Ao final da aula de anatomia, estou um trapo. A cabeça, as mãos e a barriga doem tudo ao mesmo tempo.
— Será que dá tempo de comer e voltar para a aula? — murmuro pensativa, enquanto saio da sala.
Ao ver a moça de dreads parada a poucos metros da porta da sala, mexendo no celular, resolvo perguntar a ela onde fica a lanchonete mais próxima.
— Com licença — começo, após pigarrear, fazendo ela me encarar —, você poderia me dizer onde fica a lanchonete mais próxima.
— Claro, podemos ir juntas. Estou indo pra lá agora — responde ela docemente, me dando um sorriso.
— Perfeito! — digo animada. — Eu tô morrendo de fome. Acordei atrasada, não deu tempo de comer direito — conto, à medida que caminhamos lado a lado.
— Nossa, que treta — comenta ela rindo.
— Você é daqui mesmo, da Vila Madalena? — pergunto, puxando assunto.
— Sim! Nasci e me criei nesse lugar — responde ela, com o orgulho iluminando seu olhar.
— Nossa, que cabeça a minha — digo, levando a mão à testa. — Nem me apresentei. Prazer, me chamo Melina.
— Prazer, eu sou a Olívia — fala Olívia aos risos.
— Desculpe, acho que a fome está afetando mais minha mente que meu humor — comento, dando uma risada sem graça.
— Tranquilo, eu também não estou boa das ideias depois dessa aula — conta ela, enquanto viramos a esquina.
O campus nesse horário está bem cheio. Alguns alunos estão no lado de fora de seus blocos conversando e rindo. Já outros estão passeando, bem como Olívia e eu.
— Que aula foi essa — digo, levando o tom de voz e olhando para ela por um segundo, compartilhando do mesmo sentimento. — Sabemos que o corpo humano tem sua complexidade, mas não desse jeito. Você entende o que digo?
Ao voltar o olhar para frente, dou de cara com a Jade, vindo no sentido oposto ao nosso.
Fala sério! Inevitavelmente reviro os olhos ao vê-la.
— Total! — ouço Olívia responder prontamente.
— Olívia! — diz Jade com entusiasmo, se aproximando de nós mais rapidamente. — Olá, Melina — fala dando um singelo aceno.
Eu apenas faço um aceno de cabeça.
— Oi, Jade — cumprimenta Olívia, ajeitando a mochila nas costas.
— Você por acaso não viu a Analu por aí? Ela não responde minhas mensagens e preciso fazer os últimos ajustes para o Unisons — pergunta Jade, arqueando uma única sobrancelha.
Olívia balança a cabeça negando.
— Ela não tá com o Micael? — rebate Olívia, dando de ombros.
— É… vou ver isso agora — diz Jade, já se afastando da gente.
— O que é o Unisons? — questiono, após voltarmos a caminhar.
— É o evento mais aguardado de todos os semestres. É um evento de batalhas de bandas universitárias — explica Olívia, me encarando por um segundo. — Isso mobiliza toda a faculdade. Todos fazem algo para o evento acontecer.
— Nossa, incrível — digo admirada.
— O primeiro lugar ganha uma gravação profissional de uma música com um estúdio parceiro — conta Olívia, com o tom de voz ligeiramente alto.
Eu apenas assinto, dando um sorriso.
— Minha irmã é a Analu, ela está ensaiando igual uma louca com a banda.
— A banda dela é a Nação Errática? — pergunto não contendo a curiosidade.
— É, sim. Você é uma fã da banda? — rebate Olívia arqueando uma única sobrancelha.
— Não necessariamente. Conheci o Micael e o Ravi ontem num bar — explico, fazendo sua boca se abrir sutilmente.
— O mundo é muito pequeno — comenta Olívia, dando uma risada.
Eu assinto, enquanto paramos em frente a um pequeno food truck. O cheiro da comida faz meu estômago se contorcer. Me apresso em me sentar, para fazer meu pedido. Olívia e eu pedimos um salgado e um suco. Logo que trazem as coxinhas e os sucos de acerola, dou uma bela mordida na comida.
Olívia e eu conversamos um pouco sobre assuntos variados e sem tanta importância, à medida que íamos comendo.
Ao término do lanche e com barriga cheia, voltamos para nosso bloco assim que pagamos a conta. Logo após entrarmos na sala, o professor chegou para dar a aula de fisiologia. Olívia e eu olhamos uma para a outra com os cantos dos lábios tremendo.
Quando enfim chega o final da aula, me questiono seriamente sobre o quanto gosto de educação física. As disciplinas de fisiologia e anatomia são interessantíssimas. Mas decorar tudo sobre a estrutura e funcionamento do corpo humano parece ser uma missão impossível.
Sinto que terei dificuldades nessas matérias.
Suspiro.
— Algum problema? — questiona Olívia, virando-se em sua cadeira na minha direção.
— Alguns. Cansaço, sono, fome, dor de cabeça e insegurança — conto fechando a mochila, fazendo ela dar uma risadinha.
— Vamos dar conta — diz Olívia se levantando e passando o braço na alça da mochila. — Você vai agora?
— Sim, não vejo a hora de chegar em casa. — respondo, fazendo um aceno de cabeça. — Queria ser mais positiva — comento, sentindo uma pitadinha de inveja no peito.
