2. Garota inconveniente
Mas, antes que sua boca explore a minha, o toque repentino de seu telefone nos impede.
Droga, maldita ligação!
Ao abrir meus olhos, vejo Micael respirando fundo, ele fecha os olhos e aperta os lábios um contra o outro. Relutantes, nós afastamos; ele por sua vez volta sua atenção para o telefone, que está em seu colo. Ao ver a tela do celular, bufa ligeiramente.
— Oi, Jade — ele diz, após colocar o telefone na orelha, com um tom de voz seco.
Desvio o olhar e encaro o meu celular por alguns segundos, tentando recuperar a dignidade. Após inspirar uma, duas, três vezes, ergo a cabeça e olho para frente e me deparo com Sávio que se aproxima. Sávio e eu nos encaramos por breves segundos, antes de eu voltar minha atenção para Micael. Ele apenas assente em silêncio, mas me encara assim que percebe meu olhar.
— Desculpa, é trabalho — ele sussurra, afastando o celular da orelha por um segundo.
— Tranquilo — digo no mesmo tom.
— Desculpa a demora, encontrei uma cliente da academia — conta Sávio com a entonação baixa, enquanto coloca o celular na mesa e puxa a cadeira.
Após se sentar, ele me encara por longos minutos.
Reviro os olhos, dando um meio sorriso.
Sávio pega rapidamente o celular e começa a digitar. Fingindo verificar algo no telefone, faço o mesmo.
Sávio
“O que houve, por que você está com essa cara fechada? Ele não fez nada?”
A notificação chega, enquanto ainda estou escrevendo a minha. Faço uma careta ao ler sua mensagem, apago o que estava digitando e escrevo uma nova resposta.
“A gente estava quase lá, quando a maldita Jade ligou. Saco!”
Sávio solta uma risadinha. O que atrai a atenção de Micael. Eu o chuto por debaixo da mesa.
— Aí! — ele reclama, estreitando os olhos para mim. Em seguida volta a atenção para o telefone.
Assim que vejo sua mensagem, tenho o desejo de chutá-lo mais uma vez. Ver sua cara debochada, me irrita profundamente.
— Hoje não dá, tô no bar com uns amigos — explica Micael, atraindo nossa atenção. — É, me dei uma noite para descansar. Tô aqui com o Ravi.
Eu me seguro para não revirar os olhos. Olho para Sávio que tem uma expressão divertida estampado no rosto. Quando uma dúvida nasce em meu cérebro, então pego meu celular e digito rapidamente.
“Ele não é comprometido não, né? 😱”
Ao encarar meu primo vejo a diversão cintilar em sua íris. Após ler a mensagem, ele cobre a boca com a mão. Tenho vontade de chutá-lo novamente, mas me contenho por conta de Micael. Após o que soa pra mim como uma eternidade, a resposta de Sávio chega.
Sávio
“E… Mel… hahahaha”
“Não faço ideia! Mas ao que tudo indica o Micael tem uma admiradora declarada.”
Bufo ao ler a mensagem.
— Se você faz questão, podemos conversar sobre isso amanhã. — fala Micael, atraindo nossa atenção.
Depois de alguns minutos em silêncio, Micael apenas assente.
Olho para Sávio, que me encara com os cantos dos lábios tremendo. Estreito os olhos para ele, mas meu ato de intimidação resulta apenas numa risada abafada.
Dou um longo suspiro frustrada, sentindo o olhar de Micael sobre mim.
Que ódio!
— Certo, tchau! — ouço Micael dizer, enquanto ponho o celular no colo e tomo um gole do meu drinque.
— Um homem de negócios bem-sucedido — comenta Sávio, com um brilho sutil nos olhos.
Micael inspira profundamente, antes de dizer:
— Quem dera eu fosse.
Sávio e eu trocamos olhares, enquanto Micael estica o braço e pega um pedaço de carne e põe na boca.
Pigarreio.
— É… Tenho certeza que a banda já tem um público formado — comento, devolvendo o copo para a mesa e mexendo a bebida com o canudo por um segundo.
— É… sim — começa ele, ganhando minha atenção. — Só é um público pequeno ainda. A Jade está nos ajudando com o marketing. Ela está fazendo um excelente trabalho, modéstia parte.
Tenho que me controlar para não revirar os olhos ao ouvir o nome dela.
