O descanso divino se encerrava, a Entidade Suprema, em um sutil toque, despertava, seus olhos mostravam o brilho similar ao das estrelas, sobre seu rosto um véu cósmico cobria até próximo de sua boca. Ela havia chegado à perfeição, sua essência agora estava no ápice possível de se imaginar, nenhuma divindade antiga ou futura jamais chegaria naquele estado, um ser que se fez ação, que se tornou verbo.
O trono pálido alterou de forma, se moldando da forma mais bela, se equiparando com a regente que se sentava nele. Sua lança ficou com o mesmo brilho de sua aura, como se ascendesse junto de sua portadora. Ela se levantou, o lar divino, antes em ruínas pelo grande conflito, foi condensado, os pilares ruídos eram reparados pelo mero olhar da Entidade, o chão se alisava como o piso nobre dos templos de adoração, o céu se ocultava pelo teto que retornava a seu devido lugar.
O antigo trono, antes em meio à ruína de seu glorioso passado, estava renovado, cercado pelas mais belas pilastras, pelo mais polido chão e iluminado pelo mais belo mosaico. As ruínas do passado se apagaram, dando origem ao grande palácio, não alto e imponente como de seu passado, mas largo e delicado. Ao seu redor, vinte pequenas plataformas para se por estátuas, todas vazias, feitas cada uma de uma pedra especial e com uma decoração própria.
A mais próxima à direita era uma Calcita de cor amarela, esta lisa e com suas curvas em espiral levando para cima. A pedra era tão lapidada que irradiava uma luz quase própria. À esquerda do trono, era feita de Ônix preta, seus detalhes lembravam riscos retos, sem ondulações, seu topo tinha 22 pontos e em meio às linhas que decorava se tinha um pequeno brilho acinzentado que se derivava da luz acima.
Dando início a uma espiral, duas pedras ficavam à frente das anteriores. Uma era similar a um grande vaso, feita de Quartzo verde e cheia de decorações de seres vivos e folhas distintas. O topo dela era similar a um ninho de pássaro, cercado de folhas e galhos da mesma pedra verde. Do outro lado, assemelhava-se a uma escultura das ondas. A pedra era uma água-marinha azul e, rodeando-a, ela tinha o corpo de uma grande serpente que segurava as ondas, como se zelasse por sua ordem.
As que sucederam eram semelhantes, pareciam gêmeas em tamanho e formato, uma era feita de Ágata Azul escura, cheia de meias-luas em seu formato, enquanto a outra era da mais pura pirita lapidada, e seus desenhos lembravam esferas brilhantes, emanando sua luz própria de forma quase incandescente. De forma solitária, um ficava afastado, feito de sílica em formatos pontiagudos e disformes, como se tivesse se elevando gradualmente, em seu meio formato, lembrando ossos de diversos seres.
Próximo ao centro do salão, havia mais delas, algumas eram de cores sólidas e uniformes, e outras já haviam tido multicores e formas exóticas. Aquilo representava uma organização, ainda não existente, necessária de ser criada para permitir que o universo fosse feito. A entidade Suprema mostrou uma face neutra à sua própria criação, os altares mostravam um objetivo que ela não iria tratar, ela não iria moldar destinos, tampouco deixar eles serem feitos por outros. Aquilo seria ocupado por aquilo que fosse necessário e não pelo que era desejado.
Deixou seu trono e seu palácio e saiu com sua lança em mãos para ver o mundo vazio. Sua morada se destacava em meio ao seco e irregular solo, era como admirar um diamante no meio das areias de uma duna, era a única coisa que se destacava naquele frio e pálido deserto. A divindade enfincou sua lança no plano e dela emanou uma poderosa energia enegrecida que cobriu toda Amissaeteri.
