Oito minutos. Desde a última mensagem. Vejo a hora no celular pela milésima vez.
Cadê você, Sávio?
Bufo irritada.
Parte de mim entende o motivo da sua demora, uma vez que o trânsito em São Paulo não perdoa. A outra que só quer entrar logo e se divertir. Além de querer um lugar quentinho para me abrigar desse inverno. Envolvo ainda mais a jaqueta jeans ao redor do corpo na tentativa de me manter mais aquecida. Olho para a fachada escura do bar de novo, ele me soa cada vez mais fascinante, com seu estilo industrial, janelas largas e luzes âmbar… Tudo parece me atrair, como se lá a vida fosse mais intensa — literalmente. Quanto mais olho para ele, mais anseio estar lá dentro junto ao pessoal, compartilhando da mesma alegria e entusiasmo momentâneo. Pela quantidade de pessoas que vejo entrando, imagino que o bar deva estar lotado. O barulho que ouço vindo de lá e dos comentários das pessoas que saem dão a entender que as coisas lá estão bem divertidas. Começo a respirar fundo para conter a raiva. Pego o celular e estou prestes a discar o número de Sávio, quando um carro da cor escarlate para na frente do bar. A esperança ressurge como uma fênix dentro de mim. Buscando achar um meio-termo para controlar minha curiosidade e o meu desespero, tento descobrir quem vai descer. Ao ver seu coturno creme surgir na calçada, tenho que me controlar para não esganar ele.
— Melina! — Ele diz, ajeitando sua jaqueta verde-militar, enquanto o encaro de maneira incisiva.
Os passos lentos, a feição despreocupada… tudo nele parece gasolina jogada no fogo da minha irritação.
— O que foi, morena? — questiona, fechando a porta do carro e em seguida passando a mão nos cachos escuros que caíam sobre seu rosto.
— Que demora, mano! — retruco, batendo a palma da mão nas laterais do corpo.
— Desculpa, o trânsito tava terrível. Ao que parece a Vila Madalena inteira resolveu sair de casa hoje — argumenta, se aproximando e colocando as mãos nos meus ombros.
Desconfiada, o encaro face a face, já que temos a mesma altura e estreito os olhos pra ele. Fazendo-o soltar uma risadinha.
— Tá bom, vamos entrar logo — digo, me dando por vencida e me afastando. — Não vejo a hora de sair desse frio e tomar uma caipirinha.
Ele gargalha e em seguida fala:
— Já que você quer se divertir tanto, que tal você e eu nos arriscarmos no karaokê hoje?
— Sávio, somos horríveis cantando. Na melhor das hipóteses, eles vão jogar tomates na gente igual nos desenhos — rebato, sorrindo e olhando para ele por cima do ombro.
— Sou daqueles que creem que o que vale é a diversão, viver a emoção do momento. Quem não se arrisca não tem história para contar — retruca ele, me seguindo.
— Isso diz muita coisa sobre suas burradas — provoco-o dando um sorriso maroto, enquanto me apresso para chegar até a porta.
— Engraçadinha — ouço ele dizer com a entonação enérgica.
Eu apenas sorrio, retirando a jaqueta ao entrar e a colocando sobre o braço. Meus olhos correm o lugar, em busca de uma mesa para sentar.
— Nossa, isso aqui faz o estacionamento parecer quase vazio — comenta Sávio atrás de mim.
Dou alguns poucos passos e observo mais um pouco na expectativa de ter alguém saindo de alguma mesa. Porém, logo percebo que isso não vai acontecer tão cedo. As pessoas parecem bem relaxadas, bebendo, conversando e rindo. Todas as mesas estão ocupadas, restando apenas as banquetas do bar como opção. Estou quase sugerindo isso, quando ouço:
— Sávio!
Seguindo a direção da voz, vejo um homem de barba cheia, todo tatuado e piercing no supercílio. Ele está a algumas poucas mesas de distância. Seu rosto antes sério é tomado pela alegria que cintila em sua íris.
— E aí, mano! — Sávio diz com uma entonação divertida, se espremendo entre mim e uma mesa próxima para chegar perto do rapaz.
Com uma leve sensação de desconforto, sigo Sávio sem fazer perguntas. Passamos nos espaços apertados, pedindo eventuais desculpas e licença.
