0%
Edson Basilio

Edson Basilio

Ativo Escritor

Simbionte
Ovo de Simbionte

Cadeira (Nanoconto)

Sentei. Estava de gelar a bunda. E o tempo não passava. Pelo menos tinha encosto.

Cem anos de solidão (Nanoconto)

Cem anos sem ninguém.

Perna (Nanoconto)

A perna subia, girava e descia. Depois repetia. E mais uma vez. Os braços sempre acompanhando, no mesmo ritmo e com o mesmo vigor. Alguns saltos também foram executados. Essa foi a história de um cisne.

Motivo (Nanoconto)

Ela chorava demais, copiosamente. O verdadeiro motivo ninguém nunca soube, mas todos desconfiavam. Só podia ser por causa dele. Mas logo ele? Como? Por que?

Carbono (Nanoconto)

A história era sempre a mesma, mas, a cada página que passava, ia ficando mais fraca.

Coelho (Nanoconto)

Ele correu pela horta que eu corro, comeu da horta que eu como. Depois saltou, e eu saltei com ele, o coelho.

Número (Nanoconto)

Demorei muito tempo para ligar. Tanto que o número já tinha até mudado.

Mentira (Nanoconto)

Contei achando que não iria colar. Colou! Não era uma história muito boa, mas funcionou. Por meio da mentira acabei conseguindo o que queria de verdade.

Olhos (Nanoconto)

Aqueles olhos pareciam estar me observando em todos os lugares que eu fosse. Eu tinha essa sensação, mas, por mais que procurasse, não os encontrava. Até que o dia chegou. Ficamos olhando uns dentro dos outros. Será que eram realmente eles? Nunca vou saber. Mas passaram a ser.

Confusão (Nanoconto)

Me contaram que ontem ao anoitecer eu saí de casa e andei pela noite da cidade. Luzes me rodeavam, estavam nos postes, letreiros e em todos os lugares que eu entrava. Disseram que fiz coisas do arco da velha: bebi, xinguei, briguei. Mas hoje quando acordei estava tudo escuro.

Cobertor (Nanoconto)

Meus pés sempre ficam para fora. O frio que eu sinto vem de dentro, do vazio sem tamanho que alguém deixou ao sair. Não existe cobertor interno. Por isso, não importa o quanto eu me cubra, meus pés sempre ficam para fora.

Dinossauro (Nanoconto)

Enquanto caminhava, observava a bola de fogo cada vez maior. Uma grande explosão! Tudo ficou gelado. Hoje olha tudo lá de cima enquanto voa.

Cachorro (Nanoconto)

Já não aguentava mais aquele cachorro, então resolvi dar fim nele.
Tempos depois, enquanto tomava banho, senti uma vontade incontrolável e comecei a latir.

Viagem (Nanoconto)

Quando a levamos pela primeira vez à praia, ela era muito novinha. Quando voltamos, todos éramos crianças com mais ou menos a mesma idade.

Música (Nanoconto)

Ele vivia tocando air guitar e air drums. Nunca pegou num instrumento de verdade. Me apresentou as melhores músicas e partiu com uma marcha.

Escola (Nanoconto)

No início era só parquinho e brincadeiras. Veio o quadro negro, o giz, o caderno e a mochila, que me acompanhou até o dia do vestibular.

Estrela (Nanoconto)

Lá estão elas, Estela e sua estrela. Estiveram juntas desde sua estreia. Hoje, em seu estrelato, ainda estão juntas, assim como sempre estiveram. Estrela e sua Estela estão em um só ser, sendo estrelas. Assim sempre estarão e, mesmo quando não forem mais, ainda serão. Estrelas só são.

Pétala (Nanoconto)

Ela tocou meu rosto muito suavemente e ficou presa na minha barba grisalha por fazer. Veio flutuando com o vento, leve, aveludada e de um tom entre o rosa e o vermelho. Beijou minha bochecha como uma boca que ficou no passado costumava fazer.

Ritual (Nanoconto)

- Senta! Levanta! Senta! Levanta! Amém!
- Senta! Levanta! Senta! Levanta! Amém!
- Graças a Deus!
- Bora tomar café?
- Bora!

Maternidade (Nanoconto)

Abriram-se as rubras cortinas. Saí. Ela me tomou nos braços, me chamou de filho e me beijou. Depois me alimentou. Comi e bebi amor por anos.

Vazio (Nanoconto)

Por muitos anos cultivava naquele vaso. Já deu de tudo: mato, plantas, flores, frutos. Era esplendoroso. Colocava tudo o que sentia ali, junto com o que plantava. Vivia o amor de diversas formas, mas, aos poucos, elas se foram. Hoje nem terra mais há naquele vaso.