Com o plano protegido, ela foi em direção do vazio, vagando flutuando afastada de seu trono, e emitiu o primeiro som, desde o fim da Era dos deuses antigos. Sua voz violava as leis do vácuo e reverberava por toda imensidão, a poeira cósmica, antes inerte, começava a se movimentar sem rumo em total agitação. De sua boca, palavras antigas eram citadas, e todo farelo da antiga existência começou a fundir-se e se reunir em suas mãos.
A atração da divindade era intensa. O pó cósmico transformou-se em ondas que decoravam os céus como se fossem vivas, circundando a divindade em um belo espiral enquanto se condensavam numa pequena esfera repleta de energia e matéria antiga. A velocidade que observavam ultrapassava o conhecido. Gradualmente, a beleza das partículas se dissipava no vácuo, resultando numa esfera pequena, luminosa e fervente.
A entidade suprema viu tudo se tornar a mais pura inexistência, tudo que um dia existiu, existia e existirá, estava concentrado em suas mãos. Ela abriu a palma fechada e tirou parte de seu véu, e sussurrou para toda aquela energia.
— Faça-se a luz. . . — a energia explodiu em suas mãos em uma gigantesca supernova, a cor púrpura rogava aos cantos desconhecidos do universo as mais ricas energias, os gases soltos se união se aquecendo intensamente, a deusa via as primeiras estrelas distantes se destacarem, os sólidos e líquidos se união em rochas, e outros formavam as mais belas pinturas advindas do pó antigo.
Os meteoritos se batiam intensamente, se separando e unificando, alguns traziam consigo elementos e outros condensados em centuriões de asteroides. Porém, um deles reagira estranhamente, sua força era intensa, puxando mais e mais para seu espaço, um gigantesco planeta se formava, algo único e poderoso. Sua imponência era tanta que sua mera existência afetava tudo ao redor, o próprio plano de Amissaeteri era puxado, se tornando uma lua do mesmo.
A Entidade sorriu com seu feito, viu o grande mundo vazio e se tornar o centro de tudo, mesmo sem ela ter pensado em tal, assim seria feito, assim seria decidido. A divindade desceu curiosa em direção ao plano novo, não havia nada, somente rochas unidas, ela queria tornar aquilo em algo maior, aquilo seria o campo de sua criação, algo único, algo jamais feito. . . Aquele era o centro do novo universo que havia criado.
Aquele mundo era seco, andar por ele era como caminhar em um rochedo irregular e afiado, ainda não havia ar, somente uma névoa gélida que cercava todo o planeta e se assentava em sua superfície. Ela viu que precisava equilibrar aquilo e com suas mãos atraiu os pequenos cristais de gelo que colidiram na crosta e formaram grandes montanhas brancas. O mundo agora tinha a água, mas estava tão frio que esta nada fazia.
Ela então puxou os gases e cercou o mundo com seu poder, mas não adiantou, o mundo tinha ventos fortes que levavam à neve, mas se mantinha frio. Então ela foi até o núcleo daquele planeta e viu que este estava morno, a entidade tocou no mesmo e seu centro aqueceu, as rochas ao seu redor começaram a derreter, os gases começaram a surgir e aos poucos eram liberados na superfície. As águas do mundo tiveram seu degelo e as tempestades cobriram tudo, raios caiam por cima dos grandes mares enquanto os vulcões expeliam a sua fuligem por todo aquele mundo.
O ser supremo observou calmamente tudo ocorrer, dos asteroides a invadir a camada de gás que cercava aos tornados que degradavam as rochas mais frágeis junto da água que caia em forma de chuva e batia contra elas pelas ondas. Enquanto via aquele mundo sem movimento tomar sua devida forma, algo a pegou de surpresa, cristais exóticos penetravam os céus e caiam sobre aquele mundo, eles traziam consigo uma energia nova, algo tão diferente que não havia nada que se assemelhasse no passado.
