
Filhos de Nhanderuvuçú
🏅 Participação no Prêmio Literário Confirmada
Autor:
Bruno Fernandes
Os Filhos de Nhanderuvuçú: Um épico da Criação a Resistência Fantástica "Os Filhos de Nhanderuvuçú" é mais do que um romance; é um portal para um universo narrativo onde a fantasia e a história se fundem em uma tapeçaria épica e profundamente espiritual. A obra se propõe a resgatar as origens mitológicas dos povos originários do Brasil, não como uma relíquia do passado, mas como um rio caudaloso de sabedoria que continua a fluir, alimentando a resistência e a identidade no presente. A narrativa é uma meditação visceral sobre a criação, a colonização e a sobrevivência, tecida com os fios dourados da memória ancestral e com a urdidura sombria do conflito, mantendo sempre a perspectiva indígena como o eixo central e inabalável do mundo que constrói. A jornada começa no Vazio primordial, na solitude infinita de Nhanderuvuçú, o Grande Espírito, o Sol Eterno, a consciência primordial que tudo é e tudo contém. Movido por um desejo inextinguível de existência compartilhada, de ver sua própria essência refletida e ampliada, Nhanderuvuçú emana de si mesmo Tupã (o trovão, a voz divina, a força criadora ativa e transformadora) e Iacy (a Lua, a serenidade nutridora, o ventre dos sonhos e dos mistérios). Juntos, esta tríade divina inicia a sinfonia da criação. Tupã, com sua fúria jubilosa, liberta relâmpagos que esculpem montanhas, abre vales e convoca as águas dos oceanos. Iacy, com um sussurro que acalma a fúria do amado, amacia a terra, conduz as marés e impregna o mundo com o potencial da vida. Desse equilíbrio dinâmico entre a força e a delicadeza, o barro da nova terra é amassado e animado pelo sopro sagrado de Nhanderuvuçú, dando origem aos primeiros humanos: Sypave e Rupave. Estes primeiros filhos, no entanto, não são imediatamente colocados no paraíso da luz. Eles são incubados no Mundo Inferior, um útero úmido, escuro e protector, onde aprendem os primeiros ritmos da existência: a escuta profunda, a comunhão na escuridão, a confiança nos sentidos além da visão. Este período de gestação é crucial, simbolizando uma filosofia profundamente enraizada no pensamento de autores como Ailton Krenak – a ideia de que a humanidade é parte integrante e dependente do mundo natural, e que sua verdadeira força vem dessa conexão primordial, e não de uma suposta superioridade sobre ele. A ascensão à superfície é conduzida por Sumé, o herói andarilho, o professor divino, uma figura presente em diversas tradições Tupi-Guarani e estudada por etnógrafos como Câmara Cascudo. Sumé é o elo, o mensageiro que traz a sabedoria dos deuses para a humanidade em formação. Ele guia os corajosos para a luz do Mundo Superior, uma terra de abundância e cor vibrante. No entanto, a narrativa já introduz seu primeiro conflito existential: a liberdade exige coragem, e nem todos estão dispostos a pagar seu preço. Japeusá, o trapaceiro, o duvidoso, personifica a resistência à mudança, o comodismo da escuridão conhecida em detrimento do brilho incerto da liberdade. Sua escolha de permanecer no mundo inferior é um prenúncio potente das divisões e desconfianças que a humanidade enfrentará. No Mundo Superior, a criação dos deuses verdadeiros é confrontada com uma criação profana. Nhanderuvuçú, Tupã e Iacy testemunham, com uma angústia que ecoa pelos cosmos, a chegada de "deuses estrangeiros", entidades ambiciosas e desapegadas que, às pressas, forjam homens de madeira e barro. São seres vazios, sem alma, movidos por uma fome insaciável de posse e consumo. A indignação divina é canalizada em uma decisão irrevocável: os verdadeiros filhos, os moldados com amor e sopro divino, devem ascender e ocupar seu lugar legítimo, defendendo a criação daqueles que só sabem destruir. É neste momento que a narrativa mergulha em seu cerne histórico e épico. A ameaça abstracta materializa-se no horizonte com as "canoas-monstro" dos Peró (os homens brancos). A chegada dos colonizadores portugueses e, posteriormente, dos franceses, não é meramente um evento histórico, mas uma ruptura cosmológica. Como Davi Kopenawa Yanomami magistralmente descreve em "A Queda do Céu", a invasão não é apenas territorial; é um epistemicídio, um envenenamento