Era uma vez…
No reino de Arden, um nobre que tinha dois filhos: um rapaz e uma moça. O jovem era belo, criado para herdar o título do pai e perpetuar o nome da família; porém, desprezava cada garota que lhe apresentavam, convencido de sua própria importância.
Em uma noite gelada e sem luar, seu destino foi selado ao encontrar o corpo da irmã, sem vida, no bosque. Assim nasceu a Fera, feita de sombras e desespero.
Neste mesmo reino, mil anos depois, nasceu uma garotinha de cabelos escuros como asas de gralha e pele branca como a neve, que gostava de contos de fadas. Seus olhos castanhos brilhavam a cada final feliz. Até que o Papai e a Mamãe morreram; o “Felizes Para Sempre” ficou cinza, e a vida não era mais como a dos livros infantis. Ela esqueceu de seus sonhos e deixou que a Realidade apagasse suas fantasias, e iria descobrir que os contos de fadas não eram como ela imaginava.
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O sangue dela mancha minhas vestes, tão escuro — como se o ébano que escurecia o céu naquela noite escorresse de seu corpo — e quente, como deveriam ser as lágrimas que supostamente eu deveria estar derramando. Mas não o faço; meu semblante permanece tão frio quanto ela ficará em breve por causa da neve. Mantenho-a em meus braços até minha mente ficar em branco, os pensamentos levados pela ventania gélida.
...
Meu corpo está paralisado contra minha vontade. De novo, estou na floresta. Não a mesma de antes — nunca é. Ouço as risadas do papai e da mamãe, e consigo ouvir ela me chamando, mas só entendo a parte sobre ir procurar eles. Meu medo inicial some, e me apresso para seguí-los, gargalhando enquanto corro entre as árvores e sentindo as cascas dos troncos arranhando de leve meus dedos.
Um uivo ecoa pelas folhas, interrompendo minha brincadeira, e percebo que papai e mamãe sumiram, os ecos silenciados de repente. Então sei qual o meu fim. Consigo me virar apenas a tempo de ver uma sombra enorme com garras e dentes afiados pulando sobre mim; a pele abaixo da minha costela esquerda arde como chamas e me curvo de dor.
Acordo com um soluço brotando do meu peito, doloroso, e sentindo incômodo com o tecido do pijama que parecia encostar em algum machucado recente. A voz gentil da vovó me distrai, avisando sobre o café da manhã, e levanto da cama, minha mente apagando qualquer sensação do pesadelo enquanto saio do quarto.