— Você me salvou, Ricardo, não sei como agradecer — disse José Paladino — eu realmente não sei como lhe agradecer, senão lhe dizer muito obrigado, pois, ai de mim! Estou mais desorientado ainda! Há pouco julgava-me um sortudo, um ganhador da loteria, sim! Nunca me havia acontecido ganhar nada, receber algo sem precisar dá outra coisa em troca e, agora... agora não me resta mais nada, apenas uma ilusão... nem mesmo ser se isso é uma ilusão, já que esta é confortadora e neste exato momento me sinto deslocado, mal acomodado, de modo que não sei o que irei fazer agora... meus pais depositam muita esperança em mim! José Paladino estava com os olhos transbordando lágrimas e gesticulando muito enquanto se lamentava, enquanto seu amigo o olhava com bastante atenção, como um aluno que se emociona ao ver ser professor explicando humanamente possível a matéria. Até que, enfim, Ricardo o aconselhou. — Amigo, poupe suas lágrimas, deixe disso, as pessoas vão notar sua fraqueza! — Não precisa se condenar, você apenas usou da emoção o que cabia a razão para se expressar. Não chore mais, está em terras de oportunidades! Aqui você encontrará emprego, pessoas caridosas e apreciará as melhores paisagens do nosso Brasil! Seja bemvindo a São Paulo! Sim, você mais uma vez se engana, aqui encontrará de tudo que até ligeiramente irá evaporar esse seu mal-entendido. Não é porque ainda não estamos desfrutando dos deleites futuros que você precisa se agarrar insistentemente ao passado. Deixe disso, agora, isso é passado, “pretérito” (como a professora Joana falava), esqueça isso, irei te apresentar a alguns amigos, iremos te alocar rapidamente a qualquer oportunidade que surgir... Mais homem! Que roupas são essas que está vestido? Muito fora do eixo. — Ricardo deu uma leve risadinha. Realmente José, pela sua jovialidade, entrava em contraste com sua compleição com seu modo de vestir naquele momento. José Paladino tinha estatura média, era muito magro, uma magreza que dizia respeito a pelo menos que se alimenta o necessário. Tinha uma pele muito branca, uma palidez que beirava a excentricidade. Um grande cabelo encaracolado, que às vezes por conta de suas mechas desorganizadas ofuscavam sua visão (esta que era produzida por dois olhos muito negros), já muito pensara em cortá-las, mas segundo ele “o que é natural, é natural, não se mexe”. As suas roupas não estavam completamente “fora de eixo”, aliás, usava uma grande camisa branca, social, bonita e até muito formal. Mas convenhamos concordar que jovens trajados elegantemente com vestimentas formais chamam muito atenção da excentricidade.
Já o seu amigo era completamente o oposto a José Paladino. Ricardo Assunção era muito negro, um tom de pele que brilhava resplandecentemente quando exposto ao sol. Possuía cabelo crespo, sempre bem aparado, dois olhos castanhos bastantes brincalhões, nariz muito achatado que predominava em seu rosto. Vestia-se conforme a gente de São Paulo se trajava. Em momentos de pura alegria, Ricardo não se continha e acabava por ter comportamentos indecorosos, que mais tarde se arrependia. Ele era um pouco alto acima da média e de membros fortes, não musculosos. Depois, Ricardo Assunção levou o amigo ao seu apartamento, emprestou algumas peças de roupas e que ali José poderia se acomodar como bem quisesse até que fosse capaz de prover seu próprio aluguel. Ricardo explicou tudo como as coisas na cidade se tencionava, como as relações eram feitas, como se travava conhecimento com