dos sonhos, uma profanação dos rios e das florestas, uma guerra contra os próprios espíritos da terra. As armas de fogo e os canhões são apenas a ponta do iceberg; as doenças invisíveis, a dissolução cultural e a fractura espiritual são as armas verdadeiramente devastadoras. A obra acompanha com um olhar íntimo e grandioso a resposta a esta investida. Através de uma multiplicidade de vozes, construímos um painel complexo da Confederação dos Tamoios (ou dos Povos da Terra). Líderes históricos como Cunhambebe, cujo grito de guerra ecoa como um trovão de Tupã, e Aimberê, o estrategista resiliente, ganham vida não como estátuas distantes, mas como homens de carne e osso, impregnados de divindade. Eles são acompanhados por personagens ficcionais que dão profundidade humana ao conflito: Araçá, o mensageiro veloz cujos pés sulcam a terra como raízes de urgência, ligando as aldeias numa rede de resistência; Jandira, a curandeira que luta para debelar doenças desconhecidas que seus remédios ancestrais mal conseguem compreender; e Itaberá, o guerreiro cujo encontro com estrangeiros que se dizem inimigos dos portugueses introduz nuances perigosas de alianças frágeis e desconfianças necessárias. A mitologia não é um pano de fundo, mas um personagem activo. O Jaguaretê-Ava (o Homem-Onça) emerge das sombras da floresta, uma encarnação da força selvagem e indomável da terra, um justiceiro ancestral que abate aqueles que profanam seu território. O Mapinguari, ser colossal e primordial das profundezas, torna-se o símbolo da revolta da própria natureza, um lembrete aterrador de que o mundo não é uma mercadoria a ser consumida, mas um organismo vivo que se defenderá. Estas entidades, recolhidas e estudadas pela erudição de Câmara Cascudo no campo do folclore, são elevadas aqui à sua estatura mitológica original, personificando a resistência cósmica. A linha do tempo da narrativa é vasta e deliberadamente cíclica, reflectindo uma concepção de tempo não linear, mas espiralar, onde o passado ancestral informa o presente e o futuro: 1. A Era da Criação: O surgimento do mundo a partir do sonho e do verbo divino, estabelecendo as bases de um universo interconectado e sagrado. 2. A Ascensão à Superfície: A difícil transição da escuridão protectora para a luz desafiadora, simbolizando o eterno dilema humano entre o conforto da ignorância e os perigos e belezas do conhecimento. 3. A Chegada dos Peró: O impacto traumático da colonização, retratado não como "descobrimento", mas como uma invasão cósmica que desequilibra a criação. 4. A Resistência e a Confederação: A resposta unificada dos povos, uma aliança bélica e espiritual para defender não apenas suas terras, mas seu modo de ser e de entender o mundo. 5. A Jornada para o Interior: A retirada estratégica, a fuga para as terras altas e a busca pelo Peabiru, o caminho sagrado que liga o mundo material ao espiritual. Esta jornada é uma busca por reencontrar o centro, o equilíbrio perdido. 6. A Descida às Entranhas da Terra: O refúgio final no coração do mundo, um retorno simbólico ao útero primordial do Mundo Inferior. Aqui, a narrativa atinge seu clímax filosófico: o que resta quando tudo é tirado? A resposta é a memória. A identidade. A cultura. A história contada ao redor do fogo. É uma meditação comovente sobre a resistência cultural como último e mais poderoso reduto. Inspirada pela crítica contundente de Ailton Krenak à ideia de "humanidade" como um clube separado da natureza, pela cosmologia profunda e xamânica de Davi Kopenawa, e pelo vasto arquivo mitológico compilado por Câmara Cascudo, a obra constrói seu universo. Ela também dialoga com a tradição da fantasia f ilosófica e épica. "Os Filhos de Nhanderuvuçú" é, em última análise, um tributo à resiliência dos povos originários. É uma afirmação de que a criação é um acto contínuo, sustentado pela memória, pela narrativa e pela luta. Através de uma prosa que é tanto poética quanto visceral, o autor convida o leitor a não apenas ler uma história, mas a experienciar um mundo onde a terra é viva, a esperança é tecida com os fios da tradição, e a luz de Nhanderuvuçú—a luz da criação e da resistência—nunca, jamais, se apaga.
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