A luz invade o quarto sem piedade, atravessando as cortinas mal fechadas e atingindo em cheio os meus olhos. Estou com a boca seca, parece que mastiguei areia a noite toda, e o gosto amargo do álcool ainda permanece na minha língua.
Faço um esforço para abrir os olhos, mas a claridade queima minhas retinas. Sento na cama com dificuldade e procuro meu celular, em vão. Na mesinha lateral, o relógio me avisa que dormi demais, já são 11h30.
— Droga! Perdi o passeio — murmuro.
Levanto um pouco atordoada e pego uma garrafinha de água no frigobar. Não lembro a que horas eu cheguei no quarto e nem quanto tempo durou a minha aventura da noite passada. Porém, ainda estou com o corpo moído e fadigado, como quem sofreu um acidente, tudo em mim dói. No calor das emoções de ontem, decidi bloquear o Leandro, não tenho psicológico para lidar com essa situação agora.
Mesmo querendo passar o dia deitada preciso me apressar, meu voo para Salvador sairá às 16h. Não sei como vou encarar meus colegas de trabalho hoje, o medo do desfecho de ontem me consome. Não faço ideia do que aconteceu depois que eu saí, estou curiosa e ao mesmo tempo, tenho medo de descobrir a verdade.
Débora chega da praia animada e conversamos assuntos triviais, enquanto junto minhas coisas. Tento focar o conteúdo da conversa em seu passeio matinal, para que ela não faça perguntas sobre ontem à noite. Ainda não absorvi os acontecimentos o suficiente, para arrumar uma desculpa convincente. Mas minha gentil assistente parece uma aspirante a detetive…
— Ficou chateada com alguém ontem? — Débora inicia o interrogatório.
— Como assim? Chateada por quê? — respondo, ainda procurando meu celular.
— Sei lá, você veio embora do nada. Nem me esperou.
— Desculpa, aquela mistura de drinques não deu muito certo. Fiquei tonta e subi pra dormir.
— Você tava num sono tão pesado hoje de manhã, que não consegui te acordar pra ir na praia comigo.
— Foram dias cansativos. Em Salvador iremos juntas.
— Combinado. — Ela ri em comemoração.
— Ufa! Achei. — Ligo o celular, coloco pra carregar e faço uma pergunta, já temendo a resposta:
— Débora, aconteceu algo de estranho ontem, depois que eu saí?
— Não, uma hora depois que você saiu, a farra acabou e todos se recolheram — diz ela, já na porta do banheiro. Ela se apressa para tomar banho e descer para o almoço.
Sem demora ela fica pronta e começa a juntar as coisas pra colocar na mala. É a minha vez de tomar um banho. Adoraria desfrutar dessa ducha refrescante por muito mais tempo, porém não posso me atrasar. Minutos depois saio do banheiro e ela se despede:
— Tô descendo! — grita, destrancando a porta do quarto.
— Tá bom. Não vou demorar.
Preciso me arrumar rápido. Escolho um vestido longo, branco com estampa floral azul, bastante confortável e ideal para quem participou de uma maratona de sexo na noite passada. Seria impossível vestir minha calça jeans, estou toda dolorida e minha parceira aqui embaixo agradece o breve descanso.
Óculos escuros, chinelos, fones de ouvido para evitar conversas chatas e estou pronta. Fecho minha mala e desço para encontrar o restante do grupo na recepção, em seguida partimos para o aeroporto.
Não tive tempo para almoçar no hotel, faço um lanche rápido e sigo para o portão de embarque, são 15h20. Na sala de embarque verifico as mensagens no meu celular, duas mensagens das minhas amigas e algumas do pessoal da empresa. Será que o Diretor Pervertido, mandou alguma? Não sei se desbloqueio. E se não tiver nenhuma mensagem? E se tiver e eu não gostar? Não vou desbloquear agora, prefiro viajar em paz.
Anunciam nosso voo e embarcamos, serão duas horas de viagem e terei tempo para começar a digerir toda a loucura desse fim de semana. Preciso entender em que momento a profissional digna, notável e dedicada se perdeu. Débora está no assento ao meu lado, estou na janela e ela no meio, o primeiro assento está vago.