as pessoas, o que estas gostavam e não gostavam, e como as tecnologias de plataformas digitais assumiram grande poder de conexão, não apenas de comunicação, mas de vínculo emocional, como estamos cansados de sabermos. Não é surpresa como as tecnologias desses tempos tomaram tal posição que se tornaram indispensáveis. Mas é incrível o poder que meras mensagens de texto que muitas das vezes são superficiais e reduzidas a apenas siglas, possam causar grande entendimento ao seu interlocutor, e a este perceber, de forma clara, a emoção dada a respectiva mensagem. Nessa nova linguagem que se ergue perante a convencional, bem sabemos que seu surgimento não caiu do céu, antes desenvolvida pela construção social que as pessoas lhe deram sentido, sobretudo por meio de uma cultura quase universal de gostos, sendo possível a deliberação de sentimentos em comum que poderiam facilmente serem compartilhados. Enquanto isso, ia escurecendo o dia e, após José Paladino ter descansado o suficiente no apartamento do amigo, este o levou ao modesto e discreto restaurante na Rua YY, que ficava defronte ao apartamento, no outro lado da rua. Ricardo havia convidado um amigo, seu patrão, que poderia traçar os rumos de José Paladino naquela noite. — Não se preocupe, ele está em dívida comigo, deve-me um favor. — dizia Ricardo a Paladino. — Ele irá te ajudar. Roberto Paulo nunca me deixou passar necessidade, aliás fora ele mesmo que me acudia há cinco anos quando eu chegara aqui como forasteiro. Lembra-se? Nós tínhamos 20 anos na época quando eu também partira de Parnaíba...oh, doce Parnaíba! Belos rios e uma fantástica paisagem naquele lugar! Ricardo ainda acrescentou:
— Diga-me, como andam as coisas por lá, mudou muito durante estes cincos anos que estive fora? — Normal. — Respondeu secamente José Paladino. — Normal? Fale mais homem, ora! — Bem, a meu ver, nada de interessante sucedeu enquanto você estava fora e não se lembra que eu sempre fui muito discreto? Passava a maior parte do meu tempo em casa, não saia a não ser para fazer alguns bicos, lia e lia meus livros, meus adoráveis livros! Lamento, mas por conta do meu estilo de vida não posso lhe dar um relato completo das novidades de Parnaíba. — Não mudou em nada, José, continua sendo a pessoa mais antissocial do mundo! — Antissocial? — Sim. — Antissocial é uma palavra forte e até inadequada para essa situação. Visto ela está relacionada a transtorno de personalidade... — Ora, homem, você sabe muito bem o que eu quis dizer. — Interrompeu Ricardo. — Como eu ia dizendo— continuou José sem se abalar— O antissocial está marcado por esse transtorno, uma espécie de rede que cai sobre ele (por exemplo), e esta rede ofusca seus sentidos mais fundamentais no compromisso empático entre as pessoas. — Então, quer dizer que ele não tem empatia. — Concluiu Ricardo — Ou melhor, ele tem traços de psicopatia? — Bem, nem todo antissocial é um psicopata e vice-versa, mas você tocou num ponto importante. O psicopata, como já é de conhecimento, não possui discernimento para sentir e reconhecer as paixões das pessoas, o que o torna praticamente uma máquina, fria, sem emoções. O Antissocial, por ter intenção mais ampla, geralmente tem grande percepção das coisas e sabe muito bem as consequências de suas ações, sabe como ferir e até onde tal dor pode ser insuportável no seu alvo. — José, deixe esse assunto de lado, homem. Havia te perguntado sobre coisas boas, não quero saber desse tipo de coisa ... é enfadonho, arre!
