Batalha de ___, ano ___.
Novamente, as fronteiras Betonicas estavam sendo contestadas pela mão dos rotomanos, a batalha, a guerra surgiu como resposta à agressão.
O conflito se estendeu por toda a fronteira sudeste, carregando o lugar aos piores momentos, a espada, o machado e a lança já não eram empunhados somente pelos homens, a desgraça havia chegado na delicadeza e na inocência, quem antes era justificativa para lutar se tornava lutador. A guerra tomava a paisagem, somente o céu se mantinha intocado pelo sangue e pelo metal.
Em meio ao atrito, um golpe foi acertado, seu alvo não era um cavaleiro e tampouco um camponês, era somente uma jovem, que por azar ou por virtude rumou ao campo de batalha. Trespassada pela lança de seu algoz, incapaz de devolver o dano sofrido, viu este passar com seu poderoso cavalo enquanto a lança se mantinha fincada em seu corpo.
A dor a fez cair, debruçada sobre as rochas de um campo de batalha, que aos poucos mudava de lugar. O barulho do bater do ferro, do impacto das flechas sobre a sólida madeira dos escudos e do relinchar dos cavalos ficava distante, estava só, em meio ao rochedo terreno, vendo apenas o despedir da grande estrela Solaris.
Porém, o barulho cessou, como se fosse ordenado, apenas poucos passos eram escutados, como de um caminhante a viajar. A jovem guerreira, imatura de corpo e de alma, virava o rosto para ver quem se aproximava. Era um homem sem cabelos, sem barba, vestido com roupas civis, não portando nenhum tipo de arma, sua pele era cinzenta e suas orelhas deformadas.
— ... Veio me ajudar? — A garota olhava, tremula, enquanto se mantinha imóvel pelo golpe levado.
— De certa forma, sim. Mas antes... — o homem se agachava à frente da guerreira, com um olhar calmo enquanto via seu estado. — Me conte sobre você.
Ela suspirou pesadamente, colocando a mão no peito, ainda com a dor a atormentando. — Me chamo Emilka... sou de uma vila próxima daqui. — Puxou o ar e tossiu — pode me ajudar?
— Vá me contando, que aos poucos isso vai passar. — O estranho tocou na ferida e seu toque deixou uma sutil marca, uma mancha cinzenta como a da fuligem, sem cheiro, removendo sutilmente a dor.
— Eu era uma camponesa, meus pais cuidavam de porcos. — Interessante... — o civil movia as mãos pelo torso dela em um rito sutil — Tinha filhos? Ou era casada?
— Eu ia me casar na próxima primavera, meu pai havia me arranjado um homem bom... — Cada palavra parecia que o ar a abandonava mais do peito, a dor se ia, mas a sensação de sufocar não parecia deixá-la — Mas a guerra chegou e atrapalhou tudo. Agora estou aqui.
— Você é bem jovem, mas é madura, algo bom... — Ele ia até as pernas, retirando as dores. — Você tem algum arrependimento?
A jovem relaxou a cabeça, escorando-a na pedra — Eu tenho. Eu me arrependo de gostar de inventar histórias.
— Inventar histórias não é algo ruim.
— Mas eu mentia muito, era divertido... às vezes... achava que as pessoas já sabiam, mas gostavam do jeito que eu as contava.
Ele tocou a cabeça da jovem que tossia ao fim de cada fala, dissipando aquela dor. — Você teria sido uma boa barda. Eles adoram exagerar nas histórias.
— Mas vejo que você foi uma pessoa boa, Emilka, você irá para um lugar bom, tuas mentiras são leves, foi bom tê-las confessado. — A jovem suspirou, fechando os olhos, cansada da batalha e tranquilizada pelo fim da dor.
— Eu morri, não foi?
O cinzento apenas consentiu com a cabeça.
— Morreu, infelizmente. Eu não gosto muito de levar os jovens... mas vocês vivem se colocando em risco. Está pronta para seu julgamento, pequena criança? A alma se levantava, o corpo permanecia como se fora fincado, o Messo a ajudava a caminhar sem ter forma.
— Estou... — O demônio saudou a jovem finada, deixou em seu finado corpo a bela for branca, em seus braços a carregou como se fosse uma recém nascida, com delicadeza, com cuidado.
Aos poucos ambos saiam do plano original, a jovem alma era levada para Jultária para ser julgada, para finalmente chegar a paz.
E assim, mais um entre centenas se foi, mais uma filha enterrada pelos pais, mais uma noiva que não pôde pisar no altar, mais uma mulher que não pôde dar à luz... Mas uma vida que se esvai, a caminho de Jultária, onde será julgada e onde encontrará a paz.