— Tudo firmeza, mano? — pergunta o desconhecido, estendendo a mão para meu primo ao nos aproximarmos.
Quando a atenção do rapaz recai sobre mim, lhe cumprimento com um ligeiro aceno e ele faz o mesmo em retribuição.
— Ravi, tudo tranquilo, irmão! — escuto meu primo falar, enquanto volto minha atenção para a mesa.
Passo os olhos rapidamente pelo local. Noto na mesa, um pequeno prato sujo e vazio e dois copos com uma pequena quantidade de um líquido âmbar.
Whisky.
Ao olhar para ver a quem os copos pertencem sou surpreendida com um par de íris castanhas a me observar. Ele larga o celular em cima da mesa e passa a mão em sua camiseta preta com estampa de caveira. Olhando para o lado e dando um sorriso travesso logo em seguida. Envergonhada, desvio minha atenção para Sávio que continua conversando, noto que Ravi me observa.
— Olá! Melina, certo? — Ravi fala interrompendo Sávio e se aproximando de mim.
Sua proximidade me faz sentir seu forte hálito de whisky. Seus lábios se curvam, revelando um sorriso imperfeito.
— É um prazer conhecê-lo, Ravi — digo, rindo de leve
— Digo o mesmo. Agora, deixe eu apresentar a vocês o Micael, o irmão que a vida me deu — Ravi diz com a ternura estampada em sua feição.
De repente, o rapaz sentado no centro da mesa pigarreia. Ao encará-lo, noto que sua pele parda ganhou um leve tom avermelhado nas bochechas.
Sorrio.
Seus olhos encontraram os meus por um instante antes de voltar para Ravi.
— Micael, esses são Sávio e Melina — apresenta Ravi apontado para cada um.
— Oi! — digo, dando um breve aceno.
Ele assente, alisando sua barba por fazer e com uma expressão brincalhona no rosto.
— Beleza, cara? — pergunta Sávio, se inclinando sobre a mesa e estendendo a mão. — Sua banda manda muito bem.
— Obrigada, é sempre bom ouvir isso — Micael agradece segurando a mão de Sávio. — E aí, tão a fim de sentar com a gente?
Sávio e eu nos encaramos por um segundo, percebendo a hesitação em seus olhos, respondo:
— Se não for incomodar?
— Imagina, podem ficar à vontade — Micael responde prontamente, passando os dedos nos fios escuros e curtos de seu cabelo.
Olho para Sávio e vejo um sorriso maroto nos lábios. Dou de ombros ligeiramente, puxando a cadeira e me sento.
— Vocês vão beber o quê? — pergunta Ravi, sentando-se de frente para Micael.
— Pra mim, uma caipirinha — digo, pondo em meu colo a jaqueta e o celular.
Ao meu lado ouço Micael gargalhar.
— A Mel prefere cachaça, à vodka — expõe Sávio, fazendo todos rirem, ao passo que se inclina sobre a mesa.
— E quanto a você? — questiona Micael, olhando para Sávio. — Vai nos acompanhar? — Micael pega seu copo, erguendo e em seguida tomando o restante do Whisky num único gole.
— Sim, claro! Traz uma dose pra aquecer o corpo — diz meu primo, me encarando com alegria e levando os rapazes a comemorarem.
Ravi, chama prontamente o garçom que atendia outra mesa próxima a nós.
— Então, vocês são de onde? — pergunta Micael, enquanto Ravi faz o nosso pedido.
— Eu me mudei hoje para a casa do Sávio, eu tô morando com ele no bairro Alto dos Pinheiros — respondo, ao mesmo tempo que o Sávio pede para adicionar comida ao nosso pedido.
— Então seja bem-vinda a Vila Madalena. De onde você vem? Posso te chamar de Mel? — questiona Micael se inclinando suavemente em minha direção, com um brilho intenso no olhar.
— Muito obrigada. Pode me chamar de Mel sim… — respondo baixinho, tentando conter a vergonha. — Sou da zona leste. Me mudei depois que passei na universidade, vou cursar educação física.
— Futura personal trainer das estrelas — intervém Sávio, fazendo Micael se afastar.
Suspiro meio frustrada, meio envergonhada.
