[Tudo ok, Malone. O que você vê, Sussurro?]
[Tudo limpo.]
[Ei, capitão Jonas, fala com os russos, o chat tá dando bug aqui.]
[Porra, Malone. Agora que você fala! “Ey, chuvak, kak tam vid?”]
[Prekrasnyy den', druz'ya! Prekrasnyy den', druz'ya!]
[Que porra foi essa, gente?]
[O russo disse que tá tudo ok também: “Dia lindo, amigos!”]
[Bando de idiotas… já falei com os franceses. Quem ficou com os hermanos?]
[Calma aí, Janine! Tudo certo por lá?]
[“Tout est beau”, Malone, tudo lindo…]
[Janine, fala com os hermanos, por favor.]
[Claro, capitão, al tiro! “Hey, weón, que pasa hoy?”]
[“¡NO PASA NADA! JANINE! ¿CHUCHA QUÉ DÍA MARAVILLOSO, BACÁN, SÍ? ¿¡CACHAI, JANINE? ¡”]
[PORRA, CABRÓN! Vai se…] “Respira, Janine, só tem idiota mesmo.”
[Caralho, Janine! Que diabos deu nele? Estamos todos surdos agora nessa “dis…”]
[A porra da culpa é minha agora?]
[Ok, moças, vamos nos acalmar e começar a brincadeira. Isto não é um treinamento. Repetindo: isto não é um treinamento. Nossos amigos sabem bem o que fazer, vamos focar em nossa parte, ok?] O painel de controle do ‘capitão’ Jonas estava a todo vapor mostrando a posição em forma de calor de cada integrante da equipe. Nem todos estavam na chamada. A equipe era formada por muitos. Eles diziam “Legião é o meu nome, porque somos muitos”; e de fato eram. ERAM. O Dia Mundial da Paz foi marcado por um evento que alguns religiosos pelo mundo poderiam chamar de Apocalipse. Poderiam, caso sobrevivessem. Como um bom cavaleiro, irei revelar os acontecimentos, os tons de amarelo em que a Terra se converteu, o odor que saía de cada corpo e somava-se aos químicos liberados por explosões daquele tempo. Então, comecemos a história. As manchetes daquele ano diziam coisas como “China localiza hélio-3 no lado oculto da Lua”; “Startup quer criar mina de hélio-3 na Lua”; “Energia limpa, combustível quase infinito, porém está em nosso satélite, a Lua.” Era difícil compreender exatamente o que tudo aquilo significava, se era mais especulação ou de fato tinham como ir até a Lua e trazer toneladas de um possível combustível para uma Terra que estava sendo desfeita em parceria dupla: a mão humana e a natureza revolta. Em 27 de dezembro de 2024, às 13h de uma sexta-feira fria em Pequim, na China, partiram três naves espaciais do modelo Tanque. Desde a Rússia, partiram mais duas naves semelhantes; Estados Unidos e Índia enviaram duas naves coletoras cada. Sabendo que 13h seria diferente em cada país, as naves foram enviadas em momentos diferentes, segundo cada fuso horário. O que quase ninguém sabia é que o Centro de Controle de Missão de Pequim havia lançado um terceiro objeto no espaço. Ele iria em direção ao Palácio Celestial, com um atraso de 72h em relação a todos os lançamentos anteriores. O planeta estava no modo autodestruição, por assim dizer, desde a primeira Revolução Industrial. Quem sabe a ganância advém do ser humano e não há como escapar dela. A irresponsabilidade inerente à sede de poder. O conjunto perfeito para aqueles tempos. A contribuição da Natureza era destruir ora aos poucos, ora de forma acelerada. O resto que veio do céu, do mar e da terra quem fez foi o homem. O homem de capital. O homem de posses e mandos verdadeiros. Aquele capaz de mudar rotas de vidas e da própria História. Bom, misturar dois ingredientes que são gravemente corrosivos, não poderia dar em algo bom. Não é preciso escrever um livro apocalíptico para prever este tipo de caos. De futuro.
Quem sabe faltasse ainda um terceiro ingrediente; algo que acelerasse tudo, que já existisse e pudesse ser acessado. Foi o que a Legião fez. Primeiro, pensou; depois, somou soldados pelo mundo. E finalmente, acendeu o fósforo que faltava a toda gasolina espalhada durante séculos. O movimento nem daria chance de ser noticiado, virar primeira página nos principais jornais do mundo, muito menos do Brasil. Xeque-mate. Em terras brasileiras, a Legião tinha muitos representantes, muitos membros fiéis e empolgados com o plano original e final de suas próprias existências: “somos legião, porque somos muitos”
Cabe a você saber mais sobre a Legião; este grupo sem número definido e espalhado pelo globo. Imagine que após décadas vendo miséria e destruição em diversas formas e em todos os países do mundo, houvesse finalmente uma revolução. Imagine que a partir desta revolução, o mundo se reorganizaria e entraria novamente em um ciclo natural com sua própria paz e equilíbrio. Os animais voltariam à sua própria cadeia alimentar naturalmente estabelecida e a evolução de cada ser existente, desde uma simples molécula a um animal de toneladas, fosse espaçada em séculos e milênios de existência.
Imagine um mundo que é um ser completamente vivo e se organiza logicamente ao seu favor. Jamais contra si mesmo. Tudo é reaproveitado. Tudo se transforma e nada é em vão. Tudo isso seria novamente possível se um detalhe fosse garantido: a inexistência humana.
A Legião reunia pessoas de áreas distintas. O gari que recolhe o seu lixo poderia estar na Legião. Seu professor, sua babá; a vizinha cheia de plantas e gatinhos do andar de cima. Aquele tio que vive lendo livros impressos (ainda!); sua filha de 16 anos. Seu marido ou esposa. A sua mãe. O vereador que você apertou a mão ou o juiz que você vê nas notícias. Quem sabe, poderia ser ‘o amigo hacker’ que seu filho pede para consertar os celulares, além dos computadores da família. A diretora da faculdade, o prefeito da capital. A socialite que posa nas revistas e sai nas fofocas. O dono daquela TV On-line que você diz ser um ‘parcial assumido!’ Os médicos, cientistas, militares (aqui vai um trio de interrogações). Talvez… só talvez, você seja Legião. Bom, deu já para entender. Legião não tem livro vermelho nem preto. Não possui taxas nem ofertas. Mas há um lema, um manifesto, curto, sim, mas há — ou havia: O Meu Nome é Legião, Porque Somos Muitos. Mas o mais importante é que Legião não existe. A Folha de São Paulo, The New York Times, La Tercera, The Guardian, Le Monde, El Mundo, além — é claro— da Al Jazeera poderiam estampar “Legião: novo fenômeno kamikaze do séc. 21” ou “Com integrantes fantasmas, grupo rebelde explode a Terra” ‘Capitão Jonas’ não era apenas um codinome, assim como todos os outros. De fato, cara a cara, em raras exceções, alguns camaradas se conheciam na vida fora das telas e chamadas.