Conversamos um pouco e ela logo adormece, aproveito o momento de privacidade, para analisar com calma os últimos acontecimentos. Pego minha agenda e organizo uma lista dos insanos episódios recentes…
Além de sedutor, provocante, perigoso e muito bom de sexo, as únicas informações que tenho sobre ele, são seu nome e o cargo que está ocupando na empresa recentemente. Pulamos o básico da conversa e eu nem sei qual é sua idade. Não sei onde mora nem se ele é solteiro. Será que sempre transa com estranhas em reuniões de trabalho? O que dizia o bilhete? Quem é a mulher misteriosa? Por que ele ficou tão nervoso?
São muitas dúvidas e mistérios, não bastasse isso, ainda me atormenta a preocupação com o trabalho, sumi após o jantar e não sei se meu chefe ficou chateado. Será que desconfia de algo? Alguém nos viu no jardim ou na escada? A Débora teria descoberto o real motivo do meu sumiço? As dúvidas e preocupações invadem meus pensamentos, sinto um frio na barriga por não saber o que me aguarda. Minha cabeça lateja, fico tonta e adormeço.
Chego em casa por volta das 19h, minhas amigas não estão aqui, certamente estão aproveitando a noite de domingo. Divido o apartamento com duas amigas, Júlia e Renata. Elas são divertidas, inteligentes e muito companheiras, são meu porto seguro.
O apartamento é básico, lindo, confortável e decorado com capricho. Temos três quartos, dois banheiros, sala, cozinha e uma bela varanda, onde costumamos sentar para conversar e relaxar. Nosso cantinho de paz é cheio de pequenas memórias das três: fotos, quadros nas paredes, almofadas coloridas, e o aroma suave de velas perfumadas que a Júlia adora espalhar por todo o lugar.
Estou no meu quarto me preparando para um bom banho, só quero colocar meu pijama e cair na cama. Meu celular toca, são minhas amigas, já me ligaram sete vezes hoje, preciso atender.
“Oi meus amores.”
“Olha só Jú, tá viva a bonita!”
“Viva não tenho certeza, mas sigo respirando.”
“Vem encontrar a gente. Estamos naquele barzinho, na esquina da casa do Renan.”
“Hoje não tem como”. Tô podre de cansada e amanhã vou acordar cedo”.
“Poxa Suzi, que saco. Estamos com saudades. Você sumiu, rapariga safada.”
“Também estou com saudades. E tenho muitas novidades pra contar.”
“Abandonou a gente, sua bandida. Tá com novas amigas?”
“Não abandonei ninguém. Amo vocês. Beijos. Até amanhã”.
Finalizo meu banho, estava tão reconfortante que cogitei ficar uma hora no chuveiro. Faço uma leve refeição e lembro de abrir o presente que o Leandro me deu. Fico encantada ao abrir a caixa, que agora já está toda amassada, ganhei uma bela e sexy lingerie vermelha, com detalhes em renda preta. O conjunto tem um espartilho, uma minúscula calcinha, cinta liga e meias.
Experimento o presente e para minha surpresa, coube perfeitamente em mim. Que olho clínico ele tem e um ótimo bom gosto. Depois dessa, acho até que ele merece ser desbloqueado. As mensagens dele chegam imediatamente. Recebo também as notificações de ligação, ele já me ligou dez vezes.
Leandro
[Bom dia meu amor, adorei todo o nosso dia de ontem, principalmente da aventura na escada. Por que sumiu?] 07:30
[Não te vi ir embora nem consegui ligar pra você. Tá chateada?] 07:32
[Estou indo agora pra São Paulo, quando chegar em casa me avise e conversaremos mais. Um beijo gostoso.] 08:00
[Cadê você, Suzana? Ligue pra mim assim que chegar!] 15:50
[Você me bloqueou? O que eu te fiz?] 16:35
[Preciso falar com você.] 18:10
As mensagens dele me deixam mais confusa e irritada. Ele fingiu que nada de estranho aconteceu e ainda fez cobranças sobre meu sumiço. Muito cara de pau, mesmo.
[Boa noite, Leandro! O dia de ontem foi bem inusitado. Você sumiu primeiro, logo depois de ler um bilhete.] 20:20
[Quer me contar alguma coisa?] 20:20
[Precisamos conversar e esclarecer muitas coisas.] 20:21
[Já estou em casa. Não me ligue hoje, estou cansada.]20:21
Guardo meu presente, deligo o celular preparando-me para dormir. Estou exausta física e mentalmente, preciso descansar, preparar meu psicológico para enfrentar a dura realidade amanhã.
