Saio do quarto devagar, paro na escada e vejo a minha mãe sentada no sofá costurando as roupas rasgadas enquanto assistia sua novela na televisão encantada que às vezes sintoniza canais que não deveria. Minha mãe não queria se livrar dela de jeito maneira, porque foi presente da minha tia que era uma bruxa e que morava em outro continente e era o único meio de comunicação entre as duas.
Desço devagar as escadas. Vou para cozinha para disfarçar o meu verdadeiro trajeto. Pego um copo de água, bebo tudo. O avental de cozinhar da minha mãe estava no mesmo lugar de sempre, atrás da porta, pego a chave no bolso e vou sorrateiro até a biblioteca. Abro a porta, entro e a tranco atrás de mim.
Quando olho para trás não acredito naquele local, era muito maior do que se via por fora, com certeza ali havia magia. Não conseguia entender, por que justo eu não fui escolhido por ninguém para fazer magia, não era algo tão difícil, já havia visto diversas vezes meus irmãos praticando.
— Foque no objetivo. Precisa pegar o livro e sair daqui o mais rápido possível, porque se a mamãe me pega vou estar muito encrencada.
Caminho rápido por aquela enorme biblioteca lendo as lombadas dos livros, procurando por algum volume que chamasse atenção, contudo eram tanto que não sabia se encontraria algo que me ajudasse naquele momento. Foi quando que um livro azul claro me chama atenção.
— Feitiços para iniciantes avançados. Olha nem sabia que existia esse tipo de nível — o pego, sento no chão e começo a olhá-lo. Não queria me arriscar e pegar algo que não tivesse o que precisasse.
— Quantas vezes já te falei Leonidas quem cola não sai da escola, menino mal criado — minha mãe berrando com o meu irmão. Controlo a risada, porque era feitio daquele idiota de ao invés de estudar querer sempre se sair bem.
— Ai, mãe, assim minha orelha vai ficar enorme. Poderia puxar com menos força?— Leonidas choramingando.
— Não mesmo, assim aprende a fazer o que deve corretamente.
— Bem coisa daquele cabeça de vento ser pego, eu nunca fui…
— Aham sei. Acho que agora me deve criatura. Então que tipo de favor vou pedir a você?— levo um susto quando vejo o meu irmão Leon parado na minha frente apoiado numa mesa.
— Como é que é?— Levanto num pulo.— Não mesmo Leon, não vou ceder as suas chantagens.
— É mesmo, então eu não vai se importar se eu fizer isso — sorriu para mim e se afastou da mesa indo para a porta.
— Achei que era a única da família que teve a benção de ter o dom da astúcia — não parou de caminhar enquanto falava.
— Dom? De onde tirou que ter astúcia é um dom, Leon?
— Sabia que ela não tinha lhe contado. Todos na família recebem algum dom, pamonha. Essa é a norma.
— A mesma pessoa que vou chamar — parou e olhou para mim. — Oh mãe…— começou a gritar, mas antes que terminasse eu pulei em cima dele e tapei a sua boca.
— Está bem seu cabeça de vento, o que quer de mim?
— Me chamou Leon?— gritou mamãe de alguma parte da casa.
Leon me olhou e apontou para a mão que tapava a sua boca.
— Leon, querido, o que quer?— mamãe gritou novamente e parecia mais perto.
— Se não soltar ela vai aparecer aqui e aí vai ficar complicado a sua situação — falou abafado.
— Se gritar sua vida vai também complicar bastante. Não se esqueça que quem tem astúcia por aqui, sou eu — informei retirando a mão da boca dele.
— Beleza criatura— sussurrou. — Nada mãe, só estava procurando um livro na biblioteca para ler — sorriu olhando nos meus olhos e depois para a minha boca. Aquele meu irmão era estranho.
— Então foi você que pegou a minha chave?
— Óbvio mãe, como eu faria para entrar nela?— puxou uma mecha castanha do meu cabelo e enrolou no dedo indicador enquanto falava. Parecia avontade naquela situação terrível que estávamos.
— Tudo bem, quer tomar café da tarde? Depois vá no quarto da criatura e a chame.
Revirei os olhos. Todo mundo me chamava daquilo, não era pelo meu nome e nem por um apelido, muito menos por filha ou irmã, era sempre criatura, menos meu pai que me chamava carinhosamente de raposinha, mas nunca soube o porquê.
— Claro mãe, mas preciso mesmo chama-la?— enruguei a testa e dei um peteleco na testa dele, o fazendo rir.
— Claro que sim, foi a criatura que trouxe a sua fruta favorita pros estudos.
— Ah bom. Vou só pegar uns livros aqui e já vou.
— Sério que não iria me chamar se eu não estivesse por aqui?
— Não tem ideia o que já neguei — me beijou na testa, riu e me empurrando para o lado. — Agora vamos, temos que encontrar algum livro que me ajude a gabaritar na prova.
— Fala sério — reviro os olhos, dou um soco no braço dele e levanto do chão.— Vamos procurar logo esse livro.
— E esse que está segurando atrás de si?
— Não vai querer esse, é para iniciantes. Isso é um pagamento por eu ter aceitado sua chantagem, porque eu poderia ter negado e um castigo a mais ou a menos não faria diferença na minha vida — vou para uma estante e volto a ler as lombadas dos livros.
— Viu, dom da astúcia, contigo nunca está pensando apenas num plano simples, sempre tem cartas na manga.
Continua próximo capítulo ...
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