Estalos metálicos, ventoinhas agressivas e o próprio ranger de uma estrutura que se queixa da força exercida sobre si mesma permeiam o ambiente.
San-Lehan tentava apreciar o prazer de flutuar no vácuo, em meio aos protestos de uma petulante estação que implora o próprio abandono.
Se pudesse filtrar a mal-humorada estrutura cinzenta ao seu redor, bastaria levantar os pés do chão e perder o senso de direção — deitado ou em pé, não faria diferença. Qualquer lugar poderia ser uma cama... Ou um útero materno.
Clamava para que estações espaciais fossem equivalentes ao que era mostrado em filmes: absoluto... silêncio.
Prestes a adentrar o estado meditativo, um novo sistema foi acionado — um pulsar líquido através das tubulações iniciou o ciclo de reciclagem de água. Do outro lado, o bater da lataria solta dos sistemas de HVAC e compressores velhos ecoava ao longo de toda a estrutura da querida Estação Éris.
Consigo abstrair você, Éris. Isole os sons. Flutue no centro do quarto. Largue todas as âncoras e aproveite o vazio. Basta concentração absoluta — pensava San-Lehan.
Para um novato em gravidade zero, o que San fazia seria desesperador. Perder-se-ia em pânico, em sensações claustrofóbicas, por mais contraditório que parecesse. Talvez o gatilho fosse a incapacidade de se ancorar, fazendo com que o hipotálamo registrasse estar preso em algum lugar apertado, mesmo que o ambiente fosse amplo. As reações sempre eram hilárias.
Hoje não havia nenhum novato para entreter os espectadores. Apenas San-Lehan, flutuando nu no centro do quarto. Com as pálpebras fechadas, cabelo flutuante, o corpo esguio arqueava a coluna parcialmente para trás, como se se debruçasse de costas na beirada de um colchão. Era uma visão quase renascentista.
Parecia ter nascido para a gravidade zero desde o primeiro momento em que experimentara a sensação.
San suprimiu um sorriso de canto de boca e continuou sua meditação flutuante, como se estivesse dormindo.
Um observador externo, parado na porta, apreciava a cena — apenas assistia ao enigmático homem flutuando, com certo receio de chamar sua atenção e perturbar o processo. Quando achasse conveniente, San abriria os olhos... Eventualmente.
Analisou as deformidades espalhadas pelo corpo de San. Nunca entendeu ou pediu explicações sobre o que eram.
O corpo exibia uma sequência de orifícios oclusos, perfeitamente circulares, cravejados como anomalias de nascença — cada um deles com bordas ligeiramente rugosas, em tom pálido-amarelado, lembrando tecido queimado ou a crosta de uma ferida antiga. Não eram meros furos: atravessavam a carne de lado a lado, revelando túneis escuros e assombrosos, fundos o bastante para engolir a luz. A pele ao redor parecia sempre tensionada, como se lutasse para se fechar, mas tivesse falhado, formando pequenas crateras orgânicas — aberturas vazias que expunham camadas internas e um vazio impossível de ignorar.
Dispostos simetricamente — um em cada braço e antebraço, coxa e sobrecoxa, e outro central, logo acima do umbigo —, lembravam um padrão ritualístico. A visão de todos alinhados, atravessando o corpo como uma série de bocas famintas, provocava náusea involuntária: não era apenas a ausência de carne, mas a impressão de que algo faltava no próprio mundo, uma falha de continuidade, um erro de fábrica na anatomia.
O quarto assobiava em frequências disformes conforme a circulação do ar ambiente transitava através dos orifícios. Uma flauta humana que emitia sons desconcertantes quando exposta. Perturbador para outros, mas ruído meditativo para San.
O observador sabia que San já notara sua presença, mas permaneceu em silêncio. Era a cena de um teatro em que o amigo fingia estar alheio, para passar a impressão de que pensava que o colega ainda estava dormindo.
Essa era uma dinâmica recorrente e constante entre os dois. Teoria dos Jogos aplicada. Uma maneira de passar o tempo, quem sabe...
Qualquer um não-disruptivo certamente não veria sentido nesse tipo de interação.
Nem mesmo a presença de outros poderia suavizar a verdade — isolados numa estação esquecida, no extremo do sistema solar, eram apenas ecos perdidos no silêncio cósmico.