— Qual universidade? — pergunta Ravi, após tomar o último gole de seu whisky.
— É na Unieras.
— Interessante — diz Micael, com um riso enviesado e trocando olhares rápidos com Ravi. — Curso música lá.
Surpresa, apenas assenti em silêncio.
— Ele se forma neste semestre. Então, depois vai ser só pé na estrada com a banda — conta Ravi, se inclinando sobre a mesa, com um semblante animado.
— Parabéns! — dissemos em uníssono Sávio e eu.
— Obrigada! Mas, vocês estão intimados a ir assistir a um show nosso — impõe Micael, com o canto dos lábios tremendo e apontando para Sávio e eu.
— Vocês estão se apresentando onde? — pergunto, dando um sorriso torto.
— No Flama Final — responde Micael me observando por um longo período.
— Com licença, pessoal. Aqui estão as bebidas — ouço o garçom dizer, se aproximando sorrateiramente.
Com a visão periférica, vejo que o garçom começa a distribuir os copos na mesa, aproveito a deixa e desvio o olhar de Micael. Mas ainda sinto que ele me observa atentamente.
— Valeu, irmão — diz Ravi, erguendo o copo em um brinde solitário antes de dar um gole.
— Vou trazer a comida — diz o garçom e logo em seguida sai.
Sávio, desliza em minha direção o copo de caipirinha de frutas vermelhas. Assim que meus dedos agarra o copo, dou um breve mexida na bebida com o canudo e então tomei um gole.
— Está bom? — Micael pergunta.
Ao encarar ele, noto uma feição maliciosa no seu semblante. Eu concordo afirmativamente e tomo outro gole, fazendo todos rirem.
— Vou aproveitar que a comida ainda não chegou e vou ao banheiro — Sávio diz já se levantando.
Dou uma risadinha, enquanto ele se afasta. De repente, o celular do Ravi começa a tocar.
— Desculpem, tenho que atender — diz Ravi se levantando, após verificar o celular.
— Vai lá! — Micael diz, tomando um gole de seu whisky, enquanto seu amigo se afasta.
O silêncio se instala entre a gente. Entramos numa espécie de brincadeira de gato e rato. Nos encarando por alguns segundos, só para logo depois desviarmos o olhar.
— Então… — dizemos ele e eu em uníssono.
Rimos da coincidência.
— Pode falar — fala Micael, apoiando os cotovelos na mesa, com os olhos fixos nos meus.
— O que você faz na banda? Digo, você toca algum instrumento ou canta? — pergunto, tentando controlar meu nervosismo.
— Os dois. O rock é minha paixão — ele responde, dando um sorriso bobo. — Mas, sei tocar violão, guitarra e também canto. Além de compor algumas músicas.
Meus olhos se arregalaram ligeiramente, arrancando uma risadinha dele.
— Isso é…
— Desculpem a demora, pessoal. A casa está lotada — interrompe o garçom, nos fazendo encará-lo abruptamente ao colocar a comida na mesa. — Aqui estão as fritas e as iscas de carne. Desejam mais alguma coisa?
Encaro as batatas fritas, sentindo minha barriga despertar de tanta fome. Elas aparentam estar super crocantes. Sem conseguir resistir, peguei algumas e coloquei na boca.
— Entendemos perfeitamente. Qualquer coisa, a gente chama — ouço Micael, enquanto pega algumas batatas.
— Beleza, irmão — diz o garçom, já se afastando da gente. — Sobre o que falávamos?
Balanço sutilmente a cabeça de um lado para o outro enquanto mastigo depressa. Após engolir, comento, fazendo Micael dar uma risadinha.
— Acho que algo sobre você ser um homem multitarefas.
— Tenho certeza de que você é melhor do que eu nisso — ele argumenta, se inclinando sobre a mesa na minha direção.
— Eu não colocaria tanta expectativa assim em mim — digo, me aproximando dele.
Minha ousada aproximação faz seus olhos brilharem de uma maneira intensa, ele umedece os lábios, na mesma medida que inspira profundamente. Nos encaramos pelo que parece ser uma eternidade, quando por fim ele ameaça romper os milímetros que falta para unir nossos lábios. Estou quase sentindo o gosto do seu beijo, meus olhos estão fechando.