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O relógio marca 8h em ponto, quando eu passo pela porta de vidro da empresa. Cumprimento os colegas da recepção com um sorriso discreto e subo as escadas em passos firmes até o meu escritório. A sala principal que é ampla e bem iluminada, já começa a ganhar vida, com os primeiros telefonemas tocando e o murmúrio baixo das conversas entre funcionários.
Poucos passos depois estou na minha sala, abro a porta e ao me sentar, o cheiro de café fresco me envolve. Meu computador já está ligado, e a primeira tarefa do dia pisca na tela: revisar o cronograma de reuniões do diretor-geral.
Estou terminando de preparar as pautas para a reunião principal, quando recebo uma mensagem do Leandro…
Leandro
[Bom dia, Suzana. Finalmente me desbloqueou. O que tá acontecendo?] 09:05
[Por que não me ligou nem deixou eu te ligar ontem? Já leu o e-mail que mandei?] 09:05
[Respondeu com frieza ontem e desligou o celular. Não estou entendendo nada. Por que tá agindo assim? Não gosto nada dessa sua atitude.] 09:06
Isso é o cúmulo do cinismo. O safado acha mesmo que pode me enganar, fingir que não teve uma discussão com uma mulher misteriosa? E ainda me faz cobranças.
[Bom dia Leandro, cheguei muito cansada e priorizei meu descanso.]09:07
[Não finja que não sabe o motivo da minha chateação. O fato de você achar que sou idiota, me deixa mais irritada.] 09:07
Ele faz o tipo autoritário e isso não me agrada, vamos ver até que ponto chega o controle. Não tenho paciência para joguinhos, ele terá que me dizer a verdade ou colocarei um fim nessa relação proibida, que nem deveria ter começado.
Fico distraída por alguns minutos pensando no meu recente envolvimento censurado... O telefone toca me trazendo de volta ao presente. É o Ricardo, perguntando sobre o status de um contrato importante. Ele é o diretor-geral da empresa.
— Já revisei tudo e enviei para o jurídico. Estará na sua mesa em cinco minutos — respondo, enquanto envio a mensagem para o departamento correspondente.
Com agilidade, organizo todos os compromissos da manhã, encaixando uma videoconferência com clientes internacionais às 11h e adiando uma reunião interna para o final da tarde, garantindo que tudo ocorra sem atropelos.
Estou indo almoçar, quando na recepção da empresa algo me chama a atenção… Algumas pessoas aguardam para a entrevista de emprego, estamos contratando estagiários. Seria uma cena comum de uma empresa desse porte, se dentre os candidatos, eu não avistasse um belo moreno de olhos claros, jovem, aparentando uns 25 anos, atraente e muito sensual. Algo nele é especialmente cativante, nossos olhares se cruzam por alguns instantes e sinto algo diferente.
Após alguns segundos de uma forte conexão, me retiro rapidamente. Admirar tudo bem, porém desejar poderá atrair mais confusão. Sem contar que se ele pretende ser contratado, significa que poderemos ser colegas de trabalho. (Não basta se complicar ficando com o diretor, vai jogar gasolina na fogueira querendo outro colega de trabalho, Suzana?)
Preciso me controlar e manter o foco nas minhas obrigações, devo evitar distrações, por mais tentadoras que sejam. Meu comportamento precisa ser impecável, eficiente e adequado para o cargo que ocupo e também, acho que ainda quero o Leandro. Mas primeiro preciso descobrir o que dizia no bilhete e quem era a mulher com quem ele estava discutindo. Devo estar ciente, se for algo que me envolva e possa me trazer problemas.
Sempre almoço no mesmo restaurante, perto do trabalho. Enquanto meu pedido não chega, aproveito para verificar minha caixa de e-mails. Estou curiosa para saber o que o Leandro me mandou de manhã, apesar de sua mensagem desaforada logo cedo:
"Bom dia, bela e fogosa secretária. Espero que tenha feito boa viagem. Aguardei sua ligação ontem à noite e você me ignorou, não gosto que me façam esperar. Dá próxima vez, ligue quando eu disser que é pra ligar. Nos veremos em breve, até lá, se comporte."
Estou chocada, que absurdo! O autoritarismo dele é irritante, o fato dele ser um dos diretores da empresa, não lhe dá o direito de mandar em mim, quanto mais fora da empresa. Nem sequer trabalhamos no mesmo local. Não liguei e não responderei seu e-mail, esse desaforo prefiro responder pessoalmente.
