ENTRELINHAS

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Brenda Brito

@ruivinhadobairro

No meio do doce breu que meus devaneios tinham a oferecer, 

você era um salgado escarlate. 

Me temperando na medida certa e no tom do meu percurso. 

E acaba se faz curto-circuito. 

Me arrependo, mas já entrei no teu foda-se, onde eu sou o sufixo. 


[brenda]



É relativamente tarde

e ainda não apaguei a

luz. O brilho cansa

meus olhos e eu

apenas sinto isto,

com prazer. Minha

raposa me encara em

minha pose

provocante, mas sem

intenção - a quem?

Ora, pois, não vou

blasfemar que não há

ninguém, há a mim, e

me admiro de cima

para baixo de luz

acesa, todas as

minhas curvas cada

dia mais vis, eu,

Capitu, sempre

Capitu. Eu queria que

vissem a raposa, mas

veem a perna atrás

dela. Eu queria não

ser culpada mas, eu

sou, para todos e

talvez para sempre,

Capitu. Ainda não

escolheram se, à

Capitu, querem amar

ou acusar. Querem

seus olhos mas temem

ver com eles.

[brenda]



Como disse C. Lispector, eu era aquela que só

era bonita por ser mulher. Nada diferente ou

exótico em meus traços. Comuns como eu.

Comuns como minha inteligência que passa

disfarçada no tamanho pelo bom uso das

palavras, o que não é um dom, mas sim

trabalho de uma vida. Faço várias coisas mas

não há nada em que eu me dê, algo que seja -

que seja feito para mim. Devolvia um ponto de

interrogação a quem me olhava como se eu

fosse dona de algum feitiço. E a mistura dos

tempos verbais - eu sou um presente

imperfeito - aquele que não é escolhido com

muito amor e nem agrada demais, mas é bom

o suficiente para que não se guarde na

gaveta.


[brenda] 


Ajeitou metodicamente a coroa na cabeça.

Metodicamente, acariciou o vaso caro sobre a

penteadeira. Surgiriam boatos de que estaria

enlouquecendo se... se quebrasse o precioso

vitral de sua janela com o precioso vaso? Ah,

não, poderia dizer que exagerara no vinho.

Pegou metodicamente o vaso. Não lhe era a

coisa mais cara - a serpente dormia na cama.

Acariciou a louça, armou, jogou. Ambos os

vidros se partiram em estilhaço. Sorriu,

histérica. Logo vieram criados à porta

perguntar se Vossa Alteza estava bem. Melhor

que nunca! - guinchou. Com os vidros

quebrados ao chão, deitou-se na cama e

pôde sentir a pele fria da cobra em contato

com sua própria frieza que tinha aberto

espaço no verão que costumava ser.


[brenda]


Que o corpo físico é efêmero. Gosto

de usá-lo para viver da alma, ainda

aqui, um treinamento não

proposital. Que meu tato sinta as

peles, as bocas, os cabelos, as

plantas, os pelos, o quente e o frio,

mas que o sentimento guie a

sensação. Que mesmo que minha

mente se embriague, eu faça disso

a alma voar. Que eu chore quando

precisar. Que eu possa, e

principalmente, queira amar.


3 de setembro de 2018 22:11


Carece tempo e um

bocado de neurônios,

uma dose de silêncio

interior e uns olés

da vida pra entender

que, quando você não

se preocupa em ser o

melhor de ninguém,

você é o melhor de

si


[brenda]



A moça do rosto de porcelana. Não na

fragilidade desta, sim na delicadeza. Havia ela

escolhido com zelo cada peça que iria compor

seu vestuário, cheiro, sentimento e

personalidade. O vestido deveria mostrar-lhe

as curvas sem apertar e refrescá-la voando ao

Sol. A flor do chapéu deveria alinhar-se com a

cova na bochecha e combinar com o batom.

Cheiraria a rosas e café, e o hálito seria doce.

Respiraria calma quando encontrasse o

moço... O moço cheirava a sabão, não

espanara o chapéu e agia sem calma - mas

ela se perdeu em seus olhos cor de oásis... Se

afogou no único e óbvio elogio que ele Ihe fez.