— E como se chama sua banda? — pergunta Sávio se inclinado sobre a mesa. Logo depois pega uma batata e joga na boca.
— Nação errática — responde Micael, com um brilho sutil nos olhos.
— Impactante! — afirmo, ganhando um largo sorriso de Micael.
— Achei criativo — Sávio comenta, após tomar um gole de seu whisky.
— Bem que você poderia dar uma palinha pra gente de como é seu show no karaokê. — Minha sugestão faz Micael dar uma risadinha. Mas, antes que ele possa me responder, o telefone toca novamente.
— Fala sério! — resmunga, antes de pegar o celular. — Ravi? — pergunta, franzindo o cenho ao encarar a tela do aparelho, mas atendendo rápido à chamada. — Oi, irmão.
Sávio e eu olhamos um para a cara do outro por um instante antes de voltarmos nossa atenção para Micael.
— Ah… — murmura, soltando um risinho travesso. — Entendi! Pode deixar que aviso ao pessoal aqui.
— Tá tudo bem? — questiono, não conseguindo conter a curiosidade.
— Sim! Só o Ravi que teve que ir embora — responde, balançando a cabeça negando, mas mantendo um sorriso fixo nos lábios. — Ele pediu desculpas.
— Tranquilo, imprevistos acontecem — diz Sávio com rapidez, pondo um pedaço de carne em seguida.
— É… — murmuro.
— Bom, o lance de cantar no karaokê… — diz Micael me olhando com a diversão estampada no cara.
Compreendendo onde ele quer chegar, eu balanço a cabeça em negação.
— Eu aceito, contanto que você seja minha dupla.
— Sim! — grita Sávio, antes que Micael ou eu tenhamos chance de falar.
— Ah, cara, não — resmungo, jogando a cabeça para trás e dando um riso nervoso.
Ouço Sávio gargalhar.
— O quê? Vou estar lá com você, te ajudo no que precisar — argumenta Micael, ganhando minha atenção.
— Isso, ele não vai deixar jogar tomates em você. O Micael vai salvar a apresentação — provoca Sávio numa risada alta.
Dessa vez é Micael quem dá uma gargalhada.
Ao olhar para ele, dou outro chute em sua perna por debaixo da mesa.
— Aí! — reclama Sávio, levando a mão até o local, enquanto ambos os rapazes caem na risada.
— Ok, vamos lá — diz Micael se levantando da cadeira.
— O quê? — digo incrédula, ao passo que ele dá a volta em sua cadeira e se aproxima de mim.
Dou uma risada nervosa.
— Vem, vamos comigo — Micael fala inclinando-se, agarrando minhas mãos e puxando-as suavemente para si.
Sem conseguir dizer não, acabo cedendo aos seus apelos e me levanto. Ao estar de pé, tenho que inclinar minha cabeça para olhá-lo, e só então percebo o quão claro são seus olhos. Eles lembram o mel, as mãos delicadas dele envolvem as minhas e as apertam de maneira sutil.
— Você é o cara — comenta Sávio, após pigarrear.
— Vai à merda, Sávio — murmuro, enquanto Micael me conduz delicadamente pela mão.
— Acho que vou até gravar esse momento tão… ilustre — afronta Sávio.
— Seu maldito! — grito, antes de perdê-lo de vista.
— Micael… — falo hesitante, me inclinando para perto dele. — Você tem certeza disso? Não acha melhor voltarmos para a mesa?
— Nossa, não achei que fosse tão tímida — ele fala por cima do ombro, enquanto passamos nos espremendo por entre pessoas e cadeiras.
— Só não acho que desafinar e cantar seja uma boa combinação. — Dou de ombros.
— Fala sério, tem um monte de gente que faz isso — retruca ele, dando um delicado aperto em minha mão.
— Tá bom, tá bom!
Ele dá uma risadinha, como se estivesse se divertindo com a minha desgraça.
Assim que nos aproximamos do palco, tivemos que esperar alguns poucos minutos — um casal que estava finaliza sua apresentação. Logo que eles descem, Micael sobe depressa, com a empolgação iluminando seu rosto. Ele tira os microfones dos pedestais com agilidade e com um sorriso encorajador, me espera.
Me aproximo dele insegura, ele me entrega um microfone, que agarro sem muito entusiasmo.
