro — Churro — que passou a semana roubando salsichas do açougue da esquina. O açougueiro ameaça chamar a polícia.
Ramiro tenta esconder o gato e convencer a mãe de que está indo “fechar um contrato milionário” pelo celular. Mas o gato escapa para a rua, é visto pelo açougueiro e começa uma perseguição que cruza três quarteirões, um mercado, e acaba dentro de um ônibus lotado.
Doña Mirta e tio Héctor correm atrás, convencidos de que Ramiro está negociando algo importante. No meio do caminho, eles acabam comprando tapetes persas falsos de um vendedor ambulante (Pablo, claro).
No final, todo mundo se encontra na porta do açougue, o gato comendo salsicha feliz, o tio discutindo o preço dos tapetes, e Doña Mirta descobrindo a verdade.
— Pero, hijo… ¿por qué no me dijiste?
— Porque sabía que ibas a hacer esa cara…
— ¿Qué cara?
— Esa.
E ela o abraça mesmo assim, dizendo que “pelo menos ele não trabalha num banco” (o que para ela é pior).
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Todo dia, Ana acordava com o despertador gritando mais alto que seus pensamentos.
Café ralo, olhos cansados, livros abertos como feridas.
A pressão não vinha só das provas, mas do silêncio dos pais, do medo do futuro, da cobrança interna que dizia:
"Você precisa ser perfeita".
Ela tentava decorar fórmulas, mas esquecia de respirar. Chorava em silêncio entre um parágrafo e outro. Às vezes, sonhava em largar tudo e correr sem destino.
Mas no fundo, algo a empurrava — não coragem, mas sobrevivência.
Estudar virou batalha diária, não por paixão, mas por não querer decepcionar ninguém.
Nem a si mesma.