Era o momento mais esperado por todos os adolescentes de Isla del Canareos.
Não, não é o baile de formatura que você imagina. É o que acontece depois dele. Os hotéis da ilha estavam lotados naquela noite, especialmente o The Orion Star, um dos mais prestigiados do Caribe, onde celebridades de Hollywood, e a realeza europeia, buscavam refúgio longe das lentes indiscretas que já haviam transformado Ibiza em um paraíso não tão particular.
O The Orion Star não era apenas o hotel mais exclusivo de Isla del Canareos; era o legado da família del Rion Orion, que mantinha as tradições americanas vivas numa ilha que, apesar do nome hispânico, havia abraçado o inglês como língua oficial — como se o espanhol nunca tivesse feito parte de sua história.
A festa de formatura era cobiçada entre os jovens, não exatamente pelos motivos óbvios. Formar-se na Academia Canareos, com seu currículo de elite e professores recrutados das melhores universidades do mundo, era uma honra magnífica. O DJ — importado diretamente de Tóquio com seus controles de música neurais — sabia como animar a festa, mas o que verdadeiramente importava era o depois: a tradição não oficial onde todos os formandos ocupavam as suítes do Orion Star para uma noite que muitos considerariam libertina demais, mesmo para os padrões do continente.
Para alguns, como Heitor Maraz, não havia problema em se entregar a uma noite desregrada em um quarto repleto de adolescentes animados com uma orgia. Já para outros, como Daniella del Rion Orion – a princesinha do The Orion Star – aquele momento havia sido planejado por toda uma vida.
Daniella, ou simplesmente Dani para os íntimos, era uma romântica à moda antiga – ou tão antiga quanto essa história permite. Seu desejo era compartilhar sua primeira vez com seu melhor amigo de infância, Neo, o garoto discreto do grupo dos excluídos, que conversava com plantas e sonhava em ser botânico.
Neo era um rapaz genuíno, embora extremamente distraído. Apaixonado por Daniella desde criança quando ela defendeu seu projeto escolar sobre comunicação com plantas após toda a classe ter rido dele. Nunca tinha encontrado coragem para confessar seus sentimentos, temendo desequilibrar o delicado ecossistema da amizade deles.
Quando não estava com Daniella, mergulhava em seu laboratório botânico virtual, onde criava híbridos de espécies impossíveis através de um programa de simulação genética avançado. Ali, Neo conseguia o que muitos cientistas sonhavam: acelerar décadas de evolução em minutos, desenvolvendo plantas com propriedades regenerativas que poderiam um dia revolucionar a medicina. Sua maior criação, uma tulipa de tons roxos que batizara secretamente de “Dani”, possuía um complexo sistema de defesa que lembrava a determinação da garota que inspirara seu nome.
Influenciado por seu único amigo homem, Tyler Abracier, decidiu seguir um plano que considerava infalível: encenar um romance com Lauren, irmã de Tyler. A ideia era despertar ciúmes em Daniella e finalmente escapar da zona da amizade onde estava preso há anos.
Como em toda história de amor, o tiro saiu pela culatra. Daniella encontrou Neo no corredor do hotel de sua família logo após a festa, naquela noite em que todos os jovens iam fazer… bem, exatamente o que você está pensando.
Com a chave de sua suíte em mãos — onde havia espalhado pétalas de rosas pelo chão, preparado uma garrafa de champanhe com morangos e chocolate, e pendurado cuidadosamente no banheiro uma lingerie composta por um corpete de peça única roxa, comprada especialmente para aquela noite, do tipo que sua avó certamente não aprovaria – Daniella estava pronta para revelar seus sentimentos.
Ao avistar Daniella no corredor, o coração de Neo disparou. Um misto de surpresa e apreensão tomou conta dele. Claro que ela estaria ali, afinal, todos os formandos vieram para o hotel, mas com quem? Quem seria o escolhido por Daniella para esta noite especial? Ela nunca comentava sobre seus interesses amorosos com ele, apesar de toda a amizade que compartilhavam.
“Provavelmente um daqueles lutadores de artes marciais que ela tanto admira”, pensou amargamente.
A jovem era fascinada pela disciplina e força desde criança. Suas prateleiras exibiam orgulhosamente medalhas de campeonatos, e Neo frequentemente servia de espectador nas competições, admirando-a secretamente enquanto ela derrubava oponentes com o dobro de seu tamanho.
Imaginou Daniella nos braços de algum atleta musculoso e sentiu uma pontada de dor no peito. Como poderia competir com aqueles atletas que compartilhavam sua paixão por algo que ele mal compreendia?
Cada vez mais desanimado, Neo convenceu-se da sensatez do plano de Tyler. Se Daniella estava ali para se entregar a outro, talvez fosse mesmo hora de seguir em frente.
Resignado, Neo tocou na superfície de seu relógio quantum, que projetou um holograma azulado no ar. Seus dedos dançaram sobre os símbolos luminosos, enviando a mensagem para Tyler:
“Tudo certo, estou quase na porta. Daniella está aqui.”
Um pequeno sinal sonoro confirmou que a mensagem havia sido entregue, e o holograma desapareceu como névoa.