— Qual gênero musical você curte? — pergunta ele baixinho, estando com o rosto a centímetros do meu. O que me faz sentir sua respiração.
Sua aproximação afeta consideravelmente minha concentração, me fazendo ficar em silêncio, tentando lembrar do que ia falar.
— Pagode! — digo, enfim, encontrando as palavras.
— Sério? — questiona ele, erguendo as sobrancelhas.
Abro a boca para sugerir outra coisa, mas ele é mais rápido.
— Qual música?
— Diferentão — respondo hesitante.
Sem dizer mais nada, Micael se afasta e vai até o funcionário para pedir a música.
Me viro para a plateia, com o coração batendo a mil por hora no peito, enquanto aperto nervosamente o microfone. Olho na direção da nossa mesa e encontro Sávio sentado na cadeira de Micael, buscando ter uma visão melhor da apresentação.
— Vai Melinaaa! — grita Sávio, fazendo o sentimento de vergonha triplicar em mim.
Quando o toque da música começa, um pouco da minha vergonha se dissipa e me viro para o telão. Com a visão periférica vejo Micael se aproximando, olho para ele rapidamente e após receber um joinha seu, volto minha atenção para a TV. Assim que Micael se posicionou ao meu lado, ele envolve minha cintura com um de suas mãos e apertou delicadamente.
A música começa e Micael é quem toma a iniciativa. Ele canta no beat exato da canção e sem errar uma palavra. Sua voz rouca e afinada preenche o ambiente, arrancando alguns aplausos e gritos de empolgação. Não posso conter a surpresa ao vê-lo cantar tão bem um gênero oposto do gosta. O aperto sutil em minha cintura, me faz lembrar que tenho que me juntar a ele. Envergonhada, minha voz sai baixa e diferente da dele, longe de está afinada. Mas a letra da música, gravada ao longo do tempo, sai com facilidade. Sem a necessidade de estar lendo na televisão. Em meio a alguns trechos da música, sinto o olhar de Micael em mim. O que me faz sorrir ligeiramente.
À medida que o tempo passa, mais pessoas gritam e assobiam para nossa performance. Mais para o fim da apresentação, me sinto mais relaxada e me permito me soltar, cantando mais alto na última parte da canção. Assim que a música acaba, olho para Micael e o encontro a me encarar com um semblante alegre.
— Você foi demais — ele sussurra, após passar a língua nos lábios.
— Você também — digo no mesmo tom.
Ele tira a mão da minha cintura e pega meu microfone. Mas antes que possa levá-los ao pedestal, um funcionário do bar vem até nós e os leva. Descemos do palco ao som das palmas da plateia. Caminhamos até nossa mesa recebendo eventuais elogios do público.
Assim que chegamos ao nosso lugar, Sávio já está em sua cadeira.
— Uauu! Que apresentação — comenta Sávio, nos aplaudindo, enquanto nos sentamos. — Que voz meu amigo, Micael.
— Obrigado — agradece Micael, dando uma risada nervosa.
— Sim! Sua voz é linda — comento, me ajeitando em minha cadeira e fazendo Micael ficar ruborizado.
— Vocês estão exagerando — diz ele, tomando o último gole de seu whisky.
— Sabe, tô pensando aqui… — começa Sávio com um olhar travesso. — Acho que agora, só tá faltando o Micael dar aquele treino de musculação.
— Quê? — diz ele, com os olhos arregalados.
— Nossa, verdade — digo, encarando Sávio com a aprovação estampada no olhar.
Micael gargalha.
— Ok, acho justo — ele comenta, me encarando e contendo o riso.
— Cara, que azar o seu — provoca Sávio. — Essa mulher tem muita força.
Micael olha pra mim com a malícia brilhando nos olhos e fala:
— Não tenho músculos grandes, mas juro que consigo erguer bastante peso.
Fico corada com seu comentário, enquanto Sávio dá uma risada abafada.
— Não duvido disso — digo com o tom de voz baixo, empurrando o copo quase seco e me inclinando sobre a mesa.
Involuntariamente um bocejo escapa.
— Ihh… Acho melhor irmos — pondera Sávio, olhando seu celular. — Uau, são 1h da manhã já.
— Que tal tomarmos a saideira e vamos embora — sugere Micael, alternando o olhar entre mim e Sávio.
— Passo — digo, dando outro bocejo.
— Vamos lá, eu topo — responde Sávio prontamente.