A caneta dourada repousava na mesa de madeira polida enquanto ela folheava mais um relatório. O relógio em sua pulseira de couro fina marcava 18h27, mas para Yumi Takahara, o dia ainda estava longe de terminar. A vista panorâmica da cidade refletia nas janelas do 30º andar, com as luzes urbanas começando a dominar o horizonte. Ela ergueu o olhar por um momento, ajustando os óculos finos que sempre usava em reuniões importantes, antes de pressionar o botão do interfone.
“Sakura, quero um motorista. Agora,” disse, sem levantar a voz, mas com o tom afiado de alguém que sabia que não gostava de esperar.
A resposta veio quase de imediato. “Claro, senhora Takahara. Devo solicitar o carro da empresa?”
Ela hesitou por um momento, seus olhos escurecendo enquanto algo passava por sua mente.
“Não. Encontre um motorista de aplicativo. Quero algo... menos formal desta vez.”
O silêncio do outro lado indicava surpresa, mas a secretária não ousaria questionar. Em segundos, a confirmação ecoou pelo interfone.
“Será providenciado.”
Yumi apoiou as costas na cadeira, cruzando as pernas em um movimento calculado. Ela era meticulosa, controlava cada aspecto da própria vida, mas às vezes permitia que pequenos desvios acontecessem. Nem tudo precisava seguir o protocolo — ao menos, era o que ela dizia a si mesma quando queria justificar esses impulsos ocasionais.
Enquanto esperava, olhou pela janela novamente, os dedos deslizando distraidamente pela borda da mesa. Alguma coisa na rotina havia começado a cansá-la. Era sempre o mesmo: reuniões, decisões, relatórios. Sentia-se vigiada. Talvez, só talvez, essa mudança pudesse trazer algo...interessante.
Yumi Takahara fechou o relatório com um movimento preciso e firme. Sua mesa estava impecável, como sempre. Olhou para o relógio, viu que o dia havia se arrastado o suficiente, nunca sentiu cansaço, mas naquela noite, ela sentia seus pés latejarem.
Pressionou o interfone com uma mão elegante, ainda sem desviar o olhar de seu monitor.
“Sakura”, sua voz foi direta, quase cortante.
“Eu vou sair agora. Organize o meu cronograma para amanhã, trabalharei de casa até o meio-dia e me avise se houver algo urgente.”
Do outro lado da linha, a secretária respondeu rapidamente. “Entendido, senhora Takahara.”
Yumi levantou-se da cadeira, ajeitando a lapela do seu terno. Sentiu uma pontada nos pés, mas não se abateu. A frieza habitual que ela demonstrava nas reuniões parecia ainda mais evidente naqueles últimos segundos. Ela não esperava e não pedia mais do que o necessário. A eficiência estava em cada passo seu, do trabalho até suas interações.
Ao sair da sala, ela deu um olhar rápido para os assistentes e outros funcionários no corredor. Em sinal de respeito, todos se levantavam. Ninguém se atrevia a interrompe-la. Yumi não era apenas a chefe de todos ali; ela era a presença que todos respeitavam, admiravam e temiam em igual medida.
No momento que alcançou a entrada do prédio, o vento frio da noite a envolveu, trazendo consigo o som distante dos carros e luzes da cidade. Ela não sentia o peso das luzes dos holofotes que acompanhavam sua posição, mas os seguranças à sua volta, em postura impecável, davam-lhe o alívio que ela buscava.
Ela parou por um instante e olhou a rua movimentada, onde a visão de um carro preto não tardou a aparecer. O veículo avançava lentamente e estava prestes a se concluir a jornada de mais um dia, mas algo em sua mente, sem explicação, a incomodava.
O retorno ao lar, era sempre um suspense. Atravessar a cidade, a incomodava cada vez mais.
O carro preto parou suavemente à sua frente, as portas se abriram com um leve clique. Yumi caminhou até o veículo, seus saltos ecoando no calçamento, e entrou com a postura de sempre. Fechou a porta com um estalo baixo e se acomodou no banco de trás, ajustando o terno.
Ela puxou a bolsa para o lado e, com um gesto rápido, tirou o celular da bolsa para revisar alguns e-mails. O silêncio dentro do carro, combinado com o movimento suave do veículo, fazia Yumi se sentir quase em paz, longe do caos do escritório.
“Aeroporto.” Sua voz, impessoal como sempre, cortou o silêncio.
Ela esperava a resposta usual de um motorista, mas a voz que veio em seguida a pegou completamente desprevenida.
“Entendido, senhora.” A voz era firme, mas suave, e – para sua surpresa – feminina.