Meus olhos abrem vagarosamente e após um bocejo, viro para o lado puxando a coberta até o queixo. Fecho os olhos novamente e espero o download da alma ser feito no corpo.
— Mel! Já são 7h25 — Sávio grita, esmurrando a porta. — De que horas começa sua aula?
— Merda! — murmuro, abrindo o olho abruptamente e pulando para fora da cama. — Já estou de pé!
Ouço apenas o som da sua risada do lado de fora.
— Tenho que ir trabalhar. Você tem dinheiro para o táxi?
— Sim — respondo, olhando para o caos que está no quarto e tentando organizar meus pensamentos.
Mudanças poderiam ser mais fáceis.
— Não se atrase para a aula — provoca Sávio, dando batidinhas suaves na porta.
— Dane-se! — grito, com uma pitada de irritação no peito. — Ok, vamos por partes! Preciso de roupas, banho e comida. O que fazer primeiro? — falo, passando as mãos nos cabelos.
Argh!
Optando por começar pelo banho — devido a ele ser o mais demorado da lista —, saio do quarto e vou para o banheiro logo em frente. Logo que tiro a roupa, me apresso em ir para o banho. Por não ter tempo para ajeitar o cabelo como quero, decido não molhar ele. Após tomar o banho mais rápido da história, me enrolo na toalha e já corro para escovar os dentes. Conforme esfrego a pasta nos dentes, dou uma leve conferida no aspecto do meu rosto no espelho — devido as poucas horas de sono. Noto um sutil inchaço nos olhos e na pele, algumas marcas do tecido do travesseiro.
Nada preocupante. Isso vai sumir no caminho até a faculdade.
Ponho água na boca para retirar a pasta de dente e volto para o quarto. Assim que fecho a porta, agarro a mala e ponho em cima da cama. Depois de abrir, jogo as roupas que não vou usar para os lados. Após jogar quase todas as roupas, encontro uma blusa de gola alta para usar com a calça jeans que escolhi. Tendo as peças em mãos, trato de vesti-las ligeiramente. Em seguida, puxo o coturno que usei ontem, próximo à cama e calço. Antes de ajeitar o cabelo, pego o celular na mesa de cabeceira ao lado da cama e dou uma verificada na hora.
— Inferno! — amaldiçoo ao descobrir que já são 7h50.
Coloco o celular de volta na mesinha ao lado da cama e faço um coque mais despojado. Antes de sair puxo a jaqueta que usei ontem e a mochila, que estão joguei no outro lado da cama de casal. Estando com o celular, caminho às pressas para fora do quarto.
Chegando do lado de fora, passo pela sala de jantar e estar e vou para a cozinha. Antes de sair do apê, dou uma passadinha na geladeira para pegar uma maçã verde pra comer no caminho. Pondo a maçã por alguns segundos na pia e chamo o táxi e só quando vejo que ele está vindo, é que desço.
À medida que o carro se aproxima da universidade mais boquiaberta vou ficando, pois o lugar aparenta ser gigantesco. O lugar ostenta uma fachada imponente, nos tons azul-escuro, laranja e branco. No muro, próximo ao portão de entrada, foi colocado com letras grandes: Universidade Unieras. Logo que o automóvel parar, agradeço ao motorista e saio. Com os pés na calçada da universidade, tenho que conter tamanha alegria — depois de anos tentando, finalmente consegui entrar. Inspirando profundamente, dando alguns passos, com um sentimento de incredulidade no peito.
— MEL! — grita uma voz que me soa familiar. Viro-me no mesmo instante para ver de quem se trata.
Ao ver Micael, correndo para me alcançar, não contenho o sorriso. Ele corre com a boca entreaberta, enquanto o vento bagunça seus cabelos. Sua blusa do Nirvana tremula com o vento, marcando ligeiramente seu corpo magro.
— Atrasada também? — pergunta ele ao se aproximar, pondo uma das mãos na barriga e inspirando e expirando algumas vezes.
Eu apenas assinto, ainda dando risada.
— O que foi? — questiona ele franzindo o cenho.
— Você precisa se exercitar, cara — comento para ele e volto a caminhar.
— Ahh! — Micael resmunga, em seguida escuto o som de sua gargalhada. — Melina, você é uma garota má — retruca ele, logo que me alcança.