Ninguém (Nanoconto)

Qualquer espaço de tempo, por mínimo que seja, sem ver quem se ama, é muito. Mas no meu caso foi muito mais. Quando voltei, já não havia mais ninguém

Corpo (Nanoconto)

O lençol o delineava. Ao mesmo tempo que cobria, revelava, desenhava. Mais curvas que retas. Percorri-o, às vezes com mais ou menos velocidade, mas nunca com pressa. No final, ficou a certeza de que nunca vai acabar.

Desejo (Nanoconto)

Desejando-a, a tive não a tendo. Fomos sem nunca termos sido. Terminamos sem nunca termos começado. Ela nem ao menos desconfiou. Nunca!

O faroleiro (Nanoconto)

Era só o facho de luz o que se avistava e o que avisava, ao longe, enquanto girava na escuridão, a quem vinha e trazia as coisas novas, que ali estava, ilhado, um coração. Desde o dia em que ele se apagou, para nunca mais voltar a acender, só restou a escuridão das coisas velhas que já estavam ali guardadas, na alma, e que ficariam enterradas para sempre na memória de quem ficou.

Nota (Nanoconto)

Viveu pensando apenas em dinheiro, só nisso e em mais nada. Queria gastar o mínimo, guardar o máximo. Deixou todo o resto de lado. Hoje um carro passou lendo sua última nota.

Carnaval (Nanoconto)

Surdo, tamborim, repinique, uma bandeira, um vestido rodando, o pandeiro em minha mão e a cabeça também. Coração na boca enquanto a cortejo.

Enquanto arrumamos as malas para partir, para ir, vamos, também, escolhendo o que queremos levar, o que vai nos trazer lembranças do lar, e, ao mesmo tempo, vamos nos despedindo de tudo o que não vai dar para levar, o que só vai caber na memória. Nunca tem espaço suficiente para tudo nas malas.
Onde quer que a gente vá, tem que levar uma bagagem bem grande, dentro das malas e dentro da gente. Tem coisas que a gente não quer levar, mas não consegue deixar para trás. Também não dá para deixar nos lugares por onde passamos, como se tivesse esquecido por lá. Às vezes a vontade é essa, mas é impossível. Essas coisas vão nos acompanhar sempre. Para onde quer que a gente vá.
Na hora de retornar, vamos juntando as coisas novas, o que queremos trazer de lá, lembranças daquele lugar onde ficamos por algum tempo, ao mesmo tempo vamos nos lembrando de casa enquanto juntamos tudo o que veio e precisa voltar. Temos que apertar um pouco aqui, espremer um pouco alí, senão não cabem todas as coisas.
As malas e o nosso interior voltam mais cheios. Apesar disso, parecem mais leves. É como se o peso extra ficasse no outro prato da balança da vida da gente. O que já carregamos sempre, para onde quer que vamos, parece ficar mais leve na volta.

Caneta (Nanoconto)

Correndo pelas infindáveis retas, criando curvas onde não há, deixa a sua e a minha marca. É como se a tinta tivesse saído das minhas veias.

Na época da minha adolescência, quando iam chegando as eleições, as campanhas dos candidatos eram bem diferentes, eles distribuíam todo tipo de brinde: camisas, canetas, lixas de unha, bonés etc. Além disso, davam festinhas nos comitês de campanha com salgadinhos, refrigerante, música e muito bate-papo. O social, a interação, vinha em primeiro lugar.
Outro tipo de evento que a gente gostava muito eram os showmícios: shows de cantores famosos, contratados por um candidato, que fazia um discurso e depois chamava os artistas para o palco. O show começava e, entre uma música e outra, sempre vinha um agradecimento ao candidato que estava patrocinando, um reforço ao número dele e um pedido para voltar nele. Agora não pode mais, é crime.
A gente era adolescente e ainda não votava, mas aproveitava as festinhas e os shows. Dava para fazer novas amizades e conhecer umas meninas da nossa idade. Às vezes já rolava um beijo no comitê mesmo, outras só depois, no showmício. Era tão bom que a gente saía pelas ruas vestindo as camisas com os nomes e os números dos candidatos como se fossem abadás, carregava bandeiras e colava adesivos para todo lado. Verdadeiros cabos eleitorais, só que de graça, ou quase, nosso pagamento era em salgadinhos e refrigerantes. Muito barato para eles.
As camisas viraram pijamas e, depois, panos de limpeza. As canetas foram de grande utilidade para a gente no colégio, para os pais no trabalho e em casa, para deixar junto com o bloquinho de anotações do lado do telefone. Os bonés eram muito feios e, por isso, a gente não usava nem na campanha. As lixas de unha foram tantas que, até hoje, 30 anos depois, minha mãe ainda tem um monte delas presas com um elástico de dinheiro, e olha que ela usa, está sempre puxando mais uma quando a anterior acaba. As festinhas ainda existem, não participo mais, mas ouço falar que agora rola até churrasco. Os showmícios ficaram só nas lembranças. Já as amizades, muitas ainda duram até hoje.