Terei que coordenar uma videoconferência que acontecerá agora às 14h, preciso garantir que todos os equipamentos funcionem perfeitamente. Durante a chamada, anoto os detalhes mais importantes pois, ao final, enviarei um resumo pontual para os participantes.
O dia está seguindo em um ritmo intenso, algo bem comum no meu cotidiano. Com precisão, me mantenho calma e eficiente, lidando com múltiplas tarefas ao mesmo tempo: responder e-mails, organizar documentos, conferir contratos e administrar pequenos imprevistos que surgem de última hora.
São quase 18h, reviso os relatórios finais do dia, passo as últimas instruções para minha assistente e organizo minha mesa, pronta para outro dia cheio. Finalmente o expediente está encerrado, estou ansiosa para chegar em casa e contar todas as novidades para as meninas.
O elevador chega ao sexto andar, suspiro de alívio. O corredor silencioso, é um contraste positivo ao caos do escritório. Ao abrir a porta do apartamento, sou recebida pelo som familiar de risadas e música baixa, vindo da sala.
“Finalmente em casa”, penso, enquanto jogo a bolsa sobre o sofá e chuto meus sapatos para longe. Renata e Júlia, estão esparramadas no sofá com taças de vinho nas mãos. Renata, com seus lindos cabelos cacheados, ri alto de algo no celular, enquanto Júlia, sempre tão organizada, folheia uma revista de moda.
Renata Duarte é a mais tagarela, tem 24 anos, é morena e de altura mediana. É estudante de nutrição e nos ajuda a manter a dieta, ou, pelo menos, tenta. Júlia Lacerda tem 26 anos e é formada em arquitetura, é alta, de cor clara e tem longos cabelos acobreados. Ambas são solteiras e muito baladeiras, aproveitamos bastante os dias de folga em baladas ou barzinho, nunca falta diversão.
— Olha quem chegou! — Brinca Júlia, erguendo a taça num gesto de saudação. — Como foi seu dia, executiva?
— Longo. Muito longo amiga. — Respondo, enquanto caminho até a cozinha para pegar um copo d’água. Sinto-me esgotada, porém o simples fato de estar em casa com elas, traz um conforto imediato.
— Boa noite dona Suzana, pensei que tivesse se mudado e esquecido de avisar as amigas! Mal falou com a gente ontem quando ligamos!
— Deixa de drama, Renatinha! Viajei a trabalho, não podia falar com vocês toda hora, por mais que eu quisesse. Ontem cheguei exausta e dormi cedo, mas tenho muitas novidades pra contar. Vou tomar um banho e já volto.
— Banho nada! Primeiro um abraço nas amigas e conta logo essas novidades, estou curiosa. Aposto que aprontou alguma coisa.
— Calma Jú, preciso mesmo de um banho. Não se preocupem, não vou fugir.
Abraço minhas queridas amigas e sigo para o banho. No jantar, começo a contar os detalhes da minha aventura proibida, com meu diretor insano. Elas ficam espantadas, dizem que parece ser coisa de filme, eu também não acreditaria se alguém me contasse algo assim.
— Quem diria, hein? A renomada executiva, sempre séria e disciplinada, saindo da linha — comenta Renata, divertindo-se com a situação.
— Suzi, você ficou completamente maluca! Já imaginou o que aconteceria se te pegassem transando no jardim, na sala de reuniões, ou na escada do hotel?
— Eu sei que é loucura Jú, mas o momento foi tão intenso, que não pensei em nada, apenas aproveitei bastante.
— E essa tal mulher, de onde saiu? — Pergunta Renata e preenche a taça com mais vinho.
— Não faço ideia amiga, mas acho que era a esposa dele.
— Não viaja Suzi, eu até acho que ele pode ser casado. Mas se essa mulher fosse a esposa dele, não ficaria escondida.
— Não tinha pensado nisso, Jú. Faz sentido. — Concordo e coloco um pouco de vinho na minha taça.
— O mais provável é que seja uma amante. Ele pode ter um caso com outra funcionária — comenta Renata.
— Pior que pode ser isso mesmo. — Engulo um gole vinho, amargando essa conclusão.
— A empresa deixou de proibir relacionamentos entre os funcionários? — pergunta Renata.
— De forma alguma amiga, essa é uma das regras mais cobradas.
— Ou seja, você se lascou. Quebrou as regras, gostou e pretende continuar.