— Está bem, mas foi você que puxou a conversa para esse lado. — Ora, homem, você não mudou mesmo, hein! Continua o mesmo José incompreendido de sempre. Os rapazes se serviam à mesa, à espera do convidado. Antes de sua chegada José pôde contar mais sobre o que se passara consigo, o que andava fazendo, embora a todas as perguntas de Ricardo respondia que não tinha tempo para questões sem importância e que se limitava apenas a ficar o dia inteiro em seu quarto lendo livros, e quase que não saía de forma alguma da casa de seus pais. Tinha adquirido um modo de vida distinto, longe das pessoas, ou de atividades sociais. Era um “asocial”, como ele se intitulava. — Asocial? — perguntou enjoado Ricardo, percebendo que mais uma vez voltava àquele assunto. — Sim, caro amigo, vejo-me atraentemente definido por esse termo. Embora não seja um admirador de rótulos, nem um mestre deliberado que se exala por siglas ou conceitos irrelevantes, esta palavra chega mais perto do que quero me expressar. O asocial nada mais é o sujeito que, por vontade própria, abdica-se do meio social, não por ódio ou medo das pessoas, mas sim como.... como posso dizer... um modo de vida! Não me olhe com essa cara, sim, um modo de ver a vida diferente. Uma outra maneira de poder ser feliz, se você preferir assim. Bem, encaro as coisas como sendo feitas para desfrutá-las em nossa própria companhia, no silêncio de nossa alma, a fim de ter a máxima percepção dos mínimos detalhes que seja ... embora, veja bem, não discordo e muito menos condeno que certas experiências são mais bem apreciadas com outras pessoas e... — E certamente você está apreciando com alguém, não é? — interrompeu Ricardo, com um sorrisinho malicioso. — Não entendi. — respondeu José, zonzo e não percebendo o troço do amigo. — Não se faça de bobo, José Paladino. Sabe muito bem do que me refiro. — Ora, homem, se você não se expressar melhor confesso que terei que fazer papel de adivinha, — disse José atarantado com a situação. Era realmente curioso a situação entre os amigos e a ingenuidade de José bastante complacente com a zombaria do outro, fazendo este caiu na gargalhada e deduzindo que seu amigo tinha sim uma companheira, apenas estava tímido em entrar no assunto.
Mas para surpresa de Ricardo, seu amigo não tinha ninguém em mente nem em vida, e que este confessou até que já pensara muitas vezes travar um relacionamento, mas que nunca tinha tempo para tal atividade, já que se ocupava demasiado com seus romances machadianos. — Não se preocupe — disse Ricardo— aqui achará uma companheira igual a você, uma que seja ocupadíssima em seus assuntos, além de cabeça dura. Aqui em São Paulo tem de tudo que dá até medo! Depois Ricardo Assunção passou a descrever os tipos de mulheres paulistas, os tipos de belezas distintas, que pareciam ter vindo de todo o lugar do Brasil ou mesmo do exterior, todas possuindo olhos que brincavam singularmente, e que podiam usá-los ora para fuzilar quem ousasse mostrar intimidade atrevida perante elas, ora para expor a mais adorável simpatia e ingenuidade àqueles que elas gostavam estarem perto de si. Foi num ponto crucial da conversa sobre gosto pessoal quais das mulheres eram mais belas, que o convidado aguardado chegou, de forma bem-vestido, e exalando um ar de homem de negócios; era gordo, com iminência de entrar logo na calvície, com bigode traiçoeiro, além de dois óculos que pareciam muito desproporcional para sua cabeça pequena. Aparentava ter 50 anos. Ricardo o apresentou ao amigo viajante, este cumprimentando com a mão e notando que o homem tinha o pulso muito firme. O convidado sentou-se à mesa dos rapazes, perguntando: — Então você quase entrava numa fria nesse esquema sujo? — dizia isso com meio sorriso e uma ironia brincando na língua. — Sim, senhor, confesso que foi por uma intervenção divina que não aconteceu o pior comigo. Meu amigo aqui chegou bem na hora antes de eu pegar o táxi. O convidado olhou rapidamente de soslaio para Ricardo, perguntando: — Então quer dizer que agora você está em dívida com nosso Ricardão? — Sim, senhor, exatamente. Não sei como retribuir ... a ele dou minha vida — disse José Paladino um pouco aflito.
