

nanderfer @nanderfer
Falando em São João, foi justamente numa festa junina que veio a inspiração para esse conto. Eu e a Isabel estávamos passeando em uma quermesse, entre carrocinhas de cachorro-quente, barraquinhas de quentão e crianças com visual de Chico Bento.
Isabel, ao meu lado, tagarelava sobre a dialética maniqueísta dos episódios do Chaves. Eu, bocejando, apenas queria ir para casa redigir o final do meu próximo fracasso literário.
Lá pelas tantas, em meio a algazarra e brincadeirinhas, acenderam a fogueira de São João.
Sem nenhum motivo aparente, fiquei ali parado, hipnotizado, contemplando as enormes labaredas. Elas pareciam braços de fogo tentando alcançar as nuvens.
Simplesmente permaneci imóvel, mesmerizado, olhando distraído a fogueira. Isabel ainda estava ao meu lado falando. Eu, em transe, sei que ela movia os lábios, enquanto os meus ouvidos ignoravam qualquer palavra.
Foi aí que algo surreal aconteceu: a fogueira me mostrou cinco minutos do futuro.
Hipnotizado pelo fogo, eu visualizei em minha mente a Isabel irritada. Ela dizia a frase: “Você vai transformar isso em um conto. Eu sei que vai.”
De repente, Isabel sacudiu o meu ombro, me arrancando do transe. Ela falou bem alto:
- Para de ficar aí, olhando o fogo. Até parece mongolão.
No mesmo instante, passou por nós um gurizinho com Síndrome de Down acompanhado pela mãe. A mulher apontou olhos inquisidores para nós.
Envergonhada, Isabel proferiu um constrangido “ah não” no exato momento em que um anão passava pela gente.
Com o rosto já quase da cor das maçãs do amor na barraquinha de doces, Isabel falou um irritado “que merda” bem no instante em que um pombo defecava sobre a cabeça dela.
Convencida de que o universo estava de zoação, Isabel falou “quero um milhão de reais”.
O máximo que ela conseguiu foi uma guriazinha vomitando milhos de canjica em seus All Stars.
De mau humor, Isa olhou para mim e pronunciou a frase que eu previ cinco minutos atrás:
- Você vai transformar isso em um conto. Eu sei que vai.
Dito e feito. Escrevi um conto sobre misticismo, fogueiras e dons premonitórios. Eu não tenho a capacidade de prever o futuro, mas vejo que, como de praxe, esse também vai ser um retumbante fracasso, mesmo custando menos que um copo de quentão.
Para quem quiser contrariar as probabilidades, deixo o link para a compra:
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nanderfer @nanderfer
É verdade, nem sempre fui esse escritor avacalhado. Tentei trabalhar em diferentes segmentos profissionais.
Já atuei como fabricante de bandeirinhas de festa junina, adestrador de guaxinins e instrutor de manuseio de raquetes para matar mosquito. Certa feita, também trabalhei como um indivíduo que só servia para ser xingado em um escritório de contabilidade.
Na ocasião, a minha chefe, vendo que até a samambaia da sala tinha mais serventia que eu, me mandou preparar uma palestra sobre empadinhas.
- Fale tudo sobre o tema. - Ela ordenou.
Eu achei o tema deveras estranho. Contudo, como minha função era obedecer, fiz o que me foi solicitado.
Preparei uma série de slides sobre empadinhas. Falei sobre empadinha de frango, de guisado, vegana, empadinha para diabéticos e até empadinha para quem era de libra com ascendente em gêmeos.
No dia da apresentação, estava eu lá, na sala de reuniões, sendo fulminado por vários pares de olhos inquisidores, todos ansiosos para ver o que eu tinha para falar sobre empadinhas.
Logo no primeiro slide, quando abordei a origem das empadas na península Ibérica, minha chefe gritou:
- Que porcaria é essa?
- Fiz o que a senhora mandou. Elaborei uma palestra sobre empadinhas. - Eu expliquei falando baixinho e cagado de medo.
- Empadinha é o caralho, eu falei empatia. Em-pa-ti-a. - Ela pronunciou. Cada sílaba soava como uma chibatada nos meus ouvidos.
Após tão desastroso evento, fui defenestrado da empresa e me tornei escritor. Um escritor lascado, óbvio.
Causos como esse registrei aqui, nesse livrinho, o Relatos Desastrosos, uma coletânea de três histórias que resumem o cotidiano de um desafortunado autor.
O livro, mais barato que uma empadinha, não vai mudar a sua vida, mas vai ajudar a tirar o meu nome do Serasa.