Amou ser tão desejada como foi,

esquecendo-se que ela causaria tal efeito em

praticamente quem simplesmente apontasse.

E o fogo na palha não durou. Voltou de

vestido amarrotado e jogou de qualquer jeito

os bibelôs na penteadeira, tirou com um lenço

umedecido o resto do batom, sentou-se à

beira da cama e pensou no desejo que

vegetava, morto apenas pela metade. Que

faria para despendurar-lhe a cabeça? Olhou

os dedos e... não. Frustrou-se num suspiro,

jogou-se ao colchão de roupa íntima -

radiante como o Sol, bela como a Lua, longe

como Plutão - jogou-se ao colchão e abriu o

livro de cabeceira num capítulo que dizia: não:

espere. Não era o tal sentido mas assim - do 

jeito que melhor cabia - entendeu. Correu 

então a mão dos cabelos ao resto do corpo

inteiro. Como era bom cheirar a café.

[brenda]



Coloquei-me toda

pomposa naquele vaso

caro. Minhas cores

brilhavam ao sol, eu

sorria ao sol. Fui

adubada com as mais

sinceras bajulações:

“mentiras sinceras me

interessam”. Mas

nenhuma vez fui

regada, passei os

dias a pedir chuva...

Flores criam pernas?

- Ora, fui longe e

forte na seleção

natural - havia um

lago, me joguei.

[brenda]



Ela amava os

besouros, os

gafanhotos, as

lagartixas, sapos e

cobras. Amava gatos,

cães, cavalos e os

animais que os

humanos cortavam.

Amava as flores, o

mato, as árvores, o

céu, a água e o fogo.

Amava também pessoas

mas, quando tinha que

amar pessoas, não

sabia medir o amor.

Acabava desprezando

ou desmedida. No

desmedir-se,

sufocava-se. No

desprezo, não se

sentia gente. Vive

para tentar aquietar

a alma num processo

de não desistir de

aprender a amar o

mundo.

[brenda] 


Tenho amado o

invólucro que

contorna minha alma

enquanto ele ainda é

meu - enquanto

respira. E respiro

forte deixando que

outras pessoas o

amem, que entrem

nele. Tantas vezes

violado mas ainda

belo, ainda meu,

enrolando com cuidado

o que verdadeiramente

sou - milhares de

anos e dezenas de

nomes - inviolável.

Toque-me, digo. Mas

nunca chegarás com

teus dedos até minha

alma. Esta só se toca

com semelhante.

[brenda]



Penso que, se o amor

tivesse um cheiro,

seria cheiro de gato.

E pra quem acha que

gato não tem cheiro,

gato tem cheiro de

amor.

[brenda]



Penso que, se o amor

tivesse um cheiro,

seria cheiro de gato.

E pra quem acha que

gato não tem cheiro,

gato tem cheiro de

amor.

[brenda]



- Cadê o Vô Tião, eu perguntava agitada, os cachos loiro-dourados arrumados com amor e zelo, eu queria ver o meu bisavô na sua cadeira de balanço, eu queria sentar e me balançar junto e lá estava eu mais ou menos aos quatro anos sentada no joelho da calça cinza com o velho de pele morena e cabelos escorridos saindo de uma cabeça enfiada numa camisa xadrez azul e amarela, e todo ele a cadeira tinham cheiro de cachimbo - os cabelos já ralos, o velho era feliz com a bisnetinha e eu era feliz com meu bisvovô Tião. E do mesmo jeito cheguei outro dia na casa de Vó Vida para vê-lo, e me lembro de ver, a partir da minha altura de criança pequena, só a cabeça imóvel e de olhos fechados e algo branco embaixo abaixo da cabeça que eu pensei estar separada do corpo - essa é a sensação na minha lembrança na altura de menina pequena porque seus pés apareciam embaixo - o que estava abaixo da cabeça eram flores brancas - rosas - também me lembro não sei de onde, e meu medo, meu desespero, como podia ele ter perdido a cabeça… não me lembro exatamente de chorar em cima do caixão como minha mãe disse que fiz. Foi meu primeiro contato com a morte.

[Brenda]