— Bem— disse o convidado— de modo como você se encontra agora, quase, se me permite dizer, quase não tendo nada com que se gratificar, e almeja me pedir emprego com a consideração que posso arranjá-lo mediante sua amizade com o Ricardão e sua triste história de vida que, a propósito, muito comum aqui na capital, meu jovem, são muitos os que passam a mesma situação, mas que não possuem o mesmo final feliz que o seu. Se me permite dizer ainda, vocês nordestinos, são tudo a mesma coisa, acham que podem mudar de vida num piscar de olhos, sem mesmo ter experiência mínima para executarem a função prometida e saem de suas terras sofridas e se acumulam desenfreadamente por aqui, tomando nossas atividades, empregos, nossas mulheres... O convidado ficou bastante excitado e nervoso de vermelho nesse último ponto. A questão era que Ricardo esquecera de mencionar o tipo de temperamento desse homem a José Paladino, que ele se zangava com tudo, era bastante conservador e muito confuso em suas próprias ideias, às vezes não se podia afirmar se o que defendia como opinião era seriedade ou simplesmente uma brincadeira. Ainda bem que Ricardo não falou muito da vida desse homem ao amigo, uma vez que, só Deus sabe se é troça do destino, certa vez ao nosso convidado, para sua infelicidade no amor, teve a tristeza de vivenciar a perda de sua linda esposa, casados há 15 anos, por um rapagão do nordeste. — Bem... É... acabei me expressando mal... meu jovem — murmurou o convidado, corando-se e notando que exaltou-se demais. — Não, de forma alguma, eu que fui desatento em não explicar a Paladino os pormenores de sua notável personalidade, Roberto Paulo, um homem muito destacado e firme em suas convicções! — bajulava Ricardo a fim de apaziguar a tensão. — Para lá com suas bajulações, homem! — disse rispidamente Roberto Paulo —eu sei quando me excedo e quando é hora de me desculpar. Olhe, como seu amigo está tenso e, por Deus! Está tremendo! ... José Paladino... não é? Fique calmo, macho, que eu apenas divagava em meus disparates e minha intenção de forma alguma era lhe atiçar. Também fui vítima de um troço do destino, no passado, e, oh! Dói me lembrar ainda! Tão linda ela era... oh! velhos tempos que podia confiar no amor... fui tolo, tolo em confiar demais, em amar demais. Atenção, amigo Paladino, que agora me proponho em falar com seriedade e lhe aconselho a nunca, jamais, em hipótese alguma amar mais a mulher do que ela possa amar o senhor. Leve esse conselho para vida, filho, e será muito feliz. José paladino passou a conversa toda apenas ouvindo, sem dizer mais que poucas palavras, e verdade era que tal imprudência inicial de Roberto Paulo o deixou bastante constrangido e envergonhado, ao ponto de se iniciar uma raiva reprimida contra aquele. Às vezes participava na conversação apenas confirmando com a cabeça ou com a sinalização dos olhos.
— Pode ter certeza de que José irá seguir esse conselho com todas as letras, caro Roberto— disse Ricardo Assunção, acrescentando: nosso amigo aqui diz que mulher não é matéria de seu interesse e que tampouco tem tempo para estar à procura de uma, de modo que, sendo assim, realmente será muito feliz mesmo em vida. José Paladino corou e ficou mais excitado ainda com a observação de seu amigo. — Como é, homem, está brincando comigo ou querendo expor seu amigo ao ridículo? — observou Roberto Paulo desconfiado. E vendo que José não dizia nada em sua defesa e apenas Ricardo sorria maliciosamente, Roberto perguntou a Paladino: — Isso é verdade, José Paladino? Anda, quero ouvir as suas próprias palavras... Você também passou por uma quebra de confiança no passado, homem, alguma rapariga feriu-lhe o coração... Percebendo que não tinha para onde fugir e que os dois amigos voltavam sua atenção a ele, José Paladino, finalmente disse algo: — Bem, não é exatamente isso ... ninguém me feriu nem nada. — Eu, na verdade, nunca tive um romance. — Ora essa, macho! Você brinca! Não fala a sério, já percebi. — adivinhou Roberto Paulo. — Palavra de honra: eu deveras nunca despertara atração a nenhuma dama. — asseverou José Paladino, meio cabisbaixo. — Nunca se apaixonou? — Nunca. — Nem nos sonhos? — Nem nos sonhos. — Ora! Mas, homem, o que é você tem?... Na flor da juventude... quantos anos tem? — 25 anos, senhor.