— Tipo isso Jú. Não sei o que tá acontecendo comigo. Não consigo controlar o desejo.
Minhas amigas imploram por uma foto dele, mas não tenho nenhuma para mostrar, mostro apenas o presente que ganhei. Estão ansiosas para saber quando será meu próximo encontro.
Também estou ansiosa para revê-lo, não apenas por um desejo fulminante, mas também, para esclarecer alguns pontos. Não gostei nada do seu autoritarismo, não suporto ser controlada e não vou cair em um jogo de mentiras. Preciso saber se ele tem outra pessoa, principalmente se for alguém da empresa.
Ficamos até tarde conversando na varanda, elas me contam também sobre o fim de semana, planejando a próxima balada. Já me intimaram para ir com elas numa festa na casa do Renan e não aceitaram recusa.
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Os últimos dias passaram num ritmo acelerado, quase indistinguíveis uns dos outros. Estive tão focada nos prazos e nas reuniões que as horas pareceram escapar por entre meus dedos. Os compromissos da semana foram tantos, que mal lembro qual foi a última vez que consegui treinar, faltei na academia a semana toda. E, então, de repente, já chegou a sexta-feira. A semana passou num piscar de olhos, só agora me dei conta de que o Leandro sumiu. Não recebi nenhuma mensagem dele ou e-mail esses dias.
Eu também não entrei em contato com ele, fico imaginando o que possa ter acontecido. O óbvio é que ele seja casado, comportamento bem típico dos cafajestes. Durante a semana fazem o papel de “santinhos” com suas esposas e no fim de semana saem à procura de aventura. Não aceitarei mais sair com ele, se realmente for casado. É bom mesmo que seja casado, assim me afasto de vez.
O relógio na parede marca 19h35, quando finalmente salvo o último arquivo e fecho o notebook. Estico os braços, sentindo meu corpo pesado depois de um longo dia. Recolho alguns papéis da mesa, ajeito a cadeira e, por fim, pego minha bolsa.
A sala principal, que mais cedo estava repleta de telefonemas, discussões sobre contratos e o som dos teclados, agora está silenciosa. Apenas o som baixo do ar-condicionado preenche o espaço. Ao atravessar a porta de vidro, sinto um misto de cansaço e alívio. Mais uma semana cansativa e turbulenta, porém tudo está sob controle.
Na saída do prédio, a noite já brilha majestosa, respiro fundo ao sentir o ar fresco da rua. Caminho sem pressa até o estacionamento, meus passos reverberam no espaço vazio, destravo a porta apertando o botão do controle e entro no meu carro. A cidade ao redor pulsa vida, com os primeiros sinais do agito de uma noite de sexta-feira. Mas dentro de mim, já me desconecto do ritmo frenético, pouco a pouco, entrando no modo “descompressão”.
Quando a porta do apartamento se abre, sou recebida pelo som abafado de música e o aroma familiar de comida caseira. As luzes da sala estão acesas, e uma sensação imediata de paz me envolve.
Renata e Júlia, como sempre, já estão em casa, e o rastro da rotina animada delas está por toda parte: uma jaqueta jogada no sofá, sapatos espalhados perto da porta e livros abertos sobre a mesa de centro. Tomara que a moça da limpeza possa vir amanhã fazer uma faxina.
— Até que enfim, hein? — Brinca Renata, surgindo da cozinha com uma panela na mão.
— Achei que você ia dormir no escritório hoje.
Júlia saindo do quarto, faz um gesto dramático com a mão, fingindo empatia. — A vida de uma executiva poderosa nunca para, né? — diz, lançando um olhar debochado.
— Quase isso — respondo suspirando e largando a bolsa numa cadeira. — Hoje foi um dia extremamente puxado, daqueles que parece que nunca vai acabar.
— Mas já acabou, e agora você está em casa. Vai tomar um banho e relaxar. Temos macarrão ao molho branco, brigadeiro de panela, vinho e um filme escolhido pra noite — comenta Renata.
— Comida boa, filme e vinho? — pergunto, abrindo um sorriso cansado, porém genuíno. — Vocês sabem exatamente do que eu preciso.
— Sempre — responde Júlia, já pegando uma taça extra no armário pra mim. — E não adianta dizer que só vai tomar água. Hoje você vai relaxar, sem desculpas.