Após eu colocar a mochila sobre os ombros, saímos da sala. Olívia e eu caminhamos, discutindo os pontos que mais chamaram a nossa atenção nas aulas hoje.
— Melina, Olívia — grita uma voz familiar, interrompendo nossa conversa.
Olhamos abruptamente na direção do som e encontramos Micael do outro lado da rua, na frente do bloco G. Atravessamos a rua e fomos ao seu encontro.
— E aí, como foi o primeiro dia de aula? — pergunta Micael ao nos aproximarmos, erguendo as sobrancelhas algumas vezes.
— Estou repensando algumas decisões que tomei — respondo, arrancando uma gargalhada dele.
— Normal — diz ele, dando de ombros —, os começos são bem difíceis. Mas você é dedicada, tenho certeza que vai tirar tudo de letra.
— É o que eu disse a ela — comenta Olívia, apontando para mim.
Estou prestes a abrir a boca para me defender, quando sou impossibilitada.
— Micael — chama Jade.
Ao olharmos para ela, a vemos caminhando com a atenção voltada para seu celular. Como Micael não responde logo, ela olha para frente.
— Meninas — diz Jade, com um aceno de cabeça. — Mica, precisamos fazer a inscrição da Banda no evento e discutir sobre anúncios. Acho que já está na hora de pensarmos nisso.
— Claro — concorda Micael, sem muito entusiasmo. — O dever chama! Tchau, pessoal. — Ele se despede antes de se afastar, com a Jade em seu encalço.
Logo que chego em casa, passo direto para o quarto, sentindo o sono de um urso em período de hibernação. Mas meus planos de dormir vão por água abaixo assim que abro a porta, me deparo com uma mala em cima da cama, rodeada de roupas em volta.
Céus, Melina!
Respiro fundo.
— Sem chance de vocês irem para o guarda-roupa agora — resmungo apontando para as roupas e caminhando em direção à cama.
Assim que me aproximo, tiro a bolsa e o casaco, jogando os itens numa pequena área que tem livre aos pés da cama. Então começo a colocar as roupas de volta na mala, me amaldiçoando mentalmente por não ser organizada.
Logo que estão todas na mala, ponho ela no chão. Após um bocejo, me deito na cama, com o pretexto de descansar só um minutinho. Mas sorrateiramente a preguiça me invadiu e a inconsciência tomou conta. Em algum momento acho que ouvi o celular tocar, mas no sono que eu estava, sem chance de ir verificar o que era.
Acordo ao som da música Proibido do grupo Sorriso Maroto. Resmungo algo inteligível antes de pegar o celular na mochila. Ainda sonolenta, não olho para ver quem está ligando e simplesmente atendo.
— Oi — digo com a voz grogue, voltando a pôr a cabeça no travesseiro.
— Melina Magalhães! — Ao escutar a voz da minha mãe, abro os olhos abruptamente.
— Mãe, oi. Algum problema? — questiono me sentando ereta na cama.
— Sim, por que você não me ligou? O combinado era ligar assim que chegasse — fala rápido as palavras e com o tom de voz alto.
Caramba!
— Desculpa — murmuro, voltando a me deitar. — Assim que cheguei, o Sávio e eu saímos. E hoje foi o primeiro dia de aula, o dia foi cansativo.
— E como foi a aula? — questiona mudando ligeiramente o tom de alto para suave.
— Foi demais! Hoje foi anatomia e fisiologia, tudo foi um pouco assustador — conto, dando um suspiro. — E o pai, como está?
— Foi trabalhar estressado. Perguntei o porquê do estresse, não quis dizer e para não perder minha paz, fiquei na minha.
— Dona, Lúcia — falo, dando risadas.
— Acho que deve ser um problema na lanchonete — comenta, após bufar. — Ele é um grande cabeça dura.
Só ele? Tá bom!
— Tá bom, então — digo contendo o riso, enquanto sinto minha barriga roncar. — Mãe, preciso desligar, vou tomar um banho e comer alguma coisa.
— Certo, beijo.
— Beijo. — Me despeço e em seguida encerro a chamada.
Após terminar a ligação, fico na cama mais alguns minutinhos olhando as redes sociais e respondendo algumas mensagens que recebi. Mas assim que a fome se torna demais, me levanto da cama para cuidar e ir comer alguma coisa. Tomo um banho rápido e visto a primeira roupa que vejo na mala, em seguida saio de casa para conhecer o bairro.
Ao sair de casa, caminho sem pressa, só com o celular no bolso da saia e o sol se pondo no horizonte. Aqui as calçadas são largas, cheias de sombra, e tem umas casas que parecem ter saído de um filme. A rua está tranquila, com pouca movimentação de pessoas e carros. Passo por uma banca pequena que vende mais revistas de design do que jornal. Tem uma senhora regando plantas, e um cachorro de coleira listrada que me olha como se soubesse que sou nova por aqui.
Logo que dobro a esquina, vejo uma cafeteria charmosa e com uma pegada vintage. Quanto mais a observo, mais forte se torna o desejo de conhecê-la. Imediatamente começo a caminhar em direção a ela. Ao me aproximar, as vozes de três clientes sentados à mesa do lado de fora ficam mais altas. Querendo aproveitar o ar livre, escolho uma mesa do lado da deles. Enquanto espero ser atendida, dou uma olhada no cardápio sobre a mesa.
— Mel!