— Eu, na sua idade, era pior que o diabo em matéria de desocupação, em tempos atrás, antes de me fixar a Rosangela... (Oh, era assim que ela se chama, ó doce rosa de meu jardim onde um beija-flor a levou) ... É ... Bem, continuando, onde eu estava?... Ah! Bem, na sua idade eu não parava em um só lugar. Naquela época não tínhamos muita coisa a se fazer aqui, de modo que restava se dedicar inteiramente às moças! Sim, atenção, as moças... porque era duas ou três raparigas para cada rapagão, meu filho, sim, aí que era bons tempos! Quando se enjoava de uma havia outras duas para compensação! — AÍ que era vida boa! — exclamou Ricardo Assunção. — “ Vidas”, se me permite salientar. — disse Roberto — já que tínhamos que inventar modos de viver distintos para cada pretendente, ora a uma eu era bombeiro, ora a outra era dono de restaurante e até cheguei a ser vereador... Sim, senhor, uma confusão e tanto. Talvez história para outra ocasião..., mas me diga, caro José Paladino, o que tanto o entretinha a ponto de ignorar o produto mais deleitoso da natureza? — Talvez o produto mais deleitoso do homem — interveio Ricardo com sorrisinho sarcástico. — Que história é essa, macho?! — perguntou incrédulo Roberto Paulo. — Calma, meu patrão, nos referimos aos livros — disse pontualmente Ricardo Assunção, verificando que a conversa tomava sentido ambíguo. — Ah, bom, sim, livros realmente são o que mais de bom a humanidade já criou. — Você é formado, José Paladino? — Não, senhor, mas pretendo em breve... — Ora, homem, quer dizer o que você faz é apenas ler, sabe lá o quê, e mesmo assim não possui nenhuma graduação? Desculpe-me a intromissão, mas o senhor é muito estranho. — Senhor, concordo que eu possa soar um pouco diferente da maioria dos homens, que posso ser considerado até atrasado em alguns requisitos básicos de um homem adulto, mas, acima de tudo, isso é um problema que não me afeta neste presente momento. Tenho outras atividades pendentes... — Que atividade? — perguntou Roberto Paulo. — Ora, atividades que toda humanidade não deveria deixar para depois: a busca incessante pelo conhecimento. — disse José orgulhosamente.
