

omathreis @omathreis
Redenção
Ele abriu os olhos com dificuldade, sua cabeça latejava; tudo parecia ser mais uma enorme ressaca. Depois de algumas tentativas e algumas ânsias de vômito, ele conseguiu se sentar naquela cama que nada se assemelhava com a dele. O desespero se instaurou rapidamente em sua mente.
— Que lugar é esse?
Ele olhou ao redor, procurando algum indício que pudesse fazê-lo entender onde estava, mas não obteve sucesso. O quarto era escuro, não tinha janela, e a única fonte de luz era a lâmpada que balançava acima de sua cabeça, lançando sombras trêmulas por todo o cômodo, presa por um cabo solto que caía do teto, onde deveria estar fixada. As paredes estavam manchadas, e um líquido negro e viscoso vazava do teto e escorria pela parede à sua direita. O cheiro que impregnava o ar era quase insuportável, uma mistura de mofo, ferrugem e mais alguma coisa que ele não conseguia distinguir e preferiu não pensar muito sobre o que poderia ser. A única saída parecia ser uma grande porta metálica que se erguia à sua frente, mas não tinha nenhuma maçaneta na parte de dentro, ou algo que o fizesse acreditar que seria fácil abri-la.
Ele tentou se lembrar de como poderia ter ido parar ali, mas sua mente estava completamente bagunçada; todas as suas memórias não passavam de grandes borrões. Até seu próprio nome lhe escapava.
Um caderno de capa preta que estava no chão, ao lado da cama, chamou sua atenção. Ele o alcançou e começou a folhear, passou por algumas folhas em branco
até encontrar palavras trêmulas escritas em letras garrafais.
“VOCÊ PRECISA SE LEMBRAR”
“VOCÊ PRECISA ACEITAR”
“VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHO!”
Seu estômago revirou. Sentiu um arrepio gelado na nuca, como se alguém estivesse respirando muito perto de seu pescoço. Mas, ao girar o corpo, encontrou apenas o vazio. Ele se revirou mais algumas vezes, procurando por algo que nem sabia o que era — ou se queria encontrar.
Então, ele congelou. Seu coração martelava no peito. Ele se virou na direção da porta. O som de algo arranhando o concreto irrompeu e quebrou o silêncio da sala, que, a essa altura, já tinha permitido com que ele conseguisse escutar a estática da energia que alimentava a lâmpada.
Por alguns segundos, o silêncio se fez presente de novo, mas o som do concreto sendo rasgado do lado de fora da porta se repetiu. Lento. Deliberado.
E uma voz.
Uma voz baixa e rouca, sussurrando palavras soltas, sem sentido.
“SOZINHO”
“FALSAS PROMESSAS”
“SONHOS DESPEDAÇADOS”
“SOZINHO, SOZINHO, SOZINHO, SOZINHO”
Ele recuou, sentiu o ar faltar quando pisou em algo gelado e viscoso. Olhou para a parede onde o líquido negro escorria, e agora ela estava quase toda encharcada; aquilo tinha alcançado seus pés. Ele se abaixou e encostou o dedo no líquido a fim de investigar o que era e, no mesmo instante, se arrependeu. Era aquilo que estava impregnando o ar com cheiro de ferrugem: sangue.
A lâmpada piscou violentamente. Ele percebeu que sua sombra já não o acompanhava. Ele estava agachado, mas sua sombra continuava em pé. Ele se ajoelhou, o desespero tomou conta de todo o seu ser.
Ele gritou. Gritou o mais forte e alto que conseguia. Sua cabeça girava, sua mente parecia querer lhe pregar algum tipo de peça — ou até mesmo abandoná-lo. Sua consciência foi tomada por uma série de visões, visões de outras pessoas presas nesse mesmo quarto, partilhando de um mesmo desespero, se afogando nessa mesma existência miserável.
Demorou um pouco, mas ele finalmente percebeu: não eram outras pessoas, eram versões dele mesmo. Preso sozinho nesse quarto escuro, batendo a cabeça contra a parede enquanto tentava escrever palavras com sangue em mais uma folha em branco, em mais uma tentativa falha de entender toda aquela merda que fazia ele ser ele.
Ele voltou a si quando aquele barulho de coisa rasgando irrompeu pela sala mais uma vez, mas agora não era concreto que rasgava — era metal.
(acesse o epub para ler o texto completo!)