— Não vejo assim. Prefiro acreditar que estou falando para o seu bem — rebato, passando pelos amplos portões da faculdade.
Enquanto Micael acha minha ironia engraçada, eu apenas paro e fico observando o campus.
— Ter um automóvel, é prejudicial ao que parece. Confesso, desde que comprei minha moto, fiquei sedentário — confessa ele, logo atrás de mim.
— Cara, isso é maior do que eu imaginava — comento, com uma expressão que devia beirar ao patético.
O lugar tem uma extensão enorme. A Unieras é o tipo de lugar que precisa de mapa para se guiar. Os prédios estão espalhados por todos os cantos do campus. Em meio as minhas pesquisas, descobri que eles têm: ginásio poliesportivo coberto, quadras externas de vôlei, basquete e campo de futebol society.
— Você já sabe onde fica sem bloco? — pergunta Micael, me arrancando dos meus devaneios.
— Não faço ideia, e ao que parece vou levar um baita tempo para descobrir — respondo, voltando minha atenção para ele.
— Posso te levar lá se quiser — propõe ele, mordiscando o lábio inferior.
Fico o encarando por mais tempo que deveriam. Só quando um sorriso travesso surge em seus lábios, respondo:
— Claro!
Caminhamos lado a lado, num ritmo particularmente agradável. O campus está um pouco vazio, tem pouquíssimas pessoas do lado de fora. Durante o percurso, Micael vai me falando a respeito de cada bloco.
Estamos passando no bloco reservado para direito e administração, quando uma voz aguda e com uma entonação melosa grita:
— Mica!
Paramos no mesmo instante e Micael se vira mais rápido do que eu.
— Jade — ele diz, enquanto reviro os olhos.
Fixo no rosto uma máscara de alegria e me viro para encará-la. Ao vê-la me deparo com uma típica Barbie. Com roupas no tom predominante rosa, cabelos loiros e olhos azuis quanto o mar. Inspiro profundamente, enquanto Micael caminha até ela e eu o sigo. Assim que nos aproximamos, Jade põe seus braços em volta dele, o abraçando.
Bufo.
— Justamente com quem eu precisava falar. Estava a quase te ligando — fala ela sorridente e com os olhos brilhando.
— Claro! Eu só preciso deixar a Mel no bloco dela — conta ele, me dando um sorriso ao me olhar.
Jade pigarreia.
— Ah, e por falar nisso, essa é a Melina. Ela vai cursar educação física — conta Micael apontando para mim e volta sua atenção para Jade.
— Sou a Jade, prazer e seja bem-vinda a Unieras — diz ela, esticando a mão para mim e me dando um meio sorriso.
— Obrigada — digo, pegando sua mão e lhe dando um meio sorriso.
— Podemos nos falar na hora do almoço? — pergunta Jade, dando de ombros.
— É, pode ser — responde Micael, sem muito entusiasmo.
— Perfeito! — afirma ela com alegria. — Tchau, Melina.
Assim que Jade sai, Micael e eu voltamos ao nosso tour em completo silêncio.
Logo que chegamos ao bloco reservado para a área de educação física, não consigo conter a felicidade e digo:
— Ai, meu Deus!
— Prontinho, esse é o seu bloco — diz Micael, tão perto que soou quase como um sussurro.
— Obrigada — murmuro, virando-me para encará-lo.
Isso deixa nossos rostos a milímetros um do outro.
— Não precisa agradecer, foi um prazer ajudar — devolve ele, passando a língua nos lábios na sequência. — Bom, tenho que ir agora — fala pondo uma distância entre nós.
Eu apenas assinto.
— Boa aula — deseja ele e se afasta com passos apressados.
Fico vendo ele se afastar por alguns segundos, antes de seguir para a sala. Ao me aproximar da porta, dou leves batidinhas e após ouvir o pode entrar é que giro a maçaneta.
— Desculpas — peço ao ver o professor.
— Já passam dos 5 minutos de tolerância. Dessa vez deixarei passar, mas peço que isso não se repita, moça — avisa o professor passando a mão na barba.
Concordo com um leve balançar de cabeça. Em seguida, me sento na última fileira de cadeiras, atrás de uma menina de dreads. Ao passar, ela me cumprimenta com um sutil aceno de cabeça.