Todos ficaram se olhando por um minuto em silêncio, quando Roberto rompeu: — Sim, camarada, está certíssimo em nunca parar de estudar, mesmo que isso não dê saldo produtivo... Essa é a nova moda dos intelectuais de hoje: estudar e estudar e não produzir nada de bom, salvo quando se trata de produzir coisa nociva. — Coisa nociva? — perguntou espantado José Paladino, não entendo como apenas estudar tem possibilidade de gerar nocividade às pessoas. — Bem, meu caro, eu poderia lhe citar categoricamente vários acontecimentos trágicos que sucederam com pesquisas e estudos de intelectuais que gozavam da audácia de estarem progredindo para o bem ..., mas não é o que me refiro aqui, eu falo dos intelectuais atuais! São indivíduos altamente suspeitos em suas convicções e defendem ideias perversas que deturpam a essencialidade existente das coisas, justificando-se a favor da pátria, por exemplo, quando de fato destroem ela aos poucos. Sabe de uma coisa, senhor José? Você também, Ricardo! Preste atenção! Esses intelectuaizinhos quando não estão vomitando suas fantasias libertinas, estão trancados em seus quartos e, estes são da pior da natureza, sim, senhor, ficam colados em telas de computadores o dia inteiro, mofando ali dentro, e fazem as coisas mais hediondas possíveis. A maioria são jovens, pessoas que não recai nenhuma suspeita. Muitos são excessivamente confiantes, com o uso de distorção de identidade, por exemplo, cometem crimes e pensam que nunca serão descobertos. Quando menos se espera, a polícia federal está batendo à porta com uma investigação de um ou dois anos atrás. Nesse momento, todos ficaram mais uma vez em silêncio, com Roberto satisfeito pela sua falação que causou grande impressão de discurso aos dois jovens. Ricardo Assunção estava o tempo todo sem falar nada e se distraindo às vezes e não entendendo os rumos que aquela conversa havia tomado. José Paladino, prestou a atenção sem desviar os olhos do orador e se mostrava bastante inquieto em sua cadeira, ficando vermelho constantemente em suas faces, ao ponto de não aguentar mais ficar naquele local, pois sentia que havia uma maldosa insinuação nas palavras de Roberto Paulo. Às vezes pensava em sair dali, daquele restaurante, daquela cidade e voltar à sua terra, aos seus cômodos. Subitamente ele quebrou o silêncio com ar resoluto de se impor:
— Confesso... meu senhor... que sua opinião é deveras notável e digna de atenção absoluta. Mas, eu, como um estudioso, aprecio um ofício dos seus dois lados, isto é, trabalho com todas as hipóteses em formular uma opinião decisiva. De fato, concordo que existem muitas pessoas (intelectuais ou não) que têm suas casas como escritório de crime e nelas fazem as coisas mais horrendas pelos computadores. E geralmente são pessoas muito afastadas do meio social. Mas há uma verdade que podemos pontuar aqui em comum é que os crimes são infinitamente produzidos em maiores quantidades justamente por pessoas que têm uma vida social bastante ativa e que também não despertariam nenhuma suspeita se elas cometerem alguma infração. São lugares públicos, ativos, sociais, como este restaurante, aquele bar na esquina, um clube bonito que vi durante minha viagem, enfim, são nesses locais, frequentados por pessoas de vidas ativas, que sucede a maior quantidade de infração do código penal. Pode ser considerado até um paradoxo, já que tais lugares foram feitos para o entretenimento, para o prazer e a diversão, mas, o que tudo acompanha a felicidade, há o excesso, há o conflito de interesses e há a disputa por poder desses interesses. Basta alguém se esbarrar em outra pessoa, em um bar, que esta , não espera um segundo sequer para haver um pedido de desculpa, que já a ataca impiedosamente sem mesmo conceder a dignidade de defesa.
A mesa dos amigos mais uma vez mergulhou em silêncio absoluto, dessa vez chegando a dois minutos. O clima ainda estava muito tenso entre eles, Roberto sorria com ironia e não tirava os olhos de José Paladino, e este estava bastante suado, com olhos muitos inquietos que alternavam para Ricardo e Roberto, com suas pernas tremendo abaixo da mesa. Quem começou a falar em seguida foi Roberto Paulo, que estava contente, não em concordar com a opinião de José, mas por este conseguir divergir sua opinião e até desafiar a liderança do mais velho dentre aqueles mais novos na mesa, sem qualquer tipo de bajulações desnecessárias. Roberto disse que contratará José Paladino pelo motivo acima. É importante frisar que ele é gerente de uma empresa alimentícia e que dará uma vaga de repositor ao futuro funcionário. Disse ainda que toda sua falação atrevida e inquisitiva era própria entrevista de emprego que fez ali na mesa, com o objetivo de saber até onde José poderia ir em suas capacidades. — O Patrão é mesmo um gênio da criatividade! — exclamou Ricardo Assunção.