No banheiro, a água quente escorre pelos meus ombros, levando embora o peso do dia e os resquícios de estresse da semana. Cada gota parece uma pequena libertação. Minha mente, antes repleta de listas de tarefas, compromissos e cobranças, agora está quieta, permitindo que eu foque apenas no momento.
Após o banho, visto um pijama confortável e volto para a sala, onde as meninas já me esperam. Acomodadas no sofá, com taças de vinho sobre a mesa e o controle remoto em mãos.
— Hoje é noite de filme de comédia, sem dramas nem terror, por favor! — diz Júlia, enquanto me jogo entre as duas.
— Ninguém vai comer? — pergunta Renata, partindo em direção a cozinha.
— Claro que sim, estou faminta — respondo e sigo atrás dela. Vamos jantar no sofá hoje.
Decidimos pela comédia: “Minha mãe é uma peça”, preciso de um filme engraçado para me distrair dos meus pensamentos turbulentos.
O filme é ótimo, damos boas risadas e consigo relaxar. Já são quase 23h e elas ainda querem tomar mais vinho e conversar, no entanto preciso dormir, pois amanhã ainda será dia de trabalhar.
O despertador toca às 7h, rompendo o silêncio suave dessa manhã de sábado. Estico o braço para desligá-lo, com um suspiro profundo de cansaço. Permaneço por alguns segundos deitada, meus olhos ainda fechados, sentindo o peso do corpo colado ao colchão.
Trabalho aos sábados, por meio período, uma vez ao mês e para o meu azar, hoje não estou de folga. As responsabilidades no escritório exigem minha atenção, e há uma reunião de emergência marcada para hoje, algo que surgiu de última hora.
— Não acredito que estou fazendo isso em pleno sábado, que saco — reclamo, enquanto finalmente me obrigo a abrir os olhos.
A luz suave da manhã entra pela janela, revelando o céu claro e sem nuvens. Um dia bonito demais para ser desperdiçado em reuniões, porém já estou acostumada com este tipo de sacrifício, pelo menos o salário compensa. Com um movimento preguiçoso, me levanto, sentindo o conforto do tapete macio sob meus pés.
O apartamento ainda está em silêncio, minhas amigas certamente aproveitarão para dormir até mais tarde. Atravesso o corredor, bocejando, e me arrasto até a cozinha, vou preparar um café forte. Enquanto a cafeteira borbulha, olho para o relógio na parede. Tenho pouco mais de uma hora para estar pronta.
Dou um gole no café, sentindo a energia começar a fluir, e vou direto para o banheiro. A água morna ajuda a espantar o resto do sono, e minha mente já está focada nas tarefas do dia. Mesmo sendo sábado, o ritmo acelerado da semana ainda está fresco na minha memória: reuniões intermináveis, decisões de última hora e uma pilha de documentos para revisar.
— Hoje, pelo menos, será mais tranquilo. — Tento me convencer disso, sabendo que reuniões no sábado raramente são simples.
De volta ao quarto visto algo prático, porém profissional. Uma calça social preta e uma camisa branca de seda, combinadas com um sapato baixo e confortável. Não preciso exagerar no look, mas também não posso aparecer de forma desleixada, mesmo que seja sábado.
Arrumo o cabelo rapidamente, optando por um coque alto e prático, e faço uma maquiagem discreta, apenas para dar um ar de mais “acordada” à minha expressão cansada. Confiro mais uma vez se estou apresentável, tudo certo. Meu celular vibra…
Leandro
[Bom dia meu amor, uma semana sem contato seu é demais. Não se afaste de mim.] 07:35
[Não liguei antes porque tive uns compromissos e imprevistos. Quero você outra vez, beijos.] 07:35
Imagino perfeitamente quais sejam os compromissos: esposa e filhos. Ele está ignorando totalmente os últimos acontecimentos, mas não deixarei passar batido.
[Bom dia Leandro, não sei se continuaremos com isso. Temos que conversar.] 07:35
Ao sair do quarto, cruzo com Renata, que aparece sonolenta na cozinha, vestindo um pijama verde e coçando os olhos.
— Bom dia, amiga.
— Bom dia, Suzi! Cadê seu biquíni? — pergunta ela, debochando.
— Engraçadinha. Curtam por mim, na próxima eu irei.
Está uma agradável manhã de sábado, teremos um belo dia de sol e eu adoraria ir à praia com as minhas amigas. Porém, alguém precisa ser responsável e ir trabalhar. Mereço isso, depois de agir de forma tão inconsequente na semana passada. Valeu universo.