Daniella aproximou-se, seus dedos roçando levemente o braço de Neo antes de apoiar a mão em seu peito. O coração dele acelerou sob seu toque, um segredo que ela podia sentir, mas ainda não sabia interpretar. Ela deixou-se envolver por seus braços em sua cintura e depositou um beijo suave em sua bochecha, respirando fundo para capturar aquele aroma familiar que tanto a acalmava.
— Tenho uma surpresa para você — disse ela.
— O que você está fazendo aqui? — indagou um pouco mais ríspido do que gostaria. — Quem é o cara?
— Como assim? — A risada dela morreu aos poucos ao perceber que não era uma brincadeira e que ele aparentava levemente incomodado com a sua presença. — O cara é você! Com quem mais eu quereria compartilhar minha primeira vez? Eu gosto de você, Neo. A suíte é nossa esta noite.
Neo congelou. As palavras que sempre sonhou ouvir pareciam fluir em câmera lenta, como se seu cérebro se recusasse a processar aquela informação. Um formigamento subiu por sua espinha. Era irreal demais para ser verdade. Parecia um sonho. Tinha que ser um sonho. Daniella gostava dele? Queria compartilhar algo tão íntimo, com ele?
Antes que pudesse organizar seus pensamentos, o clique de uma maçaneta despedaçou o momento, e uma porta se abriu à sua direita, derrubando seu mundo.
Lauren surgiu no portal, usando uma lingerie preta coberta por uma fina camisola também preta e transparente que deixava pouco para a imaginação.
— Ah, você está aí, Neo!
O olhar de Daniella vagou até a porta ao lado. Lauren era deslumbrante — esbelta, sua pele negra brilhava, lábios carnudos, vestindo uma peça muito mais ousada que a lingerie roxa que aguardava, intocada, em sua suíte.
Seus pensamentos a dilaceravam. A lingerie roxa — escolhida após sete lojas diferentes, três consultas anônimas online e incontáveis crises de insegurança — agora parecia ridiculamente infantil comparada à sofisticação de Lauren. Aquela peça representava seu coração: delicada, romântica, esperançosa. Mas aparentemente, Neo preferia algo mais audacioso.
Por semanas, ela ensaiara cada palavra, cada gesto, imaginando o momento perfeito para revelar um segredo guardado por tanto tempo: que cada risada compartilhada, cada conversa até o amanhecer, cada consolo em momentos difíceis havia apenas aprofundado o que sempre esteve ali — um amor que crescera junto com eles, como uma árvore de raízes entrelaçadas. Um amor que agora parecia murchar diante de seus olhos.
Aparentemente, havia interpretado tudo errado.
Neo permanecia paralisado pela confissão de Daniella, só despertando quando a sentiu se afastar bruscamente, os olhos marejados.
O plano parecia simples, mas Neo sentia o peso da mentira. Fingir um relacionamento para manipular os sentimentos de Daniella ia contra tudo o que ele acreditava sobre honestidade. Mas quando Tyler argumentou que às vezes era preciso “hackear o sistema” para alcançar a felicidade, Neo se deixou convencer. Agora, vendo a confusão nos olhos dela, percebia o quanto havia sido tolo.
“Por que ela choraria?” Neo, perguntou-se.
Seu olhar encontrou Lauren.
— Amor, vamos? Quero reviver o que você me ensinou ontem à noite.
“Ontem à noite?”, ambos pensaram.
— Não! — Neo protestou quando percebeu o que a menina vestia, voltando-se para Daniella alarmado, tentou explicar. — Dani, não é isso que você está pensando. Ela é a irmã do Tyler.
Cada peça se encaixava na mente de Daniella. Sua cabeça oscilava em um movimento contraditório — assentindo e negando simultaneamente. A incredulidade a consumia. Forçou um sorriso sem graça, sem saber como poderia escapar daquela situação constrangedora.
Neo nunca mencionara uma namorada. Ela acreditou que, assim como ela, ele nutria sentimentos além da amizade. Estava completamente enganada. Precisava sair dali o quanto antes. Já havia interferido demais na noite dele; não pioraria as coisas chorando em sua presença.
— Eu… eu… — Cada passo para trás era cauteloso, como se pisasse em cacos de vidro. — Desculpa, eu… — ela balbuciou confusa enquanto Neo estendeu a mão, implorando silenciosamente por uma chance de ser ouvido.
— Dani, é um mal-entendido. Por favor, me deixa explicar?
— Não! — Foi sua resposta final antes de virar-se e correr, deixando aquele corredor maldito para trás, junto com os sonhos que havia alimentado por tanto tempo.
As pétalas de rosa continuariam espalhadas pelo chão de uma suíte vazia, o champanhe esquentaria sem ser bebido, e aquela lingerie roxa permaneceria pendurada no gancho do banheiro, esperando para ser usada. Algumas primeiras vezes simplesmente não acontecem como planejamos.
Para alguns, esse seria o fim da história romântica de dois melhores amigos adolescentes que tinham tudo para dar certo. Para esta história, no entanto, esse é apenas o começo de algo muito maior do que ambos poderiam imaginar.