A deusa, curiosa com aquilo, viu estes afundarem com grande facilidade, indo para o centro de tudo, o planeta, antes sem ação… grunhiu e gemeu. O primeiro terremoto abalou tudo que existia na superfície, rachou vários pontos da crosta em pequenas fissuras. A entidade suprema se calou com o feito, era o primeiro som estranho que escutou desde os tempos imemoriáveis, desceu ao núcleo novamente e viu em seu centro ele se mover, não igual ao magma, mas como um ser vivo, procurando um caminho a seguir.
Ela viu os passos da primeira criatura, ela não tinha forma, assemelhava-se ao resto do núcleo, mas seu barulho era tensional e seu movimento era contrário a toda energia que de lá emitia. O ser estava preso no interior do plano, não sabia como sair, mas desejava o fazer, era como ver uma pequenina criatura em um frasco, sem forças, sem energia para se libertar. A Entidade viu o desejo do ser e se aproximou do mesmo, tocando e este reagiu, se afastando do toque. Ela sentia seu corpo mesmo sendo do mais puro magma.
A divindade a puxou do núcleo, dando-lhe sua liberdade. A criatura estava agora a rastejar lentamente, não conseguia fazer mais nada além de simplesmente existir. Ela não gostou do resultado e agiu em prol do primeiro ser, primeiro a moldou, dando-a forma similar à sua, mantendo-se ainda como uma figura rochosa. Após dar corpo, ela foi detalhar, sua pele era de uma cor marrom clarificada, com vários fios que cortavam seu corpo feitos do magma que compunha seu corpo.
Os cabelos do ser eram feitos do metal mais nobre, a platina compunha seus cílios e o ouro, suas mechas, os cristais mais belos formavam seus olhos e seus dentes eram feitos de prata. Suas unhas lembravam os rubis, em torno delas rodeavam 3 grandes esferas, a primeira feita de rochas azuladas e cercada de água, a segunda era dourada e iluminada e a última era composta de pedras cristalinas e de rochas avermelhadas.
Seu corpo era vultuoso e esbelto, batendo de frente até mesmo de sua criadora. O ser também era mais alto que a mesma. Ela não carregava nome e tampouco senso, seu conhecimento era idêntico à sua idade, era o primeiro ser a existir na nova era. A entidade Suprema se alegrou de sua involuntária criação, tampouco pensou que o primeiro ser viria tão cedo, mas ainda faltava muito para este ser entender o que estava o cercando.
A divindade então lhe deu o saber e o arbítrio, deste descobriu que aquilo não era somente um ser novo, mas sim, a personificação do grande mundo que ela andava. Em sua sabedoria, nomeou o primeiro ser.
— Tu és a primeira a existir nesta nova era, é única e unida a este mundo. Em breve, será tão poderosa quanto os que vierem, te chamarei de Una' e te presenteio com o saber e com o poder de decidir teu existir.
Una', agora se mostrava, andava por um momento, seu rumo por onde iria, todo aquele mundo era dela e a mesma se sentia confusa, não sabia o que seria a primeira coisa a fazer e tampouco seu primeiro desafio. Ela olhou para a sua criadora e a tocou com sua mão ardente, não mostrou reverência e tampouco hostilidade, somente um singelo ato de confiança.— Me ajude, eu ainda não sei o que fazer. — A deusa sorriu com o pedido da nova existência, viu inocência em seus olhos e gentileza em sua voz, era a primeira palavra que não saia de sua boca que ecoava naquele mundo.
Para a recém-nascida, era apenas um pedido, mas para a entidade, aquilo era seu maior sucesso. Ela acolheu o pedido de Una' e, aos poucos, guiou-a em seu mundo, quando tinha dúvidas, ela as sanava e quando precisava de sua ajuda, ela a orientava. Muitas vezes, foi contra ajudar diretamente a nova existência, ela queria que esta fosse independente como igual a ela, a divindade se contentou e os anos se passaram, cada vez mais Una' se fortalecia e tomava para si uma personalidade única.
Algo estava mudando naquele novo ser, algo que mudaria tudo… até mesmo… seu futuro.