CORDÉIS - vt Suzumura

Bruna Acqua faz psicanálise. Ela está acostumada às diferentes salas e linhas de psicanalistas e terapeutas que tem frequentado desde criança. Ela se senta na poltrona em frente ao psicanalista. Seu olhar é fixo nos olhos do terapeuta. Sem vergonha, sem culpa ou qualquer constrangimento, ela diz:

– Eu sei o que você está pensando.

O psicanalista desvia o olhar encabulado.

– Você acha que eu sou uma puta ambiciosa, não é? Sem escrúpulos.,, Se eu fosse homem seria obstinado, determinado, focado, resoluto. Porque não tenho um pinto no meio das pernas, eu sou uma puta gananciosa. Uma vagabunda egoísta que usa o sexo e a sensualidade para se promover, para conseguir o que quer.

– Eu não disse nada... – Interrompe o psicanalista.

– Eu não disse nada. É você quem tá dizendo isto. Pensa nisto. Blá-blá-blá. – Bruna o emita com impaciência. O psicanalista permanece em silêncio, aguardando. E então Bruna continua, em tom professoral:

– Assim que o óvulo é fecundado, o feto começa a crescer. Por nove meses, o feto vive em seu Jardim do Éden. Ela... Ela tem calor, comida, proteção, carinho. Toda a realidade que ela conhece e precisa está ali, no ventre, em simbiose com a mãe. O que a mãe come, ela come; o que a mãe bebe, ela bebe, o que a mãe sente, ela sente... E então, ela é expulsa do seu lar e exposta ao frio, ao barulho, ao infinito espaço do desconhecido e do medo, do inesperado, do caos... Cortam seu cordão umbilical, sua ligação com o mundo, ela precisa suportar apreender a respirar e suportar a dor... E então, ela retorna para os braços da mãe. Ela a reconhece de imediato. É o seu paraíso perdido... Ela ganha o seio, o alimento, o conforto e o amor. Não precisa de mais nada. – Bruna sorri maliciosamente. E continua:

– Por que eu teria inveja do pênis? – Bruna abrindo mais um botão de sua camisa já decotada.

O psicanalista sua, Bruna sorri com o desconforto provocado e, como uma metralhadora, descarrega:

– Os animais se utilizam de tudo o que tem para conseguir o que querem: comida, água, sexo... O melhor parceiro para dar uma cria. Procuram o mais forte, o mais belo canto ou plumagem, o mais inteligente ou o mais rápido... Sobrevivência. Evolução. É a natureza. Apenas a mãe natureza se manifestando. Mas o homem, o homem destrói a natureza. Tudo o que é há de belo e simples. Uma mulher bonita não pode ser inteligente, bem-sucedida. Uma mulher inteligente não pode ser bonita ou sensual. Esta influencer é bonita e burra. Aquela executiva é inteligente, gente boa, mas como é feia, né? Ou chata, malcomida. Essa é “pra comer”, aquela é pra “pra casar”. Os homens simplesmente não suportam a ideia de que uma mulher pode ser tudo, bonita, inteligente, culta, independente. Livre. De que ela está no comando, no controle. De que a leoa que aguarda, tranquila, a disputa que vai definir o leão vencedor, o macho alfa. De que a leoa não é a recompensa do macho alfa, mas a rainha que deseja o melhor pai para sua descendência. Os homens simplesmente não suportam a ideia de que a mulher é a protagonista, de que ela escolhe o que vai fazer, com quem vai trepar e quando. Se um homem faz isto, ele é o Dom Juan, o garanhão. Se uma mulher faz isto, ela é galinha, vaca, puta. Eu não sou o prêmio de consolação que um punheteiro que quer comer a mãe ganha por ter sido um bom menino. Eu não sou a versão comível da sua mãe santa. E também não sou a prostituta com quem você vai realizar suas fantasias mundanas e proibidas. Eu apenas sou. E tenho fome, sede, desejo, tesão. Eu quero que vocês e seus pintos se fodam. Eu quero que sua opinião vá pra puta que pariu...

Bruna ri e então continua agora, muito lentamente, palavra por palavra:

– Eu quero que sua opinião vá pro corno infeliz que é o seu pai.

O psicanalista continua suando, seus batimentos cardíacos sobem, enquanto tem uma ereção. Ele não sabe ao certo o que dizer, qual é sua opinião.

– Eu estou viva! – Finaliza Bruna.

Sem dizer mais nenhuma palavra ou aguardar qualquer comentário ou sugestão, Bruna se levanta e sai da sala batendo a porta de uma vez por todas. Ou não, se ela decidir voltar.

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