O assassino do bosque solidão ~ Escrito por Tettrark

Nas profundezas de Mordona existe um bosque abandonado, marcado por uma lenda cruel e sombria. Um anjo, talvez caído, como dizem os mais velhos é atraído em meio às árvores por uma melodia antiga. Ele roubará seu coração, se assim você permitir…

…Thalya é só uma jovem curiosa como as outras, sempre questionou a tal lenda ridícula para manter crianças longe da mata. Então por que não brincar com as histórias e provar que daria tudo para ter seu coração roubado? Apenas… não como ela esperava.


~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Prólogo


Próximo à praia de Lugar Nenhum, ao redor da pequena cidade de Mordona, havia uma rua que curiosamente não tinha nome; por ser a mais antiga da cidade, ninguém sabia ao certo o que — e se — havia algo nela ou qualquer um lá. Tudo o que as pessoas sabiam sobre aquele lugar era o contado pelos habitantes mais velhos: naquela rua tinha um bosque chamado Solidão e ele não fazia parte de um conto de fadas.

Um mistério se formou pela ausência de detalhes sobre aquela rua vazia, porém, os moradores da cidade pareciam não ligar tanto para isso; mas tudo mudou da noite para o dia. Em um dia qualquer, surgiu misteriosamente uma velha placa de madeira em frente à entrada do bosque; nela, tinha um pedaço rasgado de papel com o que parecia o trecho de um poema escrito à mão. Seu começo estava ilegível pelas marcas do tempo mas o final dizia:“...dentro dele mora um anjo que roubou meu coração. Se eu roubei teu coração é porque te quero bem, se eu roubei teu coração é porque tu roubaste o meu também”.

E, mesmo com o ar de mistério que surgiu em Mordona naquele dia, todos da cidade se fascinaram pelo poema e, a partir dele, fizeram uma música de ninar para as crianças. Ninguém na cidade sabia dizer quem o havia escrito ou colocado a placa lá, e todos que eram questionados como possíveis suspeitos negavam a autoria; assim, começaram as lendas e rumores sobre a rua e o bosque Solidão. Alguns diziam que, se cantasse a primeira parte da música na entrada do bosque, segurando uma pequena quantidade de manteiga na mão — isso afasta maus espíritos, as senhoras contavam, eles não gostam da oleosidade — uma voz angelical completaria; e se você estivesse sozinho, a voz proclamaria ser o tal “anjo”, te convidando a entrar no bosque para com ele morar.

Mas, apesar da melodia romântica da canção, os adultos começaram a estranhar a atmosfera que rondava o lugar. Eles passaram a proibir seus filhos de irem lá brincar.

Isso não foi suficiente, em uma quarta-feira qualquer, o desaparecimento de uma jovem foi denunciado por toda cidade. As testemunhas diziam apenas algo: ela entrou no bosque.


~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Capítulo 1: Se essa rua fosse minha…no passado…


Thalya era uma das jovens mais populares daquele pequeno vilarejo, sempre foi vista como uma menina muito alegre e extrovertida que passava seus dias rindo e andando de skate com seus dois melhores amigos, Emilly e Dylan. Em um dia próximo ao fim da tarde, os três caminhavam pela praia de Lugar Nenhum conversando sobre o futuro, contando piadas e rindo como sempre faziam, sem nunca largar de seus skates. No meio do caminho eles viram Bob, o velho fotógrafo da cidade; ele estava fotografando as paisagens do céu da praia com a sua câmera antiga, e lá foi o trio para falar com ele.

— Olá Bob. — Eles o cumprimentaram..

— Hey, moçada! Olhem só o que a maré me trouxe hoje! — Exclamou o velho, de forma estridente.

— O que Bob? — Perguntou Emilly.

— Vocês! — Respondeu, apontando sua câmera de repente para os jovens e tirando uma foto deles. Dylan conseguiu virar o rosto e Emilly cobrir os olhos; porém Thalya foi pega de surpresa, e a luz da câmera preencheu sua visão instantaneamente.

— MAS QUE DIABOS É ISSO?! — Gritou Emilly assustada.

— Hahaha! Essa nunca perde a graça! — Bob gargalhou o com a mão em sua grande barriga.

— Essa coisa quase me cegou! — Reclamou Thalya, esfregando os olhos marejados.

— Mas vocês tem que admitir que foi realmente muito engraçado! — Retrucou Bob para elas, ainda dando pequenas risadas.

— Não, não foi. Fala para ele, Dylan! — Pediu Emilly, num tom de imposição.

— Ela tem razão Bob, isso não foi engraçado — Apontou Dylan, olhando sério para o fotógrafo. — Isso foi hilário! — Gritou Dylan começando a gargalhar junto ao Bob.

— Me desculpem meninas, o velho Bob não queria assustar vocês, mas olhem como a foto ficou engraçada. — Argumentou ele virando a tela da câmera para as meninas.

— Verdade Bob, a foto tá mesmo engraçada. — Concordaram elas, e riram enquanto olhavam a foto. Depois de cansarem da piada eles conversaram mais um pouco.

— Agora me diga, Bob meu velho. Por que estava tirando fotos do céu aqui sozinho? — Questionou o garoto.

—Ah! Eu só estava pegando umas paisagens da cidade para tentar fazer um mural de viagem, sabe? Vai que isso atrai turistas ou até futuros moradores, sabe? — Explicou o fotógrafo.

— Que legal Bob, seria realmente incrível conhecer gente nova que venha de fora de Mordona. O que tu achas disto amiga? — Perguntou Emilly para Thalya.

— Você sabe bem que eu adoro conhecer gente nova. — Afirmou ela.

— É realmente uma ótima ideia Bob, pode contar com a gente pro que precisar sobre isso. — Dylan ofereceu, entusiasmado com a ideia.

— Bom garoto, realmente ajudaria muito se me deixassem tirar fotos do seu casamento com a menina Emilly. — Brincou o velho, sorrindo ao tirar uma foto da reação inesperada do menino e do rosto de Emilly, que ficou vermelho igual a um tomate

— Agora sim foi muito engraçada a cara de vocês! — Riu Thalya, apontando para os dois amigos.

— Enfim, chega de fotos e risadas, temos que continuar nosso caminho. Combinamos de andar de skate perto da rua sem nome para fazer umas manobras, aproveitando que quase ninguém passa por lá. — Disse Dylan para as meninas.

— Ok, vamos Thalya. — Emilly chamou, voltando a caminhar com Dylan.

— Vamos sim, só um minuto. Eh… Bob, você poderia me emprestar sua câmera? Eu pensei que eu e o pessoal pudéssemos tirar umas fotos andando de skate. À noite eu te devolvo, levo pra você na sua cabana. — Pediu Thalya ao velho com uma voz meiga.

— É claro que eu empresto, pequena, se prometerem cuidar bem dela e tirar fotos bacanas. — Concordou o velho, o que deixou a menina alegre. Bob então entregou a câmera nas mãos de Thalya, ela subiu em seu skate e foi para junto dos amigos.

— Vamos, gente!. Emilly, a última a chegar vai beijar o pé fedido do Dylan! — Disse ela para os amigos.

Eles então continuaram andando em seus skates e tirando fotos com a máquina do velho Bob, até chegarem à rua sem nome. Ali, os três ficaram fazendo suas manobras e tirando as fotos, até que, em um momento, o skate de Thalya se quebrou e ela caiu no chão, ralando seu joelho.

— Thalya! Amiga, você tá bem? — Gritou Emilly eufórica.

— Sim, eu tô legal, só meu joelho que acabei ralando. — Respondeu ela.

— Vem, me dá a mão. — Disse Dylan ajudando Thalya a se levantar.

Assim que ela se levantou todos perceberam então que estavam na entrada do bosque Solidão, perto da velha placa de madeira; leram o poema e se entreolharam.

— Querem tentar fazer igual a lenda diz e cantar pro anjo? — Perguntou Dylan para elas.

— Quem de nós duas terá que fazer? — Questionou Emilly.

— Bom, a Thalya foi a perna de manteiga que caiu no chão, então nada mais justo ser ela. — Ponderou o garoto.

— Thalya, tu sabes que não precisa realmente fazer isto se não quiseres. — Emilly aconselhou a amiga.

— Tudo bem, Emy, eu faço de boa. — Retrucou Thalya, piscando o olho e mostrando a língua pro rapaz.

Ela então, ainda mancando um pouco por causa do joelho ralado, caminhou até a beira da entrada do bosque e começou a cantar a melodia da cidade.

”Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar. Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes, para o meu, para o meu amor passar.” Thalya então parou, olhando pros amigos, que a observavam.

— Vai! Continua cantando, falta pouquinho pra acabar a sua parte. — Dylan encorajou a amiga.

Thalya olhou novamente para dentro do bosque e continuou, cantando a última parte .

”Nessa rua, nessa rua tem um bosque, que se chama, que se chama solidão. Dentro dele, dentro dele mora um anjo, que roubou, que roubou meu coração.”

— E agora? O que a gente faz? — Perguntou Emilly confusa.

— Bom, já escureceu. E a lenda diz que o anjo só responde se a pessoa que cantou estiver sozinha, então nós vamos embora e a Thalya fica aí esperando ele responder. — Dylan deu de ombros, mas seu tom era fácil de notar que era uma piada.

— Tudo bem, vocês podem ir se quiserem, eu espero aqui sozinha e vejo se ele responde. — Thalya riu.

— Tem certeza amiga? Não me parece seguro fazer isso. — Emilly hesitou.

— Emy, tá tudo bem, isso é só uma lenda e vou provar isso. E, de qualquer forma, ainda tenho que levar a câmera de volta para o velho Bob, eu encontro vocês depois e digo o que o anjo me contou. Ok? — Garantiu ela, novamente piscando o olho e mostrando a língua pra eles.

Os dois então foram embora, e ali ficou Thalya, completamente sozinha, em frente à “solidão”; respirou fundo, fechou os olhos e com um pouco de receio, cantou novamente a canção e esperou no escuro de seus olhos cerrados. Mas, a princípio, nada aconteceu, o que a fez abrir os olhos um pouco frustrada, porém aliviada.

— Viu só? Apenas uma lenda. — Declarou ela, virando as costas para “solidão”, imaginando que nada aconteceria mesmo. Ao menos era o que a pobre Thalya pensava enquanto voltava lentamente a caminhar.

“Se eu roubei, se eu roubei teu coração, é porque, é porque te quero bem. Se eu roubei, se eu roubei teu coração, é porque tu roubaste o meu também” Cantou uma voz masculina angelical vinda do bosque. Thalya sentiu o corpo se arrepiar inteiro ao ouvir, e se virou de volta para as árvores, com medo, mas curiosa, e começou a conversar com a “voz”.

— Olá, quem é você? — Perguntou ela para “solidão”.

— Olá, Thalya, eu sou o anjo da canção; a sua voz é muito bonita quando você canta. Eu acho que você roubou meu coração, com todo o respeito milady. — Respondeu a voz angelical, em um tom doce, lento e aparentemente apaixonado.

— Obrigada, sua voz também é linda, com todo o respeito milord. — Ela elogiou de volta. Era perfeitamente notável, apesar do medo, que a menina estava completamente hipnotizada com aquilo tudo e acabou se deixando levar cada vez mais, parando de pensar nos riscos.

— Você sabe como a nossa história termina, né? — Indagou o anjo para sua dama.

— Como? — A pergunta saiu em um tom inocente, pois ela estava fingindo não ter a menor ideia do que viria.

— Termina com você, milady, vindo morar comigo aqui no bosque. Você aceita? — Pediu ele com a voz mais sedutora e suave que Thalya já tinha escutado.

— Então, eu acho que vou aceitar seu chamado, milord. — E assim, Thalya entrou naquele bosque, deixando no chão seu skate quebrado e também a câmera do velho Bob.

Naquela noite de lua cheia, os moradores de Mordona, pela primeira vez na história da cidade, puderam ouvir alguns sons que pareciam ser gritos desesperados de mulher vindos de dentro do bosque durante a madrugada. Seus amigos e a família foram os primeiros a notar a ausência da menina, e logo movimentaram toda a cidade para fazer buscas por ela. Mas a jovem Thalya infelizmente nunca mais foi encontrada com vida, apenas seu skate quebrado na entrada do bosque, onde foi vista pela última vez. Todos na cidade sentiram a falta da pequena Thalya; uma menina com um longo futuro pela frente, que acabou desaparecendo misteriosamente sem deixar rastros. Que fim trágico.

Dias passaram do ocorrido, e um morador encontrou a câmera do velho Bob manchada com sangue do outro lado do bosque Solidão; na câmera, tinha apenas algumas fotos das paisagens da cidade e do céu da praia de Lugar Nenhum. Entretanto, no meio daquelas fotos sem sal, foi visto um rosto inconfundível para os habitantes de Mordona: o de Thalya, a exata foto que foi tirada dela na praia. Para todos, aquilo era algo tão óbvio que ligaram os pontos: o fotógrafo era o dono da câmera, logo, o principal suspeito e o provável culpado daquela tragédia.

A cidade inteira se revoltou e se reuniu na cabana de Bob e, embora ele tentasse convencê-los de que era inocente, não o ouviram; enfurecidos, os moradores o agrediram até cansarem, e então chamaram a polícia de Mordona para levá-lo à prisão local. Ele foi sentenciado à prisão perpétua.

Dias após a prisão de Bob, o corpo de Thalya foi encontrado na entrada do bosque onde ela havia desaparecido; era uma cena lastimável, pois o corpo dela estava degolado, e o coração foi removido de seu peito, e também foi feito um tipo de embalsamado com o que parecia ser manteiga. No buraco onde deveria estar , havia um papel bem velho, parecido com o do poema da placa de madeira; nele também tinha um texto escrito à mão e, mesmo a folha estando manchada com sangue, ainda era possível ler nitidamente o que estava escrito.

Isso é bem irônico, mas vou lhes contar uma história: Thalya era a melhor amiga de Emilly, a mesma que era secretamente apaixonada por Dylan, e Bob acabou sendo preso por isso. E o engraçado mesmo é que a Thalya cantava que havia roubado o meu coração; e pra retribuir isso, eu acabei roubando o coração dela também. Isso é bom, pois vou poder alimentar a lua de sangue com o sangue do coração dela.

Ass:T. halya, E. milly, D. ylan & B. ob.”

Aquilo tudo era uma atrocidade sem fim, um pesadelo infinito. Os moradores fizeram um funeral digno para a moça, cheio de choro e lamentos — que ela descanse em paz.

Os amigos de Thalya se sentiram culpados por causa daquela fatalidade brutal, por causa do desafio de cantar no bosque e por tê-la deixado sozinha lá. Sua amiga estava morta. Dylan acabou entrando em uma depressão profunda e, apesar dos indícios, não acreditava que Bob fosse o real culpado. Fugiu de casa jurando descobrir quem realmente havia ceifado a vida de Thalya.

E a pobre Emilly, depois de tudo isso, acabou indo embora de Mordona junto da família. Subiu no ônibus, sentou-se à janela e observava a paisagem da cidade enquanto ouvia as músicas favoritas de Thalya em seus fones. Em meio às melodias, uma letra poética e familiar começou a tocar, penetrando seus ouvidos e fazendo as lágrimas descerem — era a música do bosque, Solidão. Mesmo indo embora do vilarejo, Emilly jurou para si mesma que um dia voltaria àquela cidade e vingaria a morte de sua melhor amiga.


Continua, mas agora… no presente…


Comentários
Avatar de MARCELO THALES MELO MOCO DA SILVA
MARCELO THALES MELO MOCO DA SILVA
1 week ago
Obrigado pela oportunidade de ser citado, espero que o texto seja do agrado dos leitores. Quem